Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Veja


MICHAEL JACKSON
Sérgio Martins


O show não pode parar


‘Desde sua morte, no último dia 25, o cantor Michael Jackson recobrou rapidamente a condição de ídolo. Fãs de todo o mundo buscam seus discos com avidez e o celebram como grande artista. Em meio às homenagens, a família destoa.. A figura mais deplorável é o pai de Michael, Joseph Jackson. Ele tem dito que o filho ficaria ‘orgulhoso’ com a comoção dos fãs – comoção que ele próprio, todo sorrisos nas aparições públicas, é incapaz de demonstrar. Joseph anunciou a criação de uma gravadora, a Ranch Records, pela qual lançará novos nomes da música negra. Resta saber quem gostaria de gravar com o carrasco que, nos anos 60 e 70, conduzia os ensaios dos filhos – a banda Jackson Five – com o cinto na mão. Compungida em público, a mãe do cantor, Katherine Jackson, parece ser bastante pragmática em privado. Um dia depois da morte de Jackson, ela teria ligado para a ex-babá dos filhos do cantor, Grace Rwaramba, perguntando onde o filho ‘escondia dinheiro’. E assim, com a colaboração decisiva de amigos e parentes – e da imprensa sensacionalista –, o lado perturbado e perturbador da vida do cantor de Thriller continua em pauta.


Na semana passada, veio à tona que Michael Jackson deixou um testamento, redigido em 2002. O documento aponta a mãe do cantor como guardiã de seus três filhos, Prince Michael e Paris Katherine, nascidos da união com a enfermeira Debbie Rowe, e Prince Michael II, cuja mãe nunca teve a identidade revelada. No caso de Katherine morrer, a responsabilidade será entregue à cantora Diana Ross, amiga íntima do cantor. Debbie Rowe, porém, vem ameaçando lutar pela guarda de seus dois filhos (seu advogado disse à imprensa que ela ainda não decidira que ação tomar). Essa devotada senhora já declarou que Michael não era pai biológico das crianças. Suspeita-se que ela tampouco seja a mãe de fato – teria apenas servido de barriga de aluguel. A origem dos filhos é o tópico que mais tem provocado especulações bizarras (se bem que, em se tratando de Michael Jackson, a teoria maluca às vezes é a mais plausível). Alguns tabloides afirmaram que o dermatologista Arnold Klein, suspeito de fornecer medicamentos perigosos a Michael, é o verdadeiro pai. Fotos Benassi/Splash News e Southern-Press


Mesmo que não peça a guarda dos filhos, Debbie Rowe deve contestar outro ponto do testamento: a divisão dos bens, na qual ela não está contemplada. A partilha está estabelecida nos seguintes termos: a mãe do cantor fica com 40%; outros 40% vão para os filhos, e os 20% restantes são doados a instituições de caridade. Michael, como se vê, excluiu o pai tirano do testamento – mas preservou a mãe, a quem sempre foi mais ligado, talvez até pelo sofrimento: ela também apanhava de Joseph. Estimativas apontam que Michael teria acumulado uma dívida de 500 milhões de dólares, enquanto seus bens somariam 567 milhões. A maior fonte de renda do cantor são os royalties das vendas de seus discos e os direitos sobre 251 canções dos Beatles, cujos lucros são divididos com a editora Sony/ATV. Suspeita-se, porém, que Michael tenha dado os direitos das canções como garantia para abater suas dívidas, o que comprometeria parte da herança. É certo que Katherine e os netos não ficarão desprovidos: os discos de Michael, afinal, voltaram às paradas, e centenas de milhares de cópias estão sendo vendidas por semana.


O resultado da autópsia do cantor só será conhecido em cerca de um mês. É bem provável que o uso indiscriminado de remédios tenha precipitado a parada cardíaca que possivelmente o matou. Na sexta-feira passada, o site de fofocas TMZ (veja o quadro), que tem mantido a dianteira na revelação de fatos sobre o cantor, anunciava que Michael era viciado em anestésicos. De acordo com o site, ele corria às clínicas de cirurgia cosmética de Los Angeles para ganhar injeções de Botox e colágeno – e exigia anestesia, embora esta não seja necessária nesses procedimentos. A lista de medicamentos supostamente tomados pelo artista todos os dias (veja o quadro) é impressionante. Uma ex-enfermeira de Michael, Cherilyn Lee, declarou que, cinco dias antes de sua morte, o cantor implorou a ela, chorando, que lhe aplicasse uma injeção de Diprivan, anestésico forte usado em cirurgias. Nas buscas que fez na casa de Michael Jackson, a polícia de Los Angeles encontrou Diprivan e lidocaína – e o DEA (departamento antidrogas) foi convocado para tratar do caso. Com tantas revelações escabrosas, o caviloso cardiologista Conrad Murray – que andou sumido nos primeiros dias depois da morte de seu paciente célebre – não é mais o centro das atenções dos tabloides. Havia suspeitas de que Murray teria dado uma injeção de demerol em Michael, provocando o ataque cardíaco. Ele negou tudo em depoimento à polícia.


A dependência de Michael em relação a remédios seria tão acentuada que até a AEG, a agência que promoveria, nos próximos meses, cinquenta shows dele em Londres, teria contratado um seguro contra overdose. Ou, pelo menos, é o que um porta-voz da empresa disse: uma fonte da seguradora colocou em dúvida essa informação. Os fatos em torno de Michael Jackson parecem esfumaçados ou exagerados. A AEG, pelo menos, providenciou um momento de clareza na semana passada: divulgou um trecho, em vídeo, dos ensaios para os shows. Dois dias antes de morrer, lá está Michael Jackson, dançando e cantando – ‘impecável’, segundo os produtores da AEG, que devem lançar um CD e um DVD neste ano. O ginásio Staples Center, local dos ensaios, em Los Angeles, deverá abrigar o último encontro do astro com as multidões: 11 000 bilhetes serão distribuídos para que os fãs assistam a uma homenagem póstuma, na terça-feira (não se confirmou se o corpo estará lá). Até sexta-feira passada, a família ainda não decidira onde Michael Jackson seria enterrado (parece certo que não será em Neverland, como ele queria). Não se sabe, portanto, onde ele vai finalmente descansar.


O site que sabe de tudo


A morte de Michael Jackson foi declarada oficialmente pelos médicos às 14h26 da quinta-feira 25, em Los Angeles. Seis minutos antes, contudo, a notícia já corria mundo. O furo de reportagem veio do mesmo veículo que já havia revelado a internação do cantor: o TMZ, que conjuga o sensacionalismo dos tabloides à agilidade da internet. Na semana passada, o site continuou na dianteira: nenhuma publicação oferecia tantas novidades. Com apenas quatro anos de existência e acessado, em média, por 4 milhões de pessoas ao mês, o TMZ já havia divulgado outras histórias de impacto, como o rompante antissemita do ator Mel Gibson ao ser preso dirigindo alcoolizado ou a foto da cantora Rihanna depois de apanhar do namorado (veja o quadro ao lado). Agora, mostrou ter estâmina de peso-pesado no jornalismo sobre celebridades.


O TMZ pertence ao gigante do entretenimento Time Warner, mas seu sucesso deve ser creditado ao homem que o inventou e dirige, o americano Harvey Levin – também estrela de sua versão para a televisão, o TMZ TV, transmitido no Brasil pelo canal Warner. O nome vem da expressão Thirty Mile Zone, cunhada nos anos 60 para designar a área de Los Angeles (delimitada por um raio de 30 milhas) onde se concentram os estúdios de cinema e TV. Aos 58 anos e gay assumido, Levin se gaba de possuir uma rede de informantes que cobre cada palmo desse perímetro. A concorrência o acusa de ir além dos ditames éticos por supostamente pagar pela informação que recebe de suas fontes. Levin só admite que o site dá ‘gorjetas’ por dicas de reportagens.


O espírito de tabloide faz com que o TMZ seja visto com desconfiança pela imprensa tradicional. A CNN (também da Time Warner) não endossou a notícia da morte de Jackson até a confirmação oficial. O que criou uma situação inusitada: por um bom tempo, Jackson estava morto na internet, mas continuava vivo na TV.’


 


REDES SOCIAIS
Diogo Schelp


Nos laços (fracos) da internet


‘O preço da superexposição


A produtora cultural Liliane Ferrari, de 34 anos, é uma fanática confessa pelas redes sociais on-line. Seu perfil está em nada menos que 21 comunidades virtuais. Há dois anos, Liliane precisava contratar, em menos de uma semana, quarenta educadores para duas exposições no Parque do Ibirapuera, em São Paulo. Atrás de indicações, enviou um e-mail para os amigos. A mensagem se alastrou e sua vida passou a ser vasculhada em seu blog, no Facebook, no Orkut e no Twitter por candidatos às vagas. No Orkut, Liliane começou a receber 300 recados por hora. Descobriram até o número do seu celular. ‘A operadora de telefonia ligou perguntando o porquê de tantas ligações – tive de trocar o número’, conta. O pior foi fazer as entrevistas: como sabiam tudo sobre ela, os candidatos se achavam íntimos. ‘Eles perguntavam da minha filha e do meu passeio de fim de semana na praia. Foi horrível’, diz Liliane, que agora toma mais cuidado com suas informações na internet.


Contatos virtuais 2 800


Conhece pessoalmente 150


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As redes sociais na internet congregam 29 milhões de brasileiros por mês. Nada menos que oito em cada dez pessoas conectadas no Bra-sil têm o seu perfil estampado em algum site de relacionamentos. Elas usam essas redes para manter contato com os amigos, conhecer pessoas – e paquerar, é claro, ou bem mais do que isso. No mês passado, uma pesquisa do Ministério da Saúde revelou que 7,3% dos adultos com acesso à internet fizeram sexo com alguém que conheceram on-line. Os brasileiros já dominam o Orkut e, agora, avançam sobre o Twitter e o Facebook. A audiência do primeiro quintuplicou neste ano e a do segundo dobrou. Juntos, esses dois sites foram visitados por 6 milhões de usuários em maio, um quarto da audiência do Orkut. Para cada quatro minutos na rede, os brasileiros dedicam um a atualizar seu perfil e bisbilhotar o dos amigos, segundo dados do Ibope Nielsen Online. Em nenhum outro país existe um entusiasmo tão grande pelas amizades virtuais. Qual é o impacto de tais sites na maneira como as pessoas se relacionam? Eles, de fato, diminuem a solidão? Recentemente, sociólogos, psicólogos e antropólogos passaram a buscar uma resposta para essas perguntas. Eles concluíram que essa comunicação não consegue suprir as necessidades afetivas mais profundas dos indivíduos. A internet tornou-se um vasto ponto de encontro de contatos superficiais. É o oposto do que, segundo escreveu o filósofo grego Aristóteles (384-322 a.C.), de fato aproxima os amigos: ‘Eles precisam de tempo e de intimidade; como diz o ditado, não podem se conhecer sem que tenham comido juntos a quantidade necessária de sal’.


Por definição, uma rede social on-line é uma página na rede em que se pode publicar um perfil público de si mesmo – com fotos e dados pessoais – e montar uma lista de amigos que também integram o mesmo site. Como em uma praça, um clube ou um bar, esse é o espaço no qual as pessoas trocam informações sobre as novidades cotidianas de sua vida, mostram as fotos dos filhos, comentam os vídeos caseiros uns dos outros, compartilham suas músicas preferidas e até descobrem novas oportunidades de trabalho. Tudo como as relações sociais devem ser, mas com uma grande diferença: a ausência quase total de contato pessoal.


Os sites de relacionamentos, como qualquer tecnologia, são neutros. São bons ou ruins dependendo do que se faz com eles. E nem todo mundo aprendeu a usá-los a seu próprio favor. Os sites podem ser úteis para manter amizades separadas pela distância ou pelo tempo e para unir pessoas com interesses comuns. Nas últimas semanas, por exemplo, o Twitter foi acionado pelos iranianos para denunciar, em mensagens curtas e tempo real, a violência contra os manifestantes que reclamavam de fraudes nas eleições presidenciais. Em excesso, porém, o uso dos sites de relacionamentos pode ter um efeito negativo: as pessoas se isolam e tornam-se dependentes de um mundo de faz de conta, em que só se sentem à vontade para interagir com os outros protegidas pelo véu da impessoalidade.


O sociólogo americano Robert Weiss escreveu, na década de 70, que existem dois tipos de solidão: a emocional e a social. Segundo Weiss, ‘a solidão emocional é o sentimento de vazio e inquietação causado pela falta de relacionamentos profundos. A solidão social é o sentimento de tédio e marginalidade causado pela falta de amizades ou de um sentimento de pertencer a uma comunidade’. Vários estudos têm reforçado a tese de que os sites de relacionamentos diminuem a solidão social, mas aumentam significativamente a solidão emocional. É como se os participantes dessas páginas na internet estivessem sempre rodeados de pessoas, mas não pudessem contar com nenhuma delas para uma relação mais próxima. A associação entre a sensação de isolamento e o uso compulsivo de comunidades virtuais foi observada em pesquisas com jovens na Índia, na Turquia, na Itália e nos Estados Unidos. Na Austrália, um estudo da Universidade de Sydney com idosos mostrou que aqueles que usam a internet principalmente como uma ferramenta de comunicação tinham um nível menor de solidão social. Já os entrevistados que preferiam usar os computadores para fazer amigos apresentaram um alto grau de solidão emocional.


Ao contrário do e-mail, sites como Orkut, Facebook e Twitter, por sua instantaneidade, criaram esse novo tipo de ansiedade: a de ficar sempre plugado para evitar a impressão de que se está perdendo algo. Lev Grossman, colunista de tecnologia da revista americana Time, revelou há pouco ter decidido cancelar sua conta no Twitter porque percebeu que estava ficando mais interessado na vida alheia do que na própria. A produtora cultural Liliane Ferrari, de São Paulo, é extrovertida e comunicativa. No entanto, como trabalha em casa e tem uma filha pequena, considera ter pouco tempo para se encontrar pessoalmente com os amigos. Em compensação, passa duas horas por dia atualizando e conferindo os 21 sites de relacionamentos e blogs dos quais faz parte. Mas já está ficando apreensiva. ‘Quando fico conectada com um monte de gente por muito tempo, tenho a impressão de que, no fundo, não conheço ninguém. É uma coisa meio esquizofrênica, parece que estou ficando louca’, diz Liliane. Ela não tem dúvida de que, em relação aos amigos mais íntimos, nada substitui o contato pessoal. ‘Quando se desabafa com um amigo pela internet, alguns sinais de afetividade são deixados de lado, como o olhar, a expressão corporal e o tom de voz’, diz a psicóloga Rita Khater, da Pontifícia Universidade Católica de Campinas.


As amizades na internet não são sequer mais numerosas do que na vida real. De nada adianta ter 500 ou 1 000 contatos no Orkut. É impossível dar conta de todos eles, porque o limite das relações humanas é estabelecido pela biologia. O número máximo de pessoas com quem cada um de nós consegue manter uma relação social estável é, em média, de 150, segundo o antropólogo inglês Robin Dunbar, um dos mais conceituados estudiosos da psicologia evolutiva. Dunbar observou que o tamanho médio dos conjuntos de diferentes espécies de primata depende do tamanho do seu cérebro. Extrapolando a lógica para o Homo sapiens, o pesquisador chegou ao seu número mágico, confirmado pela análise de diversos grupos humanos ao longo da história. Sua teoria é que, desde o paleolítico, nossos ancestrais foram desenvolvendo a linguagem ao mesmo tempo em que ampliavam o seu círculo social – ou seja, aqueles indivíduos com quem se acasalavam, faziam alianças, fofocavam, cooperavam e, eventualmente, brigavam. Amigos, numa versão mais rudimentar. Há cerca de 10 000 anos, chegou-se ao limite calculado por Dunbar, estabelecido pela impossibilidade de o ser humano aumentar a sua capacidade cognitiva, o que inclui as habilidades de comunicação.


Dunbar começou a estudar o assunto na década de 90 e, agora, o seu cálculo está sendo confirmado nos sites de relacionamentos.. Em média, o número de contatos nos perfis do Facebook e de seguidores no Twitter é de 120 pessoas. No Orkut, cada brasileiro tem cerca de 100 amigos. Mesmo quem foge do padrão e consegue amealhar alguns milhares de companheiros virtuais não conhece, de fato, muito mais do que uma centena. A cantora Marina de la Riva tem, entre Orkut, Facebook e MySpace, 4 700 contatos. ‘Mas não me comunico com mais do que 100 deles’, diz Marina. O número de Dunbar, 150, não é uma unanimidade entre os cientistas. Valendo-se de uma metodologia diferente, um grupo de antropólogos americanos, entre os quais Russell Bernard, da Universidade da Flórida, concluiu que, nos Estados Unidos, os laços de amizade de uma pessoa podem chegar a 290. Cento e cinquenta ou 290 pessoas: não importa qual seja a cifra, ainda está muito longe do número de amigos que os mais ativos apregoam ter na rede eletrônica. ‘A internet é muito boa para administrar amizades já existentes, garantindo sua continuidade mesmo a grandes distâncias, mas é ruim para criar do zero relações de qualidade’, disse Dunbar à revista.


Existem diferentes níveis de amizade, é lógico. As mais distantes são mais abundantes. É o que se chama, em sociologia, de ‘laços fracos’. Relações sociais estáveis como as estudadas por Dunbar e Bernard são chamadas, por sua vez, de ‘laços fortes’. Dentro dessa categoria há um núcleo reduzido de confidentes, que não costumam passar de cinco. Esses são os amigos do peito, com quem podemos contar sempre, mesmo nos piores momentos. As mulheres costumam ter um núcleo de confidentes maior que o dos homens. A característica se repete na internet. No Facebook, por exemplo, um homem com 120 contatos na lista responde com frequência aos comentários de sete amigos, em média. Entre as mulheres, esse número sobe para dez. ‘As mulheres têm mais facilidade para fazer amizades próximas do que os homens’, diz a antropóloga Claudia Barcellos Rezende, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Já os homens se especializaram em estabelecer um número maior de relações, mas com um grau de intimidade menor. Em termos evolutivos, isso se explica pela necessidade do homem de sair para buscar o sustento, fazendo alianças temporárias com uma quantidade maior de indivíduos, enquanto as mulheres ficavam com os filhos e se juntavam às outras mães para proteger a prole.


A vida moderna, curiosamente, pode estar tornando as relações de amizade mais masculinizadas. ‘O tamanho médio do núcleo de amigos próximos parece estar diminuindo, enquanto a rede de contatos fracos aumenta’, disse a VEJA o sociólogo Peter Marsden, da Universidade Harvard, nos Estados Unidos. Ou seja, cresceram as relações superficiais, efêmeras, e reduziram-se as mais afetivas, profundas. A tendência é reproduzida à perfeição – e intensificada – nas redes sociais on-line. É como se a maioria das relações fosse estratégica, tal como as dos homens das cavernas. ‘Nesses sites, é possível manter os relacionamentos a uma distância segura. Ou seja, aproximações e afastamentos se dão na medida do necessário’, afirma Luli Radfahrer, professor de comunicação digital da Universidade de São Paulo. Um exemplo conhecido dos adeptos do Orkut no Brasil são os ex-colegas de escola que, depois de anos sem se comunicar e mesmo sem ter nenhuma afinidade pessoal, passam a engordar a lista de amigos virtuais uns dos outros. Quando conveniente, o contato é retomado para resolver questões práticas. Esses laços fracos são muito úteis, por exemplo, para descobrir oportunidades de trabalho. Amigos próximos são menos eficientes em tal quesito porque, em geral, circulam no mesmo meio e têm acesso às mesmas informações. Uma das redes sociais com o maior crescimento de adeptos no mundo é justamente o LinkedIn, especializado em estabelecer vínculos profissionais.


Na internet, é fácil administrar uma enorme rede de contatos, com pessoas pouco conhecidas, porque estão todos ao alcance de um clique. A lista de amigos virtuais é uma espécie de agenda de telefones, com a vantagem de não ser necessário ligar para todos uma vez por ano para não ser esquecido. Basta manter o perfil atualizado e acrescentar à página comentários sobre, por exemplo, suas atividades cotidianas. Isso cria um efeito conhecido como ‘sensação de ambiente’. É como se cada um dos contatos de determinada pessoa estivesse fisicamente presente no momento em que ela reclama de uma coceira nas costas ou comenta sobre a música que está ouvindo. O Twitter explora esse princípio na sua forma mais crua, ao incitar os seus participantes a responder em apenas 140 caracteres à pergunta: ‘O que você está fazendo?’. Os comentários vão de ‘comendo pão de queijo’ a observações espirituosas sobre a vida. O fluxo constante de informações pessoais cria um paradoxo: ao mesmo tempo que ele é necessário para cativar a atenção dos amigos virtuais, pode pôr em risco a imagem pública do indivíduo. Certamente seria embaraçoso para um candidato a um emprego que o seu futuro chefe lesse a seguinte revelação encontrada pela reportagem de VEJA em um perfil do Orkut: ‘No colégio, eu tinha o hábito de bater no bumbum das alunas com uma régua, quando elas passavam pela minha mesa’.


Cada perfil nos sites de relacionamentos pode ser comparado a um pequeno palco. Esse exercício até certo ponto teatral é, no entanto, apresentado a uma audiência invisível. ‘Como não estamos vendo nossos espectadores, somos incapazes de observar sua reação ao que estamos fazendo e, com isso, ficamos à vontade para nos expor mais do que seria prudente’, disse a VEJA Barry Wellman, professor de sociologia da Universidade de Toronto, no Canadá. As táticas para driblar a superexposição nas redes sociais on-line são variadas.. Há quem mantenha dois perfis no mesmo site: um para laços fracos, com informações pessoais mais contidas, e outro para laços fortes, em que se pode permitir um grau de exposição maior. A atriz Mel Lisboa teve, durante algum tempo, um perfil com pseudônimo no Orkut, por meio do qual mantinha contato apenas com os amigos mais próximos. Quando os fãs descobriram, ela passou a receber pedidos incessantes de entrada em sua lista de amigos. ‘Era uma situação complicada, porque eu não estava ali para divulgar o meu trabalho’, diz Mel. ‘Eu ficava sem graça de recusar um pedido de autorização e acabei desistindo do Orkut.’ Atualmente, há uma página com o nome e a foto dela no site, mas é falsa. Alguém se passa por ela. Outra forma de manter a privacidade on-line é usar os filtros, disponíveis em muitos sites, que permitem selecionar quais amigos podem ver determinadas partes do perfil pessoal.


A necessidade de classificar os contatos virtuais na sua página do Orkut ou do Facebook segundo o grau de intimidade desafia um dos princípios da amizade verdadeira: a total reciprocidade. Na vida real, o desnível da afinidade que uma pessoa sente pela outra costuma ficar apenas implícito na relação entre elas. Na internet, ele é escancarado. Pode-se simplesmente bloquear o acesso de certos amigos a determinadas informações. Além disso, ela não estimula aquele tipo de solidariedade que faz com que dois amigos de carne e osso aturem, mutuamente, os maus momentos de ambos. Esse grau de convivência e aceitação de azedumes ou mesmo defeitos alheios é quase inexistente nas redes sociais. Quando alguém começa a incomodar, é ignorado ou deletado. ‘Se o objetivo é um vínculo afetivo maior, é preciso se encontrar pessoalmente’, resume candidamente Danah Boyd, pesquisadora do Microsoft Research, um laboratório inaugurado em Massachusetts pela empresa de Bill Gates para o estudo do futuro da internet.


Ao fim e ao cabo, usar as redes sociais para fazer uma infinidade de amigos – quase sempre não muito amigos – é uma especialidade de Brasil, Hungria e Filipinas, países que têm o maior número de usuários com mais de 150 contatos virtuais. Uma pesquisa nos Estados Unidos, por exemplo, mostrou que 91% dos adolescentes usam os sites apenas para se comunicar com amigos que eles já conhecem. Parecem saber que, como dizia Aristóteles, amigos verdadeiros precisam ter comido sal juntos. O que você está esperando? Saia um pouco da sua página virtual, pare de bisbilhotar a dos outros, dê um tempo nas conversinhas que só pontuam o vazio da existência e vá viver mais.


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Uma mina de empregos


O carioca André Rodrigues, de 35 anos, gerente de projetos da IBM, recebe cinco propostas de emprego por mês. Não, André não fica enviando pilhas e pilhas de currículos pelo correio. Tudo se deve ao perfil que ele mantém no LinkedIn, com 1 800 contatos. Em 2007, André conseguiu um emprego em uma fábrica de software, em Campinas, graças à indicação de um integrante do site. ‘É uma rede de relacionamentos com um foco profissional bem definido. Não estou ali para fazer amigos, mas para fazer contatos’, diz André. Para assuntos pessoais, ele usa sua conta no Orkut.


Contatos virtuais 2 400


Conhece pessoalmente 150


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Amizade de fã


A cantora carioca Marina de la Riva, de 36 anos, descobriu uma maneira eficiente de tirar proveito profissional dos sites de relacionamentos, sem precisar expor sua privacidade. ‘Minha carreira é o que é hoje graças à facilidade com que pude divulgar minha música no Orkut, no MySpace e no Facebook’, diz Marina, que já fez um show só para os amigos virtuais. Ela tem uma regra: jamais falar sobre sua vida pessoal nos sites. ‘Está na rede, é público, e você nunca consegue controlar as informações que circulam ali’, diz. Apesar disso, ela já fez duas novas amizades na internet: a cantora Thalma de Freitas e o pianista Eduardo Nazarian. A relação com eles só se estreitou depois que Marina os encontrou pessoalmente.


Contatos virtuais 4 700


Conhece pessoalmente 100


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Pessoalmente é melhor


Quando quer desabafar sobre algo que aconteceu o trabalho, o publicitário Felipe Nakasima, de São Paulo, solta o verbo no Twitter. ‘Alguns colegas que me seguem no site chegam a me alertar para não cutucar certas pessoas’, diz ele. Felipe, de 25 anos, gasta duas horas por dia atualizando o perfil em sites como Orkut e Facebook e tem uma grande amiga que conheceu pela internet. Mas isso só foi possível porque eles transferiram a amizade do mundo virtual para o real. ‘Para poder dizer que se conhece bem uma pessoa, é preciso ter passado um bom tempo junto dela’, afirma. Para Felipe, uma das grandes vantagens dos sites de relacionamentos é poder manter contato com amigos que vivem longe.


Contatos virtuais 600


Conhece pessoalmente 60


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Ciúme do Big Brother


As redes sociais on-line são um veneno para os ciumentos. A estudante de letras Livia Moraes, de 22 anos, teve de desistir por um tempo dos sites para salvar um namoro. Ela atualizava diariamente o seu perfil no Orkut, com 400 contatos, e seu blog de fotos, até que as brigas com o namorado, que vivia em outra cidade e monitorava os passos de Livia pela internet, se tornaram insuportáveis. ‘Eu adicionava qualquer pessoa na minha lista de contatos e gostava de xeretar a vida dos outros. Eu me sentia num Big Brother’, diz. Depois de abandonar os perfis, o namoro vingou e o casal, que vive em São Carlos, no interior de São Paulo, teve um filho. Recentemente, Livia voltou para o Orkut, principalmente para se comunicar com amigos próximos.


Contatos virtuais 300


Conhece pessoalmente 150


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Um caso à parte


Iara e Raul Zumaêta viviam a 1 600 quilômetros de distância quando se conheceram por meio de uma comunidade do Orkut. A estudante de enfermagem Iara, de 23 anos, era de Goiânia e o bancário Raul, de 24, de Salvador. Depois de um mês de trocas intensas de mensagens pela rede, resolveram oficializar o namoro, para espanto dos pais. Durante três anos, encontraram-se pessoalmente apenas nos feriados. No ano passado, casaram-se e hoje vivem em João Pessoa. ‘A parte mais difícil de conhecer uma namorada on-line é que você nunca pode ter certeza de que ela é realmente como se apresenta no site’, diz Raul. ‘Eu tive sorte.’


Contatos virtuais 450


Conhece pessoalmente 20′


 


TELEVISÃO
Marcelo Marthe


Cara amarrada


‘Recentemente, a atriz Laura Cardoso teve de dar satisfações ao bisneto sobre seu desempenho na novela Caminho das Índias. ‘Estão dizendo lá na minha escola que você é uma pessoa muito ruim. Você é ruim mesmo?’, questionou o garoto de 8 anos. A dúvida tem sua razão de ser: desde o início da atual trama das 8 da Globo, lá se vão quase seis meses, a anciã Laksmi exibe uma carranca que assusta criancinhas – e provoca algum riso nos adultos. Guardiã das tradições hindus (à moda de Glória Perez, claro), ela não sorriu uma única vez nos 150 capítulos exibidos até agora. Enquanto todos na família do comerciante Opash (Tony Ramos) requebram ao ritmo do bhangra, Laksmi é flagrada sempre em pose de tédio, com aquele beiço torto de quem comeu e não gostou. Ela também perpetra algumas das frases mais insólitas do insólito núcleo indiano. Como esta: ‘Pobre de mim, que não poderei dormir descansada no fundo do Ganges’. Irritada com o que considera excesso de independência das mulheres do clã, já ralhou: ‘Querem liberdade para os sáris! Por isso a Índia está à deriva’. Ultimamente, anda emburrada com a possibilidade de a neta Shanti (Carolina Oliveira) virar estrela de um filme de Bollywood. Laksmi não relaxa nem mesmo nos reencontros com o barbudo Shankar (Lima Duarte), seu amor proibido da adolescência.


Laksmi é o papel de maior visibilidade de Laura Cardoso nas novelas em vários anos. Frequentemente saudada como uma ‘dama do teatro’, a atriz paulistana de 81 anos demonstra uma simpatia piedosa pelo papel que lhe coube na televisão. ‘Laksmi é uma mulher magoada porque não realizou seus sonhos de moça. Por isso, tenho de manter aquela máscara severa de alguém que atravessa a vida carregando um fardo’, justifica. Laura, que fora da TV tem um jeito de avó simpática, admite que fica um pouco deprimida depois de horas a fio de cara amarrada. ‘É normal que fique alguma amargura quando a gente dá vida a uma personagem assim’, diz. A menos de três meses do término de Caminho das Índias, ainda não se detectam sinais de que o humor de Laksmi vai melhorar. Laura faz uma aposta sombria: ‘Pelo jeito, ela vai até o fim de cara amarrada’.’


 


POLÍTICA
Diogo Mainardi


O Cordeiro do presidente


‘Jorge Cordeiro? Isso mesmo: Jorge Cordeiro. Ninguém sabe quem ele é. Ninguém sabe o que ele faz. Mas Franklin Martins acabou de contratá-lo para comandar o blog do Lula. O blog do Planalto.


Lula declarou recentemente que, com a internet, a imprensa perdeu ‘o poder que tinha alguns anos atrás’. E, de acordo com ele, quanto menos poder a imprensa tiver, melhor. Porque isso impede que os jornais tentem ‘dar um golpe de estado’, manipulando os fatos. Lula, a Arianna Huffington de Caetés, acredita que só agora, com o Blogger, o Facebook e o Twitter, ‘este país está tendo o gosto da liberdade de informação’. Segundo ele, ‘estamos vivendo um momento revolucionário da humanidade’.


Jorge Cordeiro, o blogueiro de Lula, tem o perfil do revolucionário da internet. Depois de trabalhar por seis anos como assessor de imprensa da Odebrecht, no período em que a empreiteira se enroscou com Fernando Collor de Mello, ele se distinguiu por sua passagem em jornais como O Fluminense. Quando Marta Suplicy foi eleita, ele ganhou um cargo na área de internet da prefeitura paulistana. Em 2005, arrumou um emprego no Globo Online, sendo demitido menos de um ano depois. Ultimamente, até ser contratado por Franklin Martins, ele mantinha um blog que era lido e comentado sobretudo por ele mesmo. A internet tem esse aspecto revolucionário: o autor de um blog pode ser também o seu único leitor.


Assim como Lula, Jorge Cordeiro dispara contra a imprensa. Seu blog solitário é sua Sierra Maestra. Ele considera que a ‘grande mídia’ – da qual ele e Franklin Martins foram demitidos – ‘é apenas uma ferramenta para perpetuar o status quo de uma elite, veículo de pré-conceitos, defesa de interesses escusos e muito, mas muito cinismo mesmo’. VEJA, Folha, Estado, Globo: o blogueiro de Lula condena todo o ‘(tu)baronato’ da imprensa, acusando-o de irresponsabilidade, de tendenciosidade, de forjar a roubalheira dos mensaleiros e de montar uma farsa golpista no episódio dos aloprados, a fim de evitar o triunfo histórico de ‘Lulaaaaaaaaaaaaaaaaaa!!’.


O blogueiro de Lula, como o próprio Lula, argumenta que há mais liberdade e mais pluralidade nos blogs do que na imprensa. Os elogios aos blogs cessam no momento em que eles abusam dessa liberdade e dessa pluralidade para – epa! – falar mal de Lula. Ricardo Noblat se torna automaticamente ‘dissimulado, prepotente, mentiroso’. E Reinaldo Azevedo é ironizado por seus tumores, que o blogueiro de Lula apelida de ‘bolotinhas’.


Eu? Eu sou um ‘dândi’. Tenho de levar ‘uma bela cusparada’ e, como Paulo Francis, ‘sucumbir a inúmeros processos’. Na semana passada, renunciei espontaneamente ao meu trabalho na internet. O blogueiro de Lula comemorou minha despedida com o seguinte comentário: ‘U-huuuuu!!’. Agora que Lula tem um blog, e que pretende trocar a imprensa por spams, sou eu que comemoro minha saída da internet: ‘U-huuuuu!!’.’


 


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