YOANI SÁNCHEZ
As três mentiras de Cuba
‘A cubana Yoani Sánchez, 34 anos, foi convidada a falar no Senado brasileiro e a comparecer ao lançamento de seu livro De Cuba, com Carinho (Contexto), em São Paulo. A obra, que chega às livrarias neste fim de semana, é uma coletânea de textos publicados por ela no blog Generación Y, o primeiro a ser criado em Cuba. Na internet, Yoani discorre livremente sobre o cotidiano do povo cubano, a ausência de liberdade e a escassez de gêneros de primeira necessidade – mas, bloqueado pelo governo, seu blog (desdecuba.com/generaciony) só pode ser acessado fora da ilha. Sua vinda ao Brasil, na segunda quinzena de outubro, depende de improvável permissão do governo cubano. Nos últimos doze meses, ela solicitou visto de saída em dez ocasiões para atender a convites no exterior. O visto foi negado em três delas. Nas demais, os trâmites burocráticos demoraram tanto que ela desistiu. Com 1,64 metro e 49 quilos, Yoani é formada em letras e vive em Havana com o filho e o marido. Ela conversou com VEJA pelo celular.
Em discurso a respeito do seu pedido de visto, o senador Eduardo Suplicy citou o que considera três conquistas da revolução cubana: a alfabetização, o aumento da expectativa de vida e a medicina de qualidade. Se pudesse, o que você diria sobre isso em Brasília?
Eu diria que os laços entre países não devem ocorrer apenas entre governantes ou diplomatas. Quando se trata de Cuba, as estatísticas oficiais divulgadas pelas nossas embaixadas não podem ser levadas a sério. Sou defensora da diplomacia popular, aquela que se inteira da realidade diretamente com o cidadão. Não sou uma analista política. Não sou especialista em nenhum tema. Não sou diplomata. Simplesmente vivo e conheço a realidade do meu país. Aqueles que roubam o estado, que recebem dinheiro enviado por parentes do exterior ou fazem trabalhos ilegais vivem melhor que os demais. Uma pessoa que escreve em um blog pode ser condenada sob a acusação de fazer propaganda inimiga. Os outros países não podem repercutir o clichê de que Cuba é uma ilha de música e rum. É preciso olhar para o cidadão. Aqui, nós vivemos e morremos todos os dias.
Mas é verdade que 99,8% da população cubana é alfabetizada?
Antes da revolução, nosso país já ostentava um dos menores índices de analfabetismo da América Latina. Uma das primeiras ações do governo autoritário de Fidel Castro foi ensinar o restante da população a ler e escrever. A questão principal hoje não é a taxa de alfabetização, e sim o que vamos ler depois que aprendemos. A censura controla totalmente o que passa diante de nossos olhos. E isso começa muito cedo. As cartilhas usadas na alfabetização só falam da guerrilha em Sierra Maestra ou do assalto ao quartel de Moncada pelos guerrilheiros barbudos. Meu filho tem 14 anos. Na sala de aula dele há seis fotos de Fidel Castro. Tudo o que se ensina nas escolas é o marxismo, o leninismo, essas coisas. Não se sabe o que acontece no resto do mundo. A primeira vez que vi imagens da queda do Muro de Berlim foi em 1999, dez anos depois de ela ter ocorrido. Foi num videocassete que um amigo trouxe clandestinamente. Para assistir às imagens do homem pisando na Lua, foi necessário esperar vinte anos.
A expectativa de vida realmente aumentou?
É uma estatística oficial, sem comprovação, que não resistiria a um questionamento mínimo feito por uma imprensa livre. Pelo que vejo nas ruas, é difícil acreditar que os cubanos possam sobreviver tantos anos. Os idosos estão em estado deplorável. Há uma avalanche de dados que poderiam ilustrar o que digo, mas estes nunca são divulgados. Jamais fomos informados sobre o número de pessoas que fogem da ilha a cada ano. Ninguém sabe qual é o índice de abortos, talvez o mais alto da América Latina. Os divórcios são inúmeros, motivados pelas carências habitacionais. Como há cinquenta anos quase não se constroem casas, é normal que três gerações de cubanos dividam uma mesma residência, o que acaba com a privacidade de qualquer casal. Também nunca se falou do número de suicídios, um dos mais altos do mundo.
Cuba tem mesmo uma medicina avançada?
O país construiu hospitais e formou médicos de boa qualidade na época em que recebia petróleo e subsídios soviéticos. Com o fim da União Soviética, tudo isso acabou. O salário mensal de um cirurgião não passa de 60 reais. A profissão de médico é hoje a que menos pode garantir uma vida decente e cômoda. A carência nos hospitais é trágica. Quando um doente é internado, todos os seus familiares migram para o hospital. Precisam levar tudo: roupa de cama, ventilador, balde para dar banho no paciente e descarregar a privada, travesseiro, toalha, desinfetante para limpar o banheiro e inseticida para as baratas. Eles não devem esquecer também os remédios, a gaze, o algodão e, dependendo do caso, a agulha e o fio de sutura.
Por que o modelo cubano continua sendo admirado na América Latina?
Cuba só é reverenciada por quem nunca morou aqui. Eu já conheci um montão de gente que idolatrava Fidel e, depois de um mês vivendo conosco, mudou de opinião. Quando as pessoas descobrem como é receber em moeda sem valor, enfrentar as filas de racionamento ou depender do precário transporte público, começam a pensar de modo mais realista. Não estou falando dos turistas que ficam uma semana, dormem em hotéis cinco-estrelas e andam em carros alugados. Convido quem vê Cuba como um exemplo a vir para cá, sentir na pele como vivemos.
Como o governo tem reagido a seu blog?
O portal Desdecuba.com, em que o site está hospedado, está bloqueado há mais de um ano para quem tenta acessá-lo de Cuba. Há algumas semanas, cancelaram o site Voces Cubanas, que possuía vários diários virtuais, incluindo uma cópia do meu. O governo também se esforça para me transformar em uma pessoa radioativa. Membros da polícia política me vigiam todo o tempo e dizem a meus vizinhos, amigos e parentes que sou perigosa. Falam que quero destruir o sistema e sou uma mercenária do império. Em um país onde todo mundo trabalha para o estado ou depende da ajuda do governo, esse método surte efeito. Muita gente já se afastou de mim. Alguns nem me telefonam. É uma luta desigual. Todo o poder de um estado recai sobre mim. Até minha mãe tem sido vítima dessa campanha atemorizante. Eles a pressionam no trabalho. Ameaçam tirar seu emprego. Ela não faz nada especial, que possa desestabilizá-los. Não tem blog. Não é jornalista.
Qual é o trabalho de sua mãe?
Ela preenche formulários em um ponto de táxi.
Como os cubanos veem Hugo Chávez, hoje o maior benfeitor do regime comunista?
Hugo Chávez é o grande responsável pela perpetuação do regime cubano. Cuba seria hoje muito diferente sem esse aporte de petróleo e de dinheiro da Venezuela. O que me preocupa é o componente de autoritarismo e de messianismo de governos como os da Venezuela, Bolívia e Equador. Chávez reprime brutalmente a liberdade de expressão, e temo que os outros sigam essa abordagem, de cujas consequências parecem não ter a menor ideia. Em lugar da linha de Chávez, Evo Morales ou Rafael Correa, prefiro a da chilena Michelle Bachelet e a de Lula. Eles perseguem mudanças menos traumáticas e não criam conflitos viscerais entre grupos sociais.
O presidente Lula tem condenado com insistência o embargo comercial americano a Cuba. O que você acha disso?
Se o objetivo do embargo era enfraquecer a ditadura, não funcionou. Essa política não afeta os governantes, que continuam vivendo muito bem e importando os produtos que desejam. Tampouco se plantou na ilha uma semente de insatisfação capaz de desestabilizar o governo. A maior parte das pessoas que eram contra o regime já escapou da ilha. Acima de tudo, o embargo tem sido o maior pretexto do governo cubano para justificar o descalabro econômico no país. Diante de cada coisa que não funciona, o partido comunista diz que a culpa é dos americanos. Sou totalmente contra o embargo. Não porque ache que as coisas seriam muito diferentes se ele deixasse de existir, e sim porque seu fim eliminaria o argumento oficial de que estamos em uma praça sitiada e, por causa disso, o povo deve aceitar as mazelas cubanas.
Você acha possível que um dia Cuba libere a viagem de cubanos ao exterior?
Tenho escutado esses boatos, mas é improvável que isso ocorra. O controle de entrada e saída é talvez a mais importante arma do governo para manter a fidelidade ideológica. Imagine o que pensaria meu vizinho, um militante do partido que ganha em moeda nacional, se eu fosse ao Brasil, conhecesse várias cidades e voltasse cheia de histórias para contar sobre o que vi e comi. Seria um golpe muito forte no estado. No mais, essa questão é antiga. Eu até coloquei no blog uma foto de uma revista espanhola de 1991 na qual uma autoridade cubana fala da iminência da liberação das viagens. Já se passaram dezoito anos desde então, e nada mudou.
Caso consiga permissão para vir ao Brasil, você pensaria em ficar e trabalhar aqui?
Não tenho esse plano. A matéria-prima do meu trabalho é a realidade cubana. Não quero e não posso ficar longe das minhas histórias. Se pudesse viajar, eu certamente o faria, mas não seria apenas para o Brasil. Tenho de passar nos Estados Unidos e na Espanha para receber os prêmios que ganhei. Talvez desse um pulo à Alemanha e à Suíça. E só. Faz tempo que aprendi que a vida para mim não está em outro lugar a não ser em Cuba. Para o meu país eu voltarei sempre.
Raúl tem 78 anos e Fidel está à beira da morte. Quem vai assumir o poder em Cuba quando eles forem embora?
Os futuros governantes de Cuba serão pessoas comuns, que não conhecemos. Não mostram publicamente suas ideias reformistas por medo de que aconteça a elas o mesmo que ocorreu com Carlos Lage, o médico que era vice-presidente e foi condenado ao ostracismo. Quando a velha-guarda deixar o poder, muita gente carismática e talentosa sairá das sombras. Será como na União Soviética. Até assumir a Presidência, Mikhail Gorbachev tinha uma trajetória cinza. Era um funcionário a mais, fiel ao partido. No Kremlin, destacou-se como um transformador.
Seu filho completou 14 anos. Qual é o futuro que o espera?
Teo é um garoto inquieto. Foi criado em clima de tolerância e liberdade. Ele terá muita dificuldade se Cuba continuar assim. Cedo ou tarde, vai esbarrar nesse muro e pensará em sair. Isso me dói muito. Vivo o dilema da mãe cubana: manter o filho aqui mesmo sabendo que um dia ele terá problemas com o governo ou deixá-lo ir embora para realizar seus sonhos. Eu ficaria feliz se Teo não precisasse sair, mas creio que ele será um emigrante.
Como é a situação econômica atual comparada à grande crise ocorrida quando Cuba perdeu a mesada da União Soviética?
A crise contemporânea ainda não se compara com a dos anos 90. Naquele tempo meus pais me mandavam ir dormir mais cedo porque não tínhamos o que comer. Minha magreza é, em parte, uma sequela daquele período de fome. Hoje certamente há uma recaída econômica muito forte. A produção nacional é ínfima e obriga Cuba a importar 80% dos alimentos que consome. O problema é que o país não tem liquidez para comprar no exterior. A queda, contudo, está sendo amortecida pelo turismo, pelo dinheiro enviado por cubanos do exterior e pela possibilidade de exercer uma profissão ilegal.
A liberação de viagens de americanos para a ilha já mudou alguma coisa?
Essa foi uma notícia magnífica para os cubanos, que agora podem reencontrar seus parentes. Essas visitas ajudam também com palavras de estímulo, dinheiro e produtos básicos. Lamentavelmente, nunca fomos tão dependentes dos Estados Unidos.’
POLANSKI
A conta chegou
‘No dia 26, o polonês Roman Polanski desembarcou em Zurique, na Suíça, em cujo festival de cinema seria contemplado com um prêmio pelo conjunto de sua obra. O diretor é dono de um chalé na estação de esqui de Gstaad, e entrou e saiu livremente do país diversas vezes nos últimos anos. Desta vez, porém, em vez da homenagem planejada, recebeu voz de prisão. Atendendo a um pedido formal, as autoridades suíças finalmente fizeram aquilo que – que coisa! – esqueceram de fazer em todas as outras ocasiões em que o cineasta esteve em seu território: cumpriram o primeiro passo de seu tratado de extradição com os Estados Unidos e detiveram Polanski, que há 32 anos é foragido da Justiça americana pelo crime de ‘sexo ilegal com uma menor’.
A história: em 10 de março de 1977, em uma festa na casa do ator Jack Nicholson (que, para todos os efeitos, não estava presente), em Los Angeles, o diretor forneceu álcool e drogas à menina Samantha Gailey, de 13 anos, enquanto a fotografava. Depois, contra a vontade dela, segundo o horripilante depoimento de Samantha ao júri popular que acolheu o pedido de indiciamento, submeteu-a a sexo oral e a penetração vaginal e anal. Polanski alegou que o sexo fora consensual. A alegação não é apenas de péssimo caráter, como impossível nos termos da lei. O código penal californiano em vigor desde 1913 diz que até os 18 anos não existe sexo consensual, só estupro, e ele é tanto mais grave quanto maior for a diferença de idade entre o estuprador e a vítima. Polanski, portanto, foi indiciado por estupro e sodomia. A promotoria e a defesa, então, fizeram um acordo – recurso usual na Justiça americana. O indiciamento seria atenuado para ‘sexo ilegal com uma menor’ e Polanski, então com 44 anos, receberia uma sentença a ser cumprida em liberdade condicional. Um tapa na mão, enfim. O cineasta chegou a honrar a primeira parte do acordo. Compareceu perante o juiz, declarou-se culpado (é portanto réu confesso, e por isso o crime não está sujeito a prescrever) e cumpriu 42 dias de avaliação em uma instituição psiquiátrica penal. Mas, solto sob fiança enquanto aguardava a sentença e temeroso de que o juiz decidisse encarcerá-lo, resolveu cair fora dos Estados Unidos.
Nestas três décadas como foragido, Polanski tomou precauções para se manter longe do alcance da Justiça americana. Pôde viver em paz na França porque é cidadão francês, e nesse caso os termos de extradição não necessariamente se aplicam. Mas nunca pôs os pés na Inglaterra, por exemplo, uma vez que ali seu envio para os Estados Unidos seria automático. Também a Suíça, como foi dito, tem acordo de extradição com os Estados Unidos – mas é um país para lá de compreensivo para com quem traz dinheiro para dentro de suas fronteiras. Por que, então, a prisão agora? Primeiro, porque a Suíça teve de cumprir sua parte ao receber um pedido formal da Justiça americana. E, não menos relevante, porque o próprio Polanski a provocou, com um bocado de soberba.
O documentário lançado em 2008 Roman Polanski: Wanted and Desired (Procurado e Desejado), da diretora Marina Zenovich, trouxe à tona a informação de que, na ocasião do crime, um promotor da Califórnia teria instado o juiz a ser mais enérgico, e este aceitara a ideia. Ocorre que comunicações com o juiz em que só uma das partes, seja ela a acusação ou a defesa, está presente são ilegais e podem invalidar judicialmente um processo. Com base nesse dado, Polanski tentou, em dezembro passado, anulá-lo. O novo juiz (o anterior já morreu) encarregado do caso deu a entender que considerava procedentes as bases da moção e que provavelmente não mandaria encarcerar Polanski – desde que ele comparecesse ao tribunal em Los Angeles dentro de noventa dias. A distância, seu apelo não seria aceito. O diretor não gostou dos termos e não se apresentou. Deixou claro que só aceitaria um perdão absoluto, nunca a possibilidade de ter de vir a responder de alguma forma pelo crime cometido. Causou, enfim, uma queda de braço, que culminou agora com sua detenção na Suíça, onde ele pode ficar vários meses ainda até que a extradição seja efetuada, se vier a sê-lo. (Uma complicação adicional para o processo: nesta semana, aquele promotor que teria cobrado rigor do juiz veio a público dizer que inventou essa história para tornar sua entrevista ao documentário ‘mais interessante’.)
Polanski tem hoje 76 anos e desde 1989 está casado com a atriz francesa Emmanuelle Seigner, com quem tem um filho e uma filha. É um grande artista, autor de filmes extraordinários como O Bebê de Rosemary, Chinatown e O Pianista. Enfrentou ainda dramas terríveis no passado: em 1969, sua mulher, a atriz Sharon Tate, foi assassinada aos oito meses de gravidez pelo grupo do psicopata Charles Manson. Sua mãe morreu em um campo de extermínio, e ele próprio vagou durante anos de pavor pela Polônia ocupada pelos nazistas. Assim como em 2003, quando não pôde ir à cerimônia do Oscar que ganharia por O Pianista, levantou-se agora uma onda em sua defesa. Uma petição por sua libertação inclui a assinatura de Martin Scorsese, Penélope Cruz, Pedro Almodóvar, David Lynch, Walter Salles e – ironia – Woody Allen. Guardadas as nuances individuais de opinião, o entendimento dos signatários é que prender um artista como Polanski na chegada a um festival é covarde, atenta contra a liberdade de expressão e é manifestação do puritanismo americano. Que julgá-lo depois de tanto tempo é fútil, e que a própria vítima já o perdoou publicamente. De fato, Samantha Gailey (hoje de sobrenome Geimer) o fez. Mas, em 2003, disse também que gostaria que Polanski fosse trazido à Justiça, já que ela mesma se sentia como se estivesse cumprindo pena perpétua pelo acontecido.
O essencial, contudo, é que o perdão de Samantha é um assunto de foro íntimo, não de foro de lei. Embora antipática aos olhos de muitos, a atitude americana contém um corolário de correção inatacável. Anuncia que ninguém pode se presumir acima da Justiça e que cabe ao sistema judicial buscar por todos os meios a reparação por um crime, sem nunca deixar que esse ônus recaia sobre a vítima. E reafirma que os crimes de natureza sexual contra menores são hediondos, e que a arte, mesmo a grande arte, não é licença nem santuário para criminosos. O juiz que acenou com receptividade para Polanski, meses atrás, o fez com vistas a garantir a limpidez processual a que todo réu deve ter direito. Exigiu o mínimo, que seria o comparecimento do réu em sua corte. Polanski achou que o mínimo não se aplicava a ele. Estava enganado.’
TELEVISÃO
O lado bom da amargura
‘A atriz Lilia Cabral tem sido abordada nas ruas por mulheres indignadas com a situação de sua personagem na novela Viver a Vida, de Manoel Carlos. As espectadoras acham o fim da picada que Tereza, ex-modelo elegante e mãe exemplar, tenha sido abandonada por seu marido cafajeste, Marcos (José Mayer). E ficaram irritadíssimas com a cena em que Tereza flagrou a heroína Helena (Taís Araújo), que fisgou o coração de seu ex, provando o vestido de noiva em seu quarto na mansão da família em Búzios (como se já não fosse humilhação suficiente, convenhamos, se sujeitar a dividir a mesma casa de praia após o divórcio). ‘Digo às mulheres que também morro de raiva. Naquela cena, minha vontade era jogar um sapato na cara da Helena’, afirma a atriz. Por enquanto, essa desforra é incompatível com a personagem. Lilia faz de Tereza a imagem viva da resignação e infelicidade femininas, um registro que se tornou sua marca nos folhetins. Em Páginas da Vida (2006), também de Manoel Carlos, ela subiu de patamar ao representar Marta, uma mulher amargurada cujas ambições de ascensão social acabaram frustradas pelo casamento com um marido banana. Mais recentemente, em A Favorita (2008), interpretou Catarina, dona de casa anulada por um marido castrador e violento.
Paulistana de 52 anos, Lilia iniciou sua carreira no fim da década de 70, às escondidas do pai, um italiano que não queria saber de filha atriz. Por pelo menos duas décadas, foi mais conhecida pelo trabalho no teatro do que na TV – pois nas novelas parecia fadada a papéis quase sempre leves e de pouca relevância. A Marta de Páginas da Vida mudou isso. ‘Só aconteci de verdade na televisão depois dessa personagem’, reconhece Lilia. A atriz consegue dar vazão à amargura em todas as suas nuances. Marta era uma criatura doentia que enxergava como sinal de fracasso até o fato de ter uma neta com síndrome de Down. Catarina exibia uma autoestima tão baixa que nem consciência tinha de quanto sua vida era ruim. Como Tereza, Lilia outra vez rouba a cena (Taís Araújo que se cuide: a personagem transmite tanta, digamos, verdade que está colocando a protagonista Helena na posição de antipática). Tereza, ex-modelo, trocou a trajetória de sucesso pela dedicação a um homem – e agora o vê refazer sua vida com uma jovem expoente da profissão (e rival de sua filha Luciana, vivida por Alinne Moraes). ‘Tereza é uma mulher inconformada. E mulheres inconformadas não deixam ninguém em paz’, afirma Lilia. Tal como sua atual personagem, a atriz enfrentou o fim de uma união de sete anos, em 1994. Pouco depois, casou-se pela segunda vez – com o economista Iwan, pai de sua filha de 12 anos. ‘Na vida real, jamais agi como Tereza’, diz. ‘Longe de mim ser porta-voz de mulheres infelizes.’’
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