Monday, 04 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1312

Veja

ELEIÇÕES
Alexandre Oltramari

A tentação de controlar tudo

‘O presidente do Irã, Mahmoud Ahmadinejad, tentou. O Partido Comunista da China, com 70 milhões de declarados fiscais-militantes, também. Apesar dos fracassos, o Senado Federal brasileiro acreditou que poderia impor limitações ao uso livre da internet, a mais inovadora e democrática invenção humana recente. O vezo autoritário foi embutido na reforma eleitoral que tramita no Senado. A proposta, já aprovada por duas comissões, equipara a rede mundial de computadores ao rádio e à televisão, concessões públicas regulamentadas por lei. Debates eleitorais, quando realizados pela internet, exigiriam a participação de dois terços dos candidatos, inclusive os que nem o mediador conhece. Sites e blogueiros também ficariam impedidos de emitir opiniões sobre candidatos em período eleitoral. A boa notícia é que a ideia, por falta de lógica e aplicação prática, provocou tanta crítica que já deu pau. Se não houver nenhuma surpresa, ela será deletada da reforma e enviada à lixeira da história nesta semana.

Ignorando-se as novidades que mudam quase nada (veja o quadro), o saldo positivo da reforma eleitoral será a introdução da internet livre ao mundo das campanhas eleitorais. Doações a candidatos, antes realizadas por meio de depósito bancário e cheque, agora poderão ser feitas com cartão de crédito pela rede mundial. As prestações de contas dos partidos, cuja fiscalização hoje é meramente formal, terão de ser exibidas pelos sites da Justiça. O envio de e-mails pelos candidatos também será permitido desde que o eleitor possa excluir seu correio eletrônico da lista de destinatários. A multa para a infração é de 100 reais por mensagem ilegal. A única medida fiscalizatória que não deverá ser retirada é a restrição a propaganda paga na internet em períodos eleitorais – fato que já ocorre com jornais e revistas. ‘O recuo é uma vitória do bom senso e uma constatação de que a rede mundial, por natureza, é um território livre, como acontece na maior parte das democracias’, diz a advogada Patrícia Peck, especialista em direito digital e política na internet.’

 

LIVROS
Jerônimo Teixeira

Potente mas em marcha lenta

‘Nesta sexta-feira, um coquetel no Palácio São Clemente, sede do consulado de Portugal no Rio de Janeiro, celebrará o início das atividades do grupo editorial Leya no Brasil. Até o fim do ano, a nova editora deve lançar vinte títulos, começando em outubro com O Rastro do Jaguar, romance de estreia do brasileiro Murilo Carvalho, ganhador, no ano passado, de um prêmio literário instituído pelo próprio Leya. É uma largada modesta, se comparada ao plano original que se tentou pôr em prática no ano passado: adquirir uma grande editora no país. A agressividade das ofertas de Isaías Gomes Teixeira, administrador executivo do grupo, criou certa fricção com alguns editores brasileiros. Jornalista e ex-diretor de empresas de comunicação, Gomes Teixeira tende a ser visto mais como empresário do que como editor. O principal acionista do Leya tampouco é um homem com experiência no mundo dos livros: Miguel Pais do Amaral, de 55 anos, um dos maiores empresários de Portugal, já esteve à frente de um império da comunicação, o Media Capital, que abrangia jornais, revistas e uma emissora de TV, e hoje mantém a Leya como ponta de seus investimentos – que incluem ainda negócios nos mercados imobiliário e financeiro, em tecnologias de informação e em recursos naturais. Discreto na vida pessoal e no modo de conduzir seus negócios, Pais do Amaral gosta de romances policiais (está lendo a série Millennium, de Stieg Larsson), é um aficionado das caçadas (já foi a safáris na África, mas hoje só alveja perdizes) e também piloto de corridas (já participou quatro vezes das 24 Horas de Le Mans, uma das maiores provas do circuito automobilístico europeu). ‘Depois de um fim de semana nas corridas, volto para o trabalho mais disposto, com a cabeça leve’, disse Pais do Amaral a VEJA, em seu escritório decorado com troféus conquistados nas pistas. O empresário e seu executivo têm um projeto claro e ambicioso: montar uma editora que seja referência internacional para a literatura de língua portuguesa. E o Brasil, nesse plano, é uma etapa incontornável. ‘Não temos ilusão de ocupar uma posição expressiva no mercado brasileiro de imediato. Mas também não temos pressa’, diz Gomes Teixeira.

Maior editor de livros de interesse geral e o segundo maior de obras didáticas (atrás da Porto Editora) em Portugal, o Leya surgiu em 2007 para agrupar várias editoras que Pais do Amaral vinha comprando na época. Hoje, tem 21 selos editoriais, dois deles na África. Publica cerca de 1 300 títulos novos e produz mais de 20 milhões de exemplares por ano, com um faturamento de 95 milhões de euros. No Brasil, o Leya ainda não conquistou um nome realmente grande das letras nacionais (disputou o passe de Rubem Fonseca, que acabou na Agir, do grupo Ediouro). Em Portugal, porém, concentra praticamente todos os escritores contemporâneos de relevo. A editora Caminho, que publica José Saramago, e a Dom Quixote, de Lobo Antunes, pertencem ao Leya. Quando o grupo surgiu, autores e profissionais do livro temiam que as editoras perdessem sua identidade, engolidas pelo gigante – mas as diferentes linhas editoriais foram conservadas.

O Brasil é um país atraente para editores estrangeiros. O aumento dos níveis de educação e do poder aquisitivo das classes mais baixas aponta grandes possibilidades de crescimento do público leitor. A entrada de editoras estrangeiras tem sido mais bem-sucedida em associação com casas locais – o caso de maior sucesso foi o do grupo espanhol Santillana, que comprou a Moderna, do setor de didáticos, e 75% da Objetiva. A Leya chegou a firmar um contrato de intenção de compra com a Nova Fronteira, do grupo Ediouro, mas, examinando os resultados da editora em 2009, concluiu que a cifra pedida não era compensadora. A Nova Fronteira permaneceu no grupo Ediouro, mas teve parte de sua estrutura dissolvida para cortar custos – a casa que alugava havia anos em Botafogo, no Rio de Janeiro, foi desocupada, e o diretor Mauro Palermo e a editora Izabel Aleixo, entre outros, saíram da equipe.

Mesmo que ainda discreta, a entrada de um novo grupo internacional no Brasil traz uma vantagem para o leitor: incrementa a oferta de títulos e a competição. Foi o que ocorreu com o investimento da Santillana na Objetiva – que assim pôde lançar seu excelente selo literário, o Alfaguara. Estudo recente da Fipe, realizado sob encomenda da Câmara Brasileira do Livro e do Sindicato Nacional dos Editores de Livros, mostra um decréscimo no preço médio do livro entre 2004 e 2008, de 8,58 para 8 reais – uma queda que é atribuída sobretudo à concorrência. Com a guerra cada vez mais acirrada por espaços de exposição nas grandes redes de livrarias, tornou-se mais difícil para as pequenas editoras imporem seus títulos. Sociedades e fusões são, nesse contexto, uma estratégia inteligente – um bom exemplo é a venda, em 2007, de 50% da Intrínseca, do editor Jorge Oakim, à Sextante, dos irmãos Marcos e Tomás Pereira. Juntas, as duas editoras detêm nove das trinta posições da lista de mais vendidos de VEJA nesta semana. A Leya, no Brasil, terá de construir, do zero, um bom catálogo de livros e autores e vendê-lo em um mercado disputado. Mas conta com a potência portuguesa para chegar lá.’

 

TELEVISÃO
Marcelo Marthe

As grandes famílias

‘Ao comprarem roupas de presente para a mãe, os filhos da americana Michelle Duggar preocupam-se com o efeito sanfona. ‘Temos de lhe dar peças que se adaptem às mudanças no seu corpo. Afinal, ela está sempre grávida ou de resguardo’, já declarou um deles. Mãe de dezoito filhos, Michelle passou doze dos últimos 22 anos em gestação. Seguidora de uma seita protestante fundamentalista do Arkansas, ela vê a maternidade como missão divina: ‘Se Deus me projetou para dar à luz, eu não poderia contrariar Seu desejo’. Michelle, o marido, Jim Bob, e sua prole são estrelas de 17 e Mais, programa que focaliza os desafios de manter uma família tão numerosa (o título, que faz menção ao número de filhos que ela tinha quando a temporada em questão foi gravada, está desatualizado: Michelle, de 42 anos, espera o 19º). Em exibição desde sexta-feira passada no canal pago Discovery Home & Health, a atração vem engrossar um novo filão: o dos reality shows que exploram a aventura de ter muitos filhos. Fórmula idêntica é seguida por Jon e Kate Mais 8, outro sucesso do canal. Seus protagonistas, os americanos Jon e Kate Gosselin, desdobram-se na criação de oito crianças. O casal cativou o público com seu perfil certinho – ela, de mãe eficiente; ele, de marido que acata as ordens sem reclamar. Recentemente, contudo, um novo tópico foi introduzido na pauta: como lidar com o divórcio numa situação assim. Pois a harmonia acabou quando um paparazzo flagrou Jon com uma amante. Os dois anunciaram a separação há algumas semanas, num episódio que bateu recorde de audiência nos Estados Unidos.

Clãs desse tamanho um dia foram a regra. Nos Estados Unidos do início do século XX, não era incomum encontrar famílias como os Duggar. No Brasil, até menos de cinquenta anos atrás, as mulheres tinham em média seis filhos. Mas vários fatores – como o deslocamento do campo para a cidade, a ascensão feminina no mercado de trabalho e a invenção dos anticoncepcionais – mudaram esse quadro radicalmente. Hoje, tanto no Brasil quanto nos Estados Unidos, a média fica em torno de dois filhos por casal. No passado, ter muitos filhos vinha a calhar. ‘Uma família numerosa significava mais braços para trabalhar’, diz o sociólogo Claudio Crespo, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Na vida moderna, entretanto, dá-se o oposto: um novo filho representa mais gasto. O apelo desses programas está em oferecer uma janela para um artigo que se tornou exótico – quase uma relíquia antropológica.

O reality show sobre os Duggar mostra o inchaço familiar levado ao extremo. O casal sustenta que a decisão de ter tantas crianças veio de uma epifania. ‘No começo do casamento, depois de Michelle sofrer um aborto causado por contraceptivos, a Bíblia abriu nossos olhos para o pecado’, diz Jim Bob. A casa do clã é como um albergue. Está equipada com cozinha e lavanderia industriais, além de nove banheiros. O povaréu se desloca num ônibus dirigido por Jim Bob. Os pais ministram a educação da garotada. Todos aprendem a tocar instrumentos de cordas. Nas aulas de ciências, a teoria da evolução de Darwin é demonizada – Jim Bob prefere lhes ensinar a origem das espécies segundo os parâmetros criacionistas. Os gastos são, claro, elevados – só de fraldas, a família já consumiu 90 000 unidades. Os pais dizem manter a família com o aluguel de salas comerciais. Mas o fato é que o programa se tornou uma bela fonte de renda. Os Duggar embolsam o equivalente a 80 000 reais por episódio (mais famosos, Jon e Kate faturam o dobro). O casal proíbe os filhos de ver TV, mas não acha contraditório participar de algo profano como um reality show.

No caso de Jon e Kate, a prole gigantesca não teve motivação religiosa – foi um efeito colateral dos avanços da ciência. Tratamentos de fertilidade fizeram com que ela engravidasse de gêmeas e, quatro anos depois, de sêxtuplos. Por razões de consciência, Kate não quis abortar alguns dos embriões, como sugeriam os médicos – e assim o clã foi ampliado com mais três meninos e três meninas. O casal ilustra outro dado da realidade: o excesso de filhos pode ser fatal para o casamento. ‘Com muitas crianças em casa, cresce o risco de a relação desandar’, disse a VEJA a terapeuta de casais americana Michele Weiner Davis. Para ela, os Gosselin seguiram um roteiro previsível. Kate se agarrou às crianças numa tentativa de se manter no controle. E o marido pulou fora do barco na primeira oportunidade. Jon teve um affair com a repórter de um tabloide e, três semanas após a separação, assumiu o namoro com uma moça de 22 anos (contra 34 de Kate e 32 dele), filha do médico que fez uma plástica no abdômen da ex-mulher. Enquanto o ruidoso processo de divórcio se inicia, a lavagem de roupa suja prossegue na TV.’

 

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