TECNOLOGIA
Luís Guilherme Barrucho e Larissa Tsuboi
A maçã de ouro
‘A Microsoft e a Apple vieram ao mundo praticamente ao mesmo tempo, em meados dos anos 1970, criadas na garagem de jovens estudantes. Mas as empresas trilharam caminhos paralelos. A Microsoft desenvolveu o sistema operacional mais popular do mundo e rapidamente se tornou uma das maiores corporações americanas, rivalizando com gigantes da velha indústria. A Apple, ao contrário, demorou a decolar. Fazia produtos inovadores, mas que vendiam pouco. Isso começou a mudar quando Steve Jobs, um de seus fundadores, que fora afastado nos anos 80, assumiu o comando criativo da empresa, em 1996. A Apple estava à beira da falência e só ganhou sobrevida porque recebeu um aporte de 150 milhões de dólares da Microsoft. Jobs iniciou o lançamento de produtos genuinamente revolucionários nas áreas que mais crescem na indústria de tecnologia. Primeiro com o iPod e a loja virtual iTunes. Depois vieram o iPhone e, agora, o iPad. Desde o início de 2005, o preço das ações da empresa foi multiplicado por oito. Na semana passada, a Apple alcançou o cume. Tornou-se a companhia de tecnologia mais valiosa do mundo, superando a Microsoft. Na sexta-feira, a empresa de Jobs tinha valor de mercado de 233 bilhões de dólares, contra 226 bilhões de dólares da companhia de Bill Gates.
A marca, para além da disputa pessoal entre os maiores gênios da nova economia, coroa a estratégia definida por Jobs. Quando ele retornou à Apple, tamanha era a descrença no futuro da empresa que Michael Dell, fundador da Dell, afirmou que o melhor a fazer era fechar as portas e devolver o dinheiro a seus acionistas. Hoje, a Dell vale um décimo da Apple. O mérito de Jobs foi ter a presciência do rumo que o mercado tomaria. Já foram comercializados 260 milhões de unidades do iPod, 50 milhões do iPhone e 1 milhão do iPad, o recém-lançado tablet da Apple, uma combinação de notebook com leitor digital. Como uma companhia cujo lucro é praticamente a metade do da Microsoft pode ser mais valiosa? Diz Marcelo Tripoli, da consultoria iThink: ‘O valor de mercado representa os ganhos que os investidores esperam ter no futuro’. E o futuro sorri para Jobs. Além da expansão nas vendas de seus aparelhos, há razões que tendem a mantê-las no topo. Jobs fez o que ninguém havia chegado perto de fazer antes: combinou excelência no hardware (o desenvolvimento das máquinas) e no software (os programas que as fazem funcionar). Um exemplo: a Apple vende o iPod (hard-ware) com um sistema operacional (software) próprio, o único a permitir o seu funcionamento. Jobs redefiniu ainda a indústria fonográfica com a iTunes Store, sua loja vir-tual. Já foram baixados, ao todo, mais de 10 bilhões de músicas pelo sistema.
A Microsoft, na contramão, perdeu vigor criativo. ‘A empresa não conseguiu antecipar tendências e ficou refém da venda de softwares’, afirma Alexandre Canatella, da consultoria e-Midia. Ainda assim, lucra bilhões com o Windows e o Office, programas presentes em nove de cada dez computadores do planeta. ‘Nenhuma companhia de tecnologia é mais lucrativa do que a nossa’, disse seu presidente, Steve Ballmer, na semana passada. Ele está certo. Mas isso pode mudar. Como se diz, mais difícil que alcançar o topo é permanecer ali. Esse é o seu desafio diário, como passa a ser também o de Jobs a partir de agora.’
O ‘Vale do Suplício’
‘Na disputa mundial pela rentabilidade, a produção industrial tende a migrar para países em que os custos de produção sejam mais baixos. Parte do crescimento extraordinário da China vem daí. Os cobiçados aparelhos da Apple são desenhados na sede da empresa, em Cupertino, no coração do Vale do Silício americano. Mas os iPods e iPhones são efetivamente fabricados por empresas asiáticas. A mão de obra chinesa é barata e, em geral, disposta a trabalhar até a extenuação. As greves são raras, mesmo porque manifestações acabam sufocadas pela linha dura comunista. Apesar da repressão, no entanto, o clima de insatisfação tem aumentado. Operários da Honda entraram em greve, reivindicando aumento salarial. Outra manifestação do descontentamento dos chineses ficou evidente na semana passada com a notícia do suicídio de dois funcionários da Foxconn, a maior fabricante de componentes eletrônicos do mundo. Ambos se atiraram do topo da fábrica do grupo em Shenzen, no sul da China. Desde o início do ano, dez trabalhadores da empresa tiveram o mesmo fim.
A Foxconn é uma das principais fornecedoras da Apple, para a qual fabrica o iPhone, além de outras companhias, como Hewlett-Packard, Dell, LG e Samsung. Seus empregados, em geral jovens vindos do interior, recebem salário inicial não superior a 1 900 iuanes (cerca de 500 reais) e trabalham, de pé, doze horas por dia, não raro sete dias por semana. As condições são similares às de outras fábricas localizadas no Delta do Rio das Pérolas. É o ‘Vale do Suplício’ dos trabalhadores chineses. Os suicídios, ao menos, chamaram a atenção das empresas americanas, que temem ter suas marcas associadas à exploração dos trabalhadores chineses. Quem sabe seja o início do fim desse suplício.’
TELEVISÃO
Bruno Meier
Ianques em casa
‘Tradicionalmente, as séries americanas serviam de tapa-buracos na programação das emissoras brasileiras. Ocupavam as horas mortas da madrugada ou substituíam temporariamente atrações nacionais em recesso. Ainda é assim na líder de audiência, a Globo. Mas suas concorrentes (ou, na verdade, as emissoras que se digladiam pelo segundo lugar) começaram a apostar com força na produção estrangeira. Record, SBT e Bandeirantes passaram a exibir séries americanas no estratégico horário das 9 da noite. Conquistaram uma fatia considerável da audiência, aproveitando o baixo desempenho de Viver a Vida – que acabou com modestos 38 pontos de audiência – e o fraco início de Passione. CSI: Las Vegas, que acompanha as investigações de legistas da polícia, vem mantendo a Record firme no segundo lugar, com média de 11 pontos e picos de até 15. Embora nenhuma rede tenha desistido da produção própria, a inserção dessas séries no horário nobre é um reconhecimento tácito de que os americanos, afinal, sabem mesmo fazer TV.
A produção de uma novela nacional é onerosa: vai de 170 000 a 450 000 reais por capítulo. Já os direitos de uma série americana são uma pechincha: vão de 10 000 a 25 000 dólares por episódio. ‘O custo-benefício é muito compensador’, diz Hélio Vargas, diretor artístico e de programação da Band, que há pouco colocou cinco séries no ar, capitanea-das por Bones, um genérico engraçadinho de CSI. O pioneiro no uso desses programas em horário nobre foi o SBT, que possui um contrato com o canal Warner para exibir suas séries na TV aberta. Sobrenatural, protagonizada por dois jovens irmãos que caçam demônios, foi um dos maiores sucessos da emissora no ano passado: chegou a 12 pontos, batendo a segunda temporada insossa do reality show A Fazenda, da Record. As criaturas do mal foram substituídas pelas patricinhas de Gossip Girl, que derrubaram a audiência e fizeram desandar as séries seguintes (O Exterminador do Futuro, que estreou na semana passada, registrou só 4 pontos de audiência, e no dia 4 deve dar lugar aos doutores esteticamente privilegiados de Grey’s Anatomy). Foi nesse vácuo que a Record, em janeiro, entrou com CSI. As maiores apostas do SBT para vencer os detetives-legistas virão no segundo semestre, com Diários do Vampiro e uma nova temporada de Sobrenatural. No SBT, a ideia de colocar séries americanas em um dos horários mais disputados foi da diretora-geral, Daniela Beyruti – e seu pai abraçou a iniciativa com entusiasmo: da Flórida, onde está em férias há duas semanas, Silvio Santos tem ligado diariamente para sua equipe, perguntando em particular pelo desempenho das séries.
Todos esses programas são conhecidos na televisão paga – sua exibição pretende alcançar o espectador que não assina esses serviços. Tal expansão da produção ianque deve irritar um certo figurão do governo Lula que, poucos meses atrás, disse que a TV paga só reproduzia ‘esterco cultural’ dos Estados Unidos. O público, como mostram os índices, sabe reconhecer a inegável qualidade dessas séries.’
Marcelo Marthe
Tutti di nuovo!
‘A estreia de Passione, nova trama das 8 da Globo, pôs em circulação uma piada recorrente quando italianos surgem nas novelas. ‘Nós especialistas costumamos brincar: lá vem mais uma campanha de prevenção do câncer de mama’, diz Maria Vittoria Collela, italiana e professora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Passione comprova a sina em questão. Em visita a Roma, o personagem Totó (Tony Ramos) soltou um mamma com a pronúncia que se aplica em português à glândula mamária – e não com o som do primeiro ‘a’ aberto, como um italiano de verdade se referiria à mãe. O deslize reafirma uma lei que os autores de folhetins insistem em desafiar: o sotaque estrangeiro não compensa. Esperança (2002), de Benedito Ruy Barbosa, foi um clássico trash nesse quesito: havia italianos que falavam como espanhóis e uma mocinha judia, vivida por Ana Paula Arosio, que atacava um iídiche com erres caipiras. E Tony Ramos é um prodígio da prosódia: passou do sotaque grego de Belíssima (2005) ao italianês de Passione sem que se percebesse, na prática, nenhuma diferença.
A Itália de Passione dá um nó na geografia. O núcleo familiar de Totó (cujo nome homenageia o comediante italiano Totò, mas se escreve como se fosse um cãozinho brasileiro) e sua sorella (irmã) interpretada por Aracy Balabanian vive na Toscana, no centro-norte do país. Mas eles cantam e gesticulam como napolitanos, lá do sul. ‘Escolhi a Toscana porque é linda. Mas a cultura napolitana tem mais apelo’, diz o noveleiro Silvio de Abreu. A criação do italianês é trabalhosa. Crescido entre avós italianos, o autor escreve os diálogos na língua estrangeira. Em seguida, a especialista Cecilia Casini troca expressões difíceis por equivalentes em português. O sistema parece científico, mas o resultado é o mesmo de sempre: frases incompreensíveis, chiados cariocas interferindo com o italianês e demonstrações épicas de criatividade fonética por parte do elenco. ‘Italiano de novela é macarrônico mesmo’, diz o autor. Não: como se dizia em Terra Nostra, é de tchorar.’
Marcelo Marthe
A comédia do rancor
‘Era hora do jantar em um restaurante no Baixo Leblon, área do Rio de Janeiro em que pululam figurinhas manjadas da televisão. Miguel Falabella e Claudia Jimenez, dois espécimes da categoria, estavam ali – e foram flagrados por um paparazzo. Mas tal ‘invasão de privacidade’ foi alegremente consentida. ‘De tanto nos incomodar, aquele fotógrafo já tinha virado amigo. Só pedi a ele para não me pegar comendo de boca aberta’, diz Falabella. Na ocasião, nasceu a ideia da empreitada que une a dupla na Globo atualmente. O seriado A Vida Alheia, em exibição desde abril nas noites de quinta-feira, apresenta uma visão ficcional do mundo das revistas de fofocas. Não é o Falabella fofo do encontro com o fotógrafo, contudo, que se revela como seu autor – nem se vê no ar a mesma Claudia Jimenez bufa que contracenava com ele em Sai de Baixo. Ele assume sua porção loira má, ao retratar editores, repórteres e paparazzi como monstros que dão golpes baixos para obter manchetes. Alberta Peçanha (ou Peçonha, para quem provou de seu veneno), personagem de Claudia, é a consumação disso. A atriz incorpora com perfeição naturalista a redatora-chefe baixa e cruel. ‘As celebridades e a imprensa que delas se alimenta disputam uma ruidosa batalha’, já disse ela. Se há verdade nisso, então se pode afirmar que os dois artistas e outros tantos do elenco que volta e meia se queixam de ser ‘bisbilhotados’ – como Danielle Winits, que faz uma repórter arrivista – obtiveram enfim um canal para se vingar. A Vida Alheia é a comédia do rancor.
No deserto de ideias da nova safra de humorísticos da Globo, o programa se destaca por arriscar-se em uma nota dissonante – a acidez. Mas a originalidade não é um mérito de A Vida Alheia. O seriado Dirt, lançado nos Estados Unidos em 2007 e extinto no ano seguinte, tinha proposta em tudo semelhante. Trazia no papel de editora-víbora uma bela tigresa, Courteney Cox (a Monica de Friends), e retratava a versão americana dessa realidade. A Vida Alheia explora escândalos ficcionais que remetem a confusões e dramas reais vividos pelas celebridades do Brasil. Um dos episódios, por exemplo, tratava de um craque de futebol flagrado no motel com um travesti – alusão óbvia ao escândalo em que Ronaldo Fenômeno se envolveu em 2008. Há, porém, um detalhe capcioso: na redação da fictícia revista A Vida Alheia, que dá título ao programa, Alberta Peçonha e equipe recorrem a métodos como a chantagem e até mesmo testes de DNA clandestinos para descobrir a paternidade de filhos de famosos. Tal agressividade na busca por escândalos é comum entre as publicações americanas e inglesas do gênero – mas muito raramente praticada nas suas contrapartes brasileiras.
Com 18 pontos de ibope na Grande São Paulo, A Vida Alheia passou no teste de sobrevivência: a cúpula da Globo acaba de encomendar nove novos episódios a seu autor, além dos dezesseis previstos para a temporada. Daqui em diante, adverte Falabella, seus próprios ressentimentos com a imprensa poderão ser explorados. Ele se diz até hoje traumatizado com uma onda de boataria de que teria sido alvo nos anos 80. ‘Espalharam que eu tinha aids. Fui vítima do macarthismo sexual’, afirma, aludindo à perseguição dos comunistas nos Estados Unidos da década de 50. Mais recentemente, Falabella viveu um imbróglio com uma representante da classe que ele chama (não sem desprezo) de ‘garotas do sereno’ – as repórteres que assediam as celebridades à porta das festas. Quando escrevia a novela Negócio da China (2008), o maior fiasco do horário das 6 dos últimos anos, ele se irritou ao ser questionado por uma delas se achava ruim o desempenho da ex-Big Brother e mocinha Grazi Massafera. ‘Eu respondi na hora: ‘Enquanto ela está na cama com o Cauã Reymond, você está aqui de madrugada com seu bloquinho, minha filha’.’ E isso lá é rancor? De jeito nenhum. É só pura lealdade à maltratada, desprivilegiada e muito sofrida categoria das celebridades.’
CAETANO
Diogo Mainardi
Corra, Diogo, corra!
‘Caetano Veloso agora é colunista de O Globo. Desde sua estreia, num domingo, quatro semanas atrás, estou tentando arrumar outra maneira para me sustentar. Se até Caetano Veloso se tornou um colunista, tenho de mudar de trabalho urgentemente. Assim como os cachorros latem antes dos terremotos, eu interpreto os artigos de Caetano Veloso como sinais de alerta para um desastre iminente. Au! Au! O colunismo está ruindo. Au! Au! O colunismo está se esboroando. Au! Au! É melhor fugir para o meio da rua, antes que o teto desabe sobre mim. Corra, Diogo, corra! Imediatamente depois de Caetano Veloso estrear como colunista de O Globo, a Folha de S.Paulo passou a contratar colunistas por metro.
No momento, o jornal tem cento-e-vinte-e-oito colunistas. Esse foi o número anunciado por seus próprios editores: cento-e-vinte-e-oito. Nizan Guanaes é um dos novos contratados pela Folha de S.Paulo. No passado, o colunismo era um reduto dos mineiros. Agora ele é dominado pelos baianos. Na semana passada, Lula reclamou da ‘elite que escreve colunas neste país’, só porque alguns articulistas denunciaram o apoio que ele deu à bomba nuclear iraniana. Elite? Qual elite? No Brasil, qualquer um pode se tornar colunista. Temos mais colunistas do que metalúrgicos. Lula repudiou a mentalidade colonizada de nossos colunistas, mas o fato é que a mentalidade da maioria deles nunca saiu dos arredores do Pelourinho. Resultado: os cento-e-vinte-e-oito colunistas da Folha de S.Paulo ovacionaram Lula por seu apoio à bomba nuclear iraniana.
Se o Renascimento teve Ticiano, o nosso tempo tem os analistas técnicos das bolsas de valores. O que é que isso tem a ver com Caetano Veloso? Respondo imediatamente: a fim de me livrar do colunismo, decidi procurar outra fonte de renda, investindo no mercado financeiro. Os analistas técnicos desenham gráficos para tentar antecipar os movimentos das bolsas de valores. Ocasionalmente, esses gráficos assumem formas humanas. Um deles tem o nome de um produto anticaspa: Head and Shoulders. No Head and Shoulders, um índice financeiro sobe até determinado patamar, formando o ombro direito; depois sobe outro tanto, delineando uma cabeça; depois ele oscila até o patamar inferior, no que seria o ombro esquerdo. Na quarta-feira, analisando uma série de gráficos das bolsas de valores, vislumbrei aquilo que me pareceu ser o contorno do cotovelo direito de um retrato pintado por Ticiano, em 1525. Especificamente: o retrato de Federico II com seu cachorro. Au! Au! Apliquei na hora todas as minhas economias. Se o investimento der certo, nunca mais farei um artigo. Se der errado, terei de me transformar num colunista baiano.’
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