OLIMPÍADAS 2008
A prata da casa é ouro
‘VEJA mandou a Pequim uma equipe de profissionais prata da casa que seriam fortes candidatos a medalha de ouro em uma eventual competição jornalística. Liderados pelo redator-chefe, Mario Sabino, foram à China cobrir os Jogos Olímpicos o diretor de Veja São Paulo, Carlos Maranhão, e a editora Thaís Oyama. Maranhão tem uma experiência em eventos esportivos internacionais difícil de igualar. Ele já cobriu sete Copas do Mundo e Pequim será sua quarta Olimpíada. Thaís tem intimidade com o mundo do esporte pela prática do caratê, e por uma reportagem exclusiva publicada em VEJA em 2005 que desbaratou uma máfia de juízes fraudadores de resultados no futebol brasileiro. Antes de embarcar, Thaís poliu seu jornalismo esportivo ao editar a extraordinária VEJA Olimpíada, distribuída gratuitamente a todos os leitores da revista na semana passada. Com a agudeza de percepção que o caracteriza, aliada ao talento de romancista traduzido em diversos idiomas, Sabino cuidará para que as conquistas esportivas não sejam o único foco da equipe na China. Sua saborosa reportagem sobre a arquitetura de Xangai publicada nesta edição é uma amostra do que se pode esperar nas próximas semanas.
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A partir desta edição, a última página da revista passa a ser ocupada alternadamente por artigos de Roberto Pompeu de Toledo e José Roberto Guzzo. Depois de quase onze anos iluminando, emocionando, informando e fazendo refletir os leitores de VEJA com sua coluna semanal, Pompeu decidiu espaçar suas colaborações. Quem o conhece sabe que suas decisões profissionais são precedidas da mesma dose de reflexão serena que utiliza para escrever e, por isso, não podem ser revertidas, mesmo pelo uso dos melhores argumentos. A história de José Roberto Guzzo, que assina suas colunas com as iniciais J.R., confunde-se com a de VEJA. De 1976 a 1991, por quinze anos, portanto, Guzzo foi diretor de redação da revista. Há seis meses ele voltou como colunista e agora, com sua análise rigorosa e fundamentalmente bem escrita, passa a revezar com Pompeu na última página – com uma diferença, sua foto. Diz Guzzo: ‘A publicação da foto do autor, infelizmente, não melhora a qualidade do que ele escreve. Mas as regras da revista estabelecem que o artigo da última página venha com foto; cumpram-se as regras’. Ganham os leitores de VEJA com o duelo de inteligência e estilo que se prenuncia.’
POLÍTICA CULTURAL
Fim do carnaval
‘O Brasil perdeu, na semana passada, o seu ministro mais vistoso. À frente do Ministério da Cultura desde o começo do primeiro governo Lula, o tropicalista Gilberto Gil deixou o cargo para se dedicar integralmente à carreira artística – da qual, aliás, nunca descuidou nos seus cinco anos e meio como servidor público. Com freqüência, Gil sacou o violão para cantar em solenidades oficiais. Chegou a fazer uma jam session com o então secretário-geral da ONU Kofi Annan, em 2003, em episódio que gerou a imagem emblemática da sua gestão. Essa compulsão para o trio elétrico foi o, por assim dizer, ponto forte de sua temporada como ministro. ‘Gil deu visibilidade à cultura’, diz Juca Ferreira, ministro interino e provável substituto de Gil. Ninguém contesta a tal visibilidade. Mas o que, afinal, havia para ver? Pouco. Gil agitou na discussão sobre as leis de direito autoral e de incentivo à cultura, mas deixou a resolução das duas matérias para o sucessor – ou para nunca mais. Deitou uma falação gongórica sobre do-in antropológico, descentralização da cultura e outros temas recorrentes. Um de seus projetos mais ambiciosos felizmente morreu no nascedouro – a Ancinav, a agência que regularia as atividades audiovisuais e daria ao governo controle virtualmente ditatorial sobre os meios de comunicação.
A Cultura conta, neste ano, com um orçamento de 1,15 bilhão de reais – uma porção ínfima do orçamento da União. Pode parecer uma pasta chinfrim, mas há muita gente de olho no osso que Gil largou. Entre outros nomes, o ator Celso Frateschi, presidente da Funarte, conta com a simpatia de setores do PT. Gil, porém, afirma ter obtido de Lula a garantia de que seu secretário executivo, o sociólogo Juca Ferreira – que já respondia pelas operações diárias do ministério, especialmente durante as licenças artísticas do ministro -, seja empossado quando o presidente retornar da viagem à China, no dia 10. ‘Entrego um ministério recuperado para a sociedade e repactuado com os setores culturais’, diz Gil, em sua versão da retórica lulista do ‘nunca antes neste país’.
Mas Gil não trouxe inovações para o governo. O Ministério da Cultura e os órgãos a ele vinculados têm uma propensão histórica para pitorescos programas de ‘proteção’ à nacionalidade folclórica. No governo Sarney, a passagem de Ziraldo pela Funarte virou piada quando o cartunista anunciou a disposição heróica de proteger a culinária mineira, no que ficou apelidado de ‘política da broa de milho’. Na mesma linha, a gestão Gil reconheceu que a capoeira, pernada a três por quatro, faz parte do ‘patrimônio cultural imaterial’. O ex-ministro é simpático à idéia de tombar o chá de ayahuasca, alucinógeno conhecido como santo-daime. ‘São manifestações importantes da vida subjetiva do país’, afirma. É de esperar que, fora do governo, Gil continue trabalhando as suas subjetividades. Palco é com ele mesmo.’
MÍDIA & TECNOLOGIA
Tudo ao mesmo tempo – e agora
‘Era uma vez uma rotina em que criança bem-criada e educada era aquela que tinha horário para tudo e não misturava as coisas: brincar era brincar, estudar era estudar, ver TV… bem, todo mundo entendeu o conceito. Pobres dos pais que ainda alimentam alguma ilusão de ritmo seqüencial. Cercadas de aparelhos eletrônicos que dominam desde cedo, as crianças da era dos estímulos constantes e simultâneos são capazes de executar três, quatro, cinco atividades ao mesmo tempo – e prestar pelo menos alguma atenção a todas elas. Têm até uma designação, dada por especialistas em nomear coisas que todos sabem o que são, mas não como se chamam: são crianças multitarefas, e encaram isso com total naturalidade. ‘Eu tenho de ficar atenta a tudo. Parece que tenho quatro olhos e quatro ouvidos’, descreve Beatriz Dreger, 10 anos, que costuma ouvir música, conversar on-line com os amigos, checar mensagens e ainda deixar a televisão ligada à espera de seus programas preferidos, tudo isso enquanto faz a lição de casa. E Beatriz é ótima aluna. Pesquisa realizada em maio pela Turner Internacional do Brasil, responsável pelo canal pago de televisão Cartoon Network, confirmou que 73% dos meninos e meninas entre 7 e 15 anos têm o hábito de combinar um número de tarefas simultâneas que varia de três, para os menores, a até oito, no começo da adolescência. ‘A princípio, uma coisa chama mais atenção do que outra. Mas a partir dos 9 anos a criança já consegue dividir a atenção de maneira equilibrada’, diz a publicitária Renata Policicio, que coordenou a pesquisa. ‘Como não querem perder tempo nem informação, ficam ligadas em tudo e absorvem como esponjinhas.’
Uma explicação para o fenômeno é neurológica: o cérebro infantil, superestimulado, funciona a mil. ‘Qualquer teste de desenvolvimento de inteligência mais antigo concluirá que a criança de hoje é gênio’, afirma o neurologista infantil José Salomão Schwartzman,70, professor de pós-graduação da Universidade Mackenzie, de São Paulo. ‘De fato, ela é mais inteligente, porque tem o cérebro exposto a uma quantidade crescente de estímulos desde cedo e estabelece precocemente um número maior de conexões entre neurônios’, explica. Os resultados espantam pais e professores. ‘Para estudar, eu precisava de silêncio. Meus filhos Guilherme, de 11 anos, e Heloísa, de 8, não ligam para isso’, diz Rita de Cássia da Silva, 36, uma das 29 mães que aceitaram o convite dos pesquisadores para anotar todas as atividades das crianças durante quatro dias. ‘O momento mais surpreendente para mim foi quando vi que minha filha falava ao telefone com um primo sobre um trabalho da escola, conversava pelo MSN – notebook no colo – com uma prima e ainda estava de olho na televisão’, lembra Rita. Outra que levou susto foi a gerente de loja Jacqueline Waiswol, 37, que também fez um diário das atividades do filho, Thomas, 7. ‘Um dia ele estava jogando videogame, brincando com um bonequinho e, com o rabo do olho, assistindo a um seriado na TV’, lembra. ‘Perto dele, minha filha me dizia aonde precisava ir à tarde. Thomas, sem parar nada do que estava fazendo, declarou: ‘Eu não vou junto’.’ Estranhamente, funciona. ‘Na avaliação das próprias crianças pesquisadas, a tecnologia faz com que elas sejam mais rápidas no pensamento e na hora de escrever’, diz Renata Policicio, a coordenadora da pesquisa.
Há pontos negativos, evidentemente. Um deles é a crescente dificuldade de relacionamento pessoal para a meninada, que, quando não está na escola, ocupa boa parte de seu tempo com jogos e amigos virtuais. ‘Nada substitui a relação pessoal. É através dela que a criança aprende a trabalhar em equipe, lidar com as frustrações e ceder nos momentos adequados’, adverte a psicóloga Suzy Camacho, autora do livro Guia Prático dos Pais. Consciente das limitações da vida virtual, a gerente de vendas Angelita Baliú, 42, do Rio de Janeiro, tenta expandir os horizontes do filho Eric, 10. Ele só tem autorização para ficar uma hora por dia no computador e uma hora jogando videogame. ‘Se deixar, passa o dia todo, mas faço questão de que ele desça para brincar com outras crianças’, diz Angelita. Eric até sobrevive sem eletrônicos, mas continua a diversificar suas atenções. ‘Já o peguei lendo um livro enquanto fazia o dever de matemática e assistia ao noticiário na TV’, conta a mãe. ‘E ainda comentou uma reportagem.’
Com crianças assim, professores comprometidos com resultados precisam se esfalfar para tornar suas aulas atraentes. ‘Apela-se para todos os recursos tecnológicos disponíveis. GPS para explicar geometria, pesquisa na internet para quase tudo’, descreve Sérgio Boggio, 61, diretor de tecnologia aplicada à educação, do Colégio Bandeirantes, em São Paulo. Para crianças agilíssimas no teclado (inclusive com os polegares, esse apêndice subutilizado que o celular e o videogame tornaram indispensável), o Instituto GayLussac, de Niterói, oferece revisões e lição de casa on-line. Giovanna Saffi, de 9 anos, acha normal. Aluna da 3ª série da escola, ela já foi blogueira do suplemento infantil de um jornal e se orgulha de ter aprendido sozinha a digitar com os dez dedos. ‘Divido o teclado em duas metades e uso o polegar para as teclas do meio’, ensina. A rapidez e a multiplicidade podem ter certo custo. ‘Percebo que as crianças processam rapidamente um número maior de informações, mas num nível superficial. Ir fundo num assunto é difícil para elas’, diz o professor Boggio. ‘Isso acontece porque o cérebro humano dispõe de capacidade limitada e, conseqüentemente, para ter eficiência máxima, precisa que o foco de atenção seja também limitado’, explica o neurologista Schwartzman. Autor de um livro sobre o transtorno do déficit de atenção e hiperatividade (TDAH), Schwartzman traça uma relação, cautelosa como exige um tema de semelhantes dimensões, entre a propagação da multitarefa no universo infantil e o aumento de crianças diagnosticadas com o distúrbio. ‘Uma das causas, com certeza, é o fato de que se expõe a criança a um número excessivo de estímulos, sob pressão para que ela seja cada vez mais veloz em várias atividades’, diz. Para quem tem pressa em determinar as conseqüências futuras das atividades simultâneas, a ciência ainda responde em ritmo do passado. ‘Vamos ter de esperar uma ou duas gerações para saber se a multitarefa será predominantemente positiva ou negativa na fase adulta’, acredita Schwartzman.’
EUA vs. IRAQUE
A guerra acabou
‘A guerra no Iraque acabou. Só que ninguém parece ter notado. O Iraque se tornou O Deserto dos Tártaros dos americanos. Isso mesmo: Dino Buzzati. No romance, os soldados italianos, entrincheirados num forte, preparam-se para o ataque do inimigo. O ataque nunca acontece. Passam-se décadas e mais décadas. Aos 54 anos, o protagonista finalmente adoece e morre. Sem jamais ter abandonado o forte. Sem jamais ter combatido os tártaros.
Como é que alguém pode afirmar com tanta certeza que a guerra no Iraque acabou? Pelo número de fatalidades. Em julho deste ano, morreram apenas treze soldados americanos, oito dos quais em combate e os outros por causas acidentais ou naturais, como o protagonista de O Deserto dos Tártaros. Compare com a mortandade do mesmo período do ano passado. Em julho de 2007, morreram 79 soldados americanos – seis vezes mais. O inimigo sumiu.
Uma queda semelhante ocorreu entre os civis iraquianos. Em julho de 2007, de acordo com o site independente Iraq Coalition Casualty Count, foram mortos 1 690 iraquianos. A imprensa repetia todos os dias que o Iraque já mergulhara numa guerra civil, e que a estratégia dos Estados Unidos de aumentar o número de tropas fracassara tragicamente. De lá para cá, tudo mudou. Em julho de 2008, foram assassinados somente 402 iraquianos. A maioria em atentados de mulheres-bomba.
Pode-se argumentar que uma guerra é mais do que uma simples contabilidade macabra. Mas trata-se de um argumento fajuto. Uma guerra é isso mesmo: sangue. De um lado e do outro. E, em matéria de sangue, o Iraque está normal. Aliás, esse foi o termo usado, na semana passada, pelo comandante militar dos Estados Unidos, o general David Petraeus: normal. Agora, prepare-se para passar mal e cair do sofá estrebuchando: proporcionalmente, nos últimos dois meses, matou-se menos no Iraque do que no Rio de Janeiro. Doeu? Doeu. Caiu do sofá estrebuchando? Estrebuchando e babando.
A campanha presidencial americana, como o forte de Dino Buzzati, também reflete um distanciamento amalucado da realidade. A plataforma dos candidatos para a guerra no Iraque baseou-se no cenário de um ano atrás. Barack Obama apostou numa derrota americana e prometeu fugir em disparada. John McCain apostou numa batalha longa e sangrenta, perfeita para alguém com seu passado militar. O que nenhum dos dois podia imaginar é que a guerra acabaria com tanta rapidez. O primeiro-ministro Nuri al-Maliki, que era ridicularizado por todos, agora controla o país. Os soldados iraquianos, que se rendiam em massa aos insurgentes, acabam de iniciar a quinta campanha militar dos últimos meses, em Diyala. Os terroristas da Al Qaeda foram dizimados. Os milicianos de Al Sadr se entregaram. Ao contrário do que dizia Barack Obama, os Estados Unidos derrotaram os tártaros. Ao contrário do que dizia John McCain, seus soldados já podem se preparar para a retirada.
Ainda está estrebuchando e babando?’
MÍDIA & POLÍTICA
Falando difícil
‘Quando começam a ser ouvidas quase todo dia palavras que ninguém ouvia antes, é bom prestar atenção – estão criando confusão na língua portuguesa e raramente isso resulta em alguma coisa boa. No mundo dos três poderes e da política em geral, por exemplo, fala-se cada vez mais um idioma que tem cada vez menos semelhança com a linguagem de utilização corrente pelo público. As preferências, aí, variam de acordo com quem está falando. A ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, colocou no mapa a palavra ‘escandalização’, à qual acrescentou um ‘do nada’, para descrever o noticiário sobre o dossiê (ou banco de dados, como ela prefere) feito na Casa Civil com informações incômodas para o governo anterior. Mais recentemente, o ministro Gilmar Mendes, presidente do Supremo Tribunal Federal, contribuiu com o seu ‘espetacularização’; foi a palavra, vinda de uma língua desconhecida, que selecionou para manifestar seu desagrado quanto à colocação de algemas no banqueiro Daniel Dantas, durante as operações da Polícia Federal que lhe valeram o desconforto de algumas horas na prisão. ‘Obstaculização’, ‘fulanização’ ou ‘desconstitucionalização’ são outras das preferidas do momento – sendo certo que existe, por algum motivo, uma atração especial por palavras que acabam em ‘zação’.
O ministro Tarso Genro, da Justiça, parece ser o praticante mais entusiasmado desse tipo de linguagem entre as autoridades do governo. Poucas coisas, hoje em dia, são tão difíceis quanto pegar o ministro Genro falando naquilo que antigamente se chamava ‘português claro’. Ele já falou em ‘referência fundante’, ‘foco territorial etário’, ‘escuta social orgânica articulada’, entre outras coisas igualmente alarmantes; na semana passada, a propósito da influência do crime organizado nas eleições municipais do Rio de Janeiro, observou que ‘a insegurança já transgrediu para a questão eleitoral’. É curioso, uma vez que, como alto dirigente do Partido dos Trabalhadores, deveria se expressar com palavras que a média dos trabalhadores brasileiros conseguisse entender. Que trabalhador, por exemplo, saberia o que quer dizer ‘referência fundante’? Mas também o PT, e não só o ministro Genro, gosta de falar enrolado. Seus líderes vivem se referindo a ‘políticas’, que em geral são ‘estruturantes’; dizem que isso ou aquilo é ‘pontual’, e assim por diante. ‘Políticas’, no entendimento comum da população, são mulheres que se dedicam à política; a senadora Ideli Salvatti ou a ex-prefeita Marta Suplicy, por exemplo, são políticas. ‘Pontual’, da mesma forma, é o cidadão que chega na hora certa aos seus compromissos. Fazer o quê? As pessoas acham que esse palavreado as torna mais inteligentes, ou mais profissionais. Conseguem, apenas, tornar-se confusas, ou simplesmente bobas.
As coisas até que não estariam de todo mal se só os habitantes do mundo oficial falassem nesse patoá. Mas a história envolve muito mais gente boa, e muito mais do que apenas falar complicado – o que ela mostra, na verdade, é que o português está sendo tratado a pedradas no Brasil. O problema começa com a leitura. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva, por exemplo, vive se orgulhando de não ler livros – algo que considera, além de chato, como um certificado de garantia de suas origens populares. Lula ficaria surpreso se soubesse quanta gente na elite brasileira também não lê livro nenhum – ou então lê pouco, lê livros ruins ou não entende o que lê. Muitos brasileiros ricos, como empresários, altos executivos e profissionais de sucesso, têm, sabidamente, problemas sérios na hora de escrever uma frase com mais de vinte palavras. Escrevem errado, escrevem mal ou não dá para entender o que escrevem – ou, mais simplesmente, não escrevem nada. No mesmo caminho vão professores, do primário à universidade, artistas, profissionais liberais, cientistas, escritores, jornalistas – que já foram definidos, por sinal, como indivíduos que desinformam, deseducam e ofendem o vernáculo.
O mau uso do português resulta em diversos problemas de ordem prática, o primeiro dos quais é entender o que se diz e o que se escreve. Não é raro, por exemplo, advogados assinarem petições nas quais não conseguem explicar direito o que, afinal, seus clientes estão querendo – ou juízes darem sentenças em português tão ruim que não se sabe ao certo o que decidiram. Há leis, decretos, portarias e outros documentos públicos incompreensíveis à primeira leitura, ou mesmo à segunda, à terceira e a quantas mais vierem. Não se sabe, muitas vezes, que linguagem foi utilizada na redação de um contrato. Os balanços das sociedades anônimas, publicados uma vez por ano, permanecem impenetráveis.
Há mais, nisso tudo, do que dificuldades de compreensão. A escritora Doris Lessing, prêmio Nobel de Literatura de 2007, diz que, quando se corrompe a linguagem, se corrompe, logo em seguida, o pensamento. É o risco que se corre com o português praticado atualmente no Brasil de terno, gravata e diploma universitário.’
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