Sunday, 22 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Veja

INTERNET
Luís Guilherme Barrucho

A muralha prevaleceu

‘No Livro dos Ritos, ou Li-ki, um dos cinco clássicos associados ao pensador chinês Confúcio (551 a.C.-479 a.C.), o cerimonial fúnebre ocupa lugar de destaque. O cortejo demonstra respeito à hierarquia e aos princípios morais da filosofia surgida na China antiga. A imagem retratada na foto acima é um exemplo de tal honraria. As flores depositadas diante da sede do Google em Pequim, além de manifestarem apreço à empresa americana, serviram de protesto silencioso de uma população que não tem voz sob o autoritarismo comunista. Foi por causa dessa repressão política que o Google decidiu rever seus planos para a China – e não descarta a possibilidade de fechar as portas no país. A ameaça veio depois de a empresa, cujo sistema de buscas é o mais popular do planeta, ter descoberto que duas contas de seu serviço de e-mail, o G-mail, haviam sido violadas. Elas pertencem a ativistas chineses que lutam pela democratização e pela liberdade de informação. A investigação confirmou que outros usuários, da Europa e dos Estados Unidos, que advogam pela mesma causa, também tiveram quebrado o sigilo de seus e-mails. A suspeita é que os ataques tenham partido de agentes do governo chinês.

O episódio evidencia as agruras que qualquer empresa internacional tem pela frente na China. Todo negócio é sujeito à camisa de força do Partido Comunista, principalmente no que diz respeito à livre circulação de notícias e ideias. ‘Os recentes ataques, assim como as tentativas anteriores de restringir a liberdade na internet, levaram-nos a reavaliar a viabilidade de nossas operações na China’, afirmou, em nota, o vice-presidente corporativo do Google, David Drummond. Contudo, pesa contra qualquer decisão definitiva nesse sentido o amplo e crescente mercado chinês. Segundo relatório da consultoria americana McKinsey, os gastos com produtos de consumo devem aumentar 1,9 trilhão de dólares até 2025. A China já responde por um quinto do total de usuários de internet no mundo. Mas, para o Google, esse potencial ainda não rendeu lucros significativos. Pouco mais de 1% de seu faturamento global sai da nação asiática. A China é um dos únicos países do mundo onde o gigante americano não é líder (perde para o Baidu, seu concorrente local, que detém cerca de 60% do mercado). Esse fraco desempenho até chegou a ser apontado por alguns especialistas como a verdadeira razão pela qual a empresa ameaçou deixar o país.

Quando decidiu se instalar na China, há quatro anos, o Google concordou em se autocensurar e aquiescer às limitações de conteúdo ditadas pelos comunistas. Tolerar ainda mais restrições e quebras de sigilo, no entanto, poderia afetar não apenas as atividades da empresa na China, mas arranhar severamente sua imagem internacionalmente. Para sobreviver e crescer, o Google necessita, acima de tudo, da coo-peração e da confiança de seus clientes na credibilidade de seus sistemas. Por isso precisou se levantar veementemente contra o ataque cibernético. ‘Depois de ter aceitado tantas imposições do governo chinês, chegou-se a um patamar tão intolerável que poderia afetar o resto de seus negócios no mundo’, afirmou a VEJA Evgeny Morozov, da Universidade Georgetown.

O incidente acabou incitando a troca de farpas entre os Estados Unidos e os chineses. O governo comunista usou os jornais oficiais para afirmar que os EUA se utilizam do Google como ferramenta ideológica para promover sua vontade e seus valores no exterior. A secretária de Estado americana, Hillary Clinton, respondeu, sem dar nome aos bois: ‘Aqueles que obstruem o trânsito livre de informações representam uma ameaça à nossa sociedade. Países ou pessoas que executem ataques à internet deveriam ser condenados’. Belas palavras, mas demasiado tímidas diante da muralha autoritária chinesa. Nessa disputa, os maiores derrotados são os chineses que depositavam no Google a esperança de ter mais liberdade de expressão.’

 

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