Saturday, 21 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Vitor Paolozzi

‘Michael Moore construiu sua fama ao pegar uma câmera e perseguir pessoas poderosas, colocando-as em situações constrangedoras com perguntas incômodas. Agora que se tornou um milionário e consagrado cineasta é a sua vez de experimentar a desagradável sensação de ter suas posições e atitudes questionadas com as mesmas armas que usou.

Depois de explorar a recusa do executivo da GM Roger Smith em conceder uma entrevista como o fio condutor do documentário de 1989 ‘Roger & Me’ (Roger e eu), sobre o fechamento de empregos na região de Detroit, Moore virou a caça: nos inéditos ‘Michael & Me’ e ‘Michael Moore Hates America’ (MM odeia a América), ele é o acuado pelas câmeras.

Inconformado com os ataques de Moore aos valores conservadores, o iniciante Michael Wilson, 28, resolveu entrevistar Moore para ‘descobrir por que ele vê a América e o mundo de uma maneira tão diferente [da sua]’.

‘Nós tentamos marcar uma entrevista por muito tempo. Não queríamos fazer uma emboscada, como ele faz. Mas fomos completamente ignorados. Fui, então, atrás dele com uma câmera na Universidade de Minnesota. Ele ficou bastante nervoso e começou a gritar comigo, berrando ‘tudo o que eu faço é porque gosto da América, e são pessoas como você que a odeiam’, diz Wilson, cujo ‘Michael Moore Hates America’ deve estrear em agosto.

Na semana passada, foi lançado ‘Michael Moore Is a Big Fat Stupid White Man’ (MM é um grande e gordo branco estúpido -nome inspirado no livro ‘Stupid White Men’, de Moore). O livro chegou ao terceiro lugar do ranking da amazon.com em seu primeiro dia de vendas.

‘Um amigo documentarista viu ‘Tiros em Columbine’ e disse que seu senso de ética ficou ofendido pelo modo como ele se distanciou da verdade. Ele disse que alguém deveria fazer uma investigação mais profunda, e foi o que eu fiz’, explica a origem do livro David Hardy, um de seus autores.

Curiosamente, o livro foi lançado pela mesma editora que publicou ‘Stupid White Men’. Moore acusou a ReganBooks de tentar censurar o livro antes do lançamento -a obra deveria sair na mesma época em que aconteceu o 11 de Setembro, mas só chegou às lojas meses mais tarde.

A editora, em comunicado, afirmou que ‘jamais tentou censurar o livro por razões partidárias’ e que ‘declinava da opção de editar novos livros do sr. Moore’.

Esse episódio com a ReganBooks é um dos enumerados por aqueles que vêem em Moore uma pessoa com mania de perseguição e capaz de descobrir complôs mirabolantes em cada lugar para o qual aponta sua câmera.

Assim como no caso de ‘Tiros em Columbine’ -cujas alegadas ‘mentiras’ deram até origem a um abaixo-assinado para pedir a cassação de seu Oscar-, existem em ‘Fahrenheit 9/11’ diversos pontos questionados.

Entre os trechos do filme colocados em dúvida pela revista ‘Newsweek’ estão os sobre a autorização da Casa Branca para que membros da família de Osama bin Laden deixassem o país nos dias seguintes ao 11 de Setembro sem serem interrogados pelo FBI e as conexões dos Bushes com a família do terrorista saudita.

Na semana passada, Moore e o jornalista Michael Isikoff, da ‘Newsweek’, iniciaram pesado tiroteio em que discutiram alegações feitas no documentário. Com a reprodução textual de diálogos e narração, Moore mostrou que Isikoff não tinha muita razão no que havia criticado. A questão, porém, é mais complicada do que saber se há erros factuais ou não: muitas das críticas são de que Moore estica ao máximo, ou simplesmente distorce, o sentido de palavras e fatos para sugerir à platéia complôs que, para muitos, não passam de puro delírio.

Ao comentar o barulho em torno de ‘Fahrenheit 9/11’, o jornalista Richard Just, da revista ‘The New Republic’, escreveu que ‘a esquerda chegou a um consenso rápido sobre ‘Fahrenheit 9/11’: (…) Moore é um doido construtor de teorias da conspiração, e partes do filme -em que ele sugere, entre outras coisas, que invadimos o Afeganistão porque queríamos construir um gasoduto- exibem-no em seu momento menos responsável. Mas ele também é um talentoso cineasta e um criador de polêmicas’.

Além das dúvidas quanto à precisão dos argumentos de Moore, boa parte dos ataques contra ele miram em uma suposta hipocrisia: o inimigo do capitalismo vive em um apartamento milionário em Manhattan; o defensor das minorias e dos trabalhadores maltrata seus empregados; o apoiador de causas justas só liga para os ricos e famosos.

Em junho, o jornal ‘New York Post’ publicou uma nota em que afirmava: ‘Quando telefonam para o escritório de Moore para ver se ele emprestaria sua voz para movimentos que, supostamente, seriam de seu interesse, pessoas de esquerda e ativistas de direitos civis são esnobados. ‘Você fala com uma Christine, que aí passa para o assistente pessoal dele, Jason Pollack. Mas, a menos que você seja uma estrela, seu telefonema nunca é respondido’.

Esse foi exatamente o roteiro das diversas tentativas da Folha de agendar uma entrevista com Moore. Pollack sequer se deu ao trabalho de mandar o protocolar e-mail ‘agradecemos muito o interesse, mas no momento…’.

Às vezes, nem o fato de você ser uma estrela pode ajudar. O escritor Ray Bradbury, autor de ‘Fahrenheit 451’, está irritado porque o cineasta se recusou a mudar o nome de seu filme. ‘Meu livro é conhecido em todo o mundo, e meu título é meu. Ele o tomou sem permissão’, disse à agência de notícias France Presse. Bradbury contou que fez o pedido para a alteração há meses, mas que somente dias atrás recebeu um telefonema de Moore. ‘Ele me disse que estava envergonhado. Disse que me amava. Mas isso não é o bastante porque já comercializa o documentário com o meu título.’

Possíveis falhas de caráter à parte, o que parece inquestionável é o talento de Moore aos olhos do público e da crítica de cinema. ‘Fahrenheit 9/11’ estreou nos EUA em primeiro lugar na bilheteria, arrecadando US$ 21,8 milhões e estabelecendo novo recorde para documentários. E uma pesquisa da revista ‘Editor & Publisher’ constatou que, de 63 jornais americanos que publicaram críticas sobre o filme, a grande maioria (56) apresentou textos elogiosos para o trabalho.’



PORTUGAL
Carlos Chaparro

‘Por que a torcida portuguesa se apaixonou por Scolari?’, copyright O Ribatejo, Santarém, Portugal, 1/0704

‘O XIS DA QUESTÃO – Por intuição ou esperteza, Luiz Felipe Scolari assume a dimensão de arquétipo de torcedor ideal. Com isso, incorpora em si, e irradia, imagens de um ser criado pelo inconsciente colectivo. A lógica junguiana – que sem vitórias não funcionaria – ajuda a entender e a explicar a relação de crença recíproca que se estabeleceu entre Luiz Felipe Scolari e o povão português.

1. Um ganhador nato

São Paulo, 29 de Junho – Escrevo na véspera do jogo, e torço para que, no dia de circulação do jornal (quinta-feira), os portugueses estejam em festa, comemorando a vitória sobre a Holanda. Porém, qualquer que venha a ser (ou tenha sido) o resultado, viva Felipão! Depois do que conseguiu com a seleção portuguesa, não há mais como tirar esse gaúcho do altar dos ídolos lusitanos – talvez nem tanto pelos méritos do saber futebolístico, mas, principalmente, pela sua capacidade de estabelecer e manter, em crescendo, relações de milagrosa empatia com a torcida. Foi assim com a selecção brasileira, na conquista do pentacampeonato mundial, em 2002. E assim foi nos grandes clubes pelos quais passou, em especial o Palmeiras, onde ganhou vários títulos montado em surpreendente cumplicidade com claques conhecidas pela pré-disposição à violência.

Por que as torcidas se apaixonam por Felipão? Talvez porque ele próprio se assume como torcedor, em encenações e falas de arquibancada. Mais do que isso: por intuição ou esperteza (creio que mais esperteza do que intuição), acaba assumido a dimensão de arquétipo de torcedor ideal. Com isso, incorpora em si, e irradia, imagens de um ser criado pelo inconsciente colectivo. E as multidões, irracionalizadas pela paixão cega do futebol, aderem a esse jogo de sedução, entregando-se a uma explícita aliança de fé, em ondas de euforia como essa que contaminou Portugal. Talvez haja um pouco de atrevimento na explicação junguiana, e os leitores que me perdoem. Mas creio que essa história de torcedor arquetípico ajuda a entender e a explicar a relação de crença recíoproca que se estabeleceu entre Luiz Felipe Scolari e o povão português.

Claro que, sem vitórias, nada disso funciona. Acontece que Felipão é um ganhador nato. Por sorte ou por competência, ele construiu um currículo vencedor que talvez ninguém mais consiga exibir no futebol mundial. E aí está o mais fascinante mistério que cerca Felipão: como é possível, a um treinador de raciocínio e esquemas simplistas, ostentar tão radiosa auréola de vencedor?

2. Tudo pelo chefe…

Evidentemente, não tenho a resposta à pergunta. Afinal, nem especialista sou em futebol, apesar de, no jornalismo, já ter navegado em tais águas. E porque me falta a resposta, fiz a pergunta a alguns jornalistas brasileiros do ramo futebolístico, que conhecem de perto o estilo Felipão. Não cheguei a grandes revelações. Há um certo consenso em torno da idéia de que o segredo do vitorioso Felipão está, principalmente, na capacidade de motivar os seus jogadores, enraizando neles a convicção de que futebol é um trabalho de grupo. Da motivação faz parte uma espécie de compromisso colectivo em torno de uma aliança do tipo familiar. Família da qual ele é chefe, com quem os ‘filhos’ estabelecem uma relação de obediência e dependência – tese de um colega meu, Paulo Nassar, estudioso de comunicação em modelos de gerenciamento. O grupo (que Felipão consegue formar com bons jogadores) dará a vida pelo chefe, na certeza de que a recíproca é verdadeira. Em Abril, numa entrevista à revista Isto É, o ‘paizão’ Scolari disse o seguinte, falando dos seus jogadores da seleção portuguesa: ‘Adoptei todos. Eu os trato como trato meus filhos. Gosto muito deles e procuro fazer com que se sintam felizes aqui.’

Quem não se enquadra nesse modelo, está fora do grupo. E talvez isso ajude a entender o caso de Vítor Baía.

3. Brigas com a imprensa

Outra habilidade de Felipão é a de saber brigar com a imprensa. Scolari repetiu em Portugal a táctica de acalentar atritos com jornalistas, que tão bons resultados lhe tem dado ao longo da carreira, em especial no Brasil. Aqui em São Paulo, quando treinava o Palmeiras, ele chegou mesmo a dar dois ou três sopapos em um repórter que o incomodava com perguntas teimosamente inconvenientes. Foi um escândalo, mas a torcida ficou ao lado de Felipão. Era o que ele queria.

Essa briga em que se envolveu aí, com uma rádio espanhola, falando de guerra, de matar e de morrer, antes do jogo Portugal X Espanha, pode ter virado escândalo internacional, mas ajudou a incendiar o estádio da Luz no apoio à seleção portuguesa, e contra os espanhóis. Certa vez, também no Palmeiras, ele se viu enroscado em caso semelhante, com a TV Globo. Na preleção, não me lembro se antes ou no intervalo de um jogo difícil, Felipão estimulou os jogadores a encararem o confronto como guerra de matar ou morrer. Aos gritos, dizia que era preciso jogar duro, chegar junto, dividir todas as bolas, empurrar, pisar pé – e na pesada ladainha de recomendações belicosas, chegou a dizer que, para irritar o adversário, valia até enfiar o dedo em certo sítio. Aconteceu que, à socapa, com o microfone enfiado numa janela semi-aberta, um repórter da Globo gravou tudo. E foi aquele escândalo. Só que, além de ganhar o aplauso da torcida, Scolari conseguiu passar por vítima, queixando-se de invasão de privacidade.

***

Entretanto, eu me pergunto: ser ‘paizão’ motivador e controlador, e saber criar brigas espertas com a imprensa, serão razões suficientes para explicar os 16 títulos que Luiz Felipe Scolari ganhou em sua carreira? Creio que não. Felipão deve ter lá a sua sabedoria futebolística. E nesse campo, talvez uma das habilidades seja a de passar a idéia de que tem uma visão simplista de futebol.’