Thursday, 14 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1314

Walter Ceneviva

‘O prazo de 90 dias, depois do qual cessa o direito de reclamar de dano moral causado pelos meios de comunicação, não vale mais. É previsto pela Lei de Imprensa, ainda em vigor, editada em 1967, nos tempos da ditadura militar. Mesmo assim, não valerá na parte referente à decadência. O STF – Supremo Tribunal Federal entende que o prazo de 90 dias não é compatível com a Constituição de 1988. Decadência, convém dizer ao leitor não ligado às artes jurídicas, é a extinção do direito provocada pela demora de quem se sinta ofendido para iniciar o processo. Esgotado o prazo em que deveria defender seu direito, este caduca. Acaba.

Com a jurisprudência do STF, o prazo passará a ser de dez anos, conforme a regra geral do artigo 205 do Código Civil. De 90 dias para dez anos, é um salto espantoso. Ambos são incompatíveis com o dano moral e suas conseqüências, quando os direitos à vida, à honra, à privacidade e à imagem da vítima são atingidos, individual e socialmente considerados. Noventa dias é muito pouco. Dez anos é muito, muito. O meio-termo leva à consulta do artigo 5º da Constituição, especialmente em seus incisos V e X. Quando se fala em dano decorrente dos meios de comunicação, de natureza não-patrimonial, com ofensa à honra, o efeito é imediato, perceptível pelo atingido e com reprodução no seu ambiente social ou comunitário assim que a ofensa ocorra.

Há dois modos de ver a questão. Um deles é o de reação pronta de quem se sinta ofendido ante a gravidade do dano. Alguém que aguarde até dez anos para queixar-se à Justiça de ter sido colocado de modo depreciativo no jornal, na revista, na televisão ou no rádio já mostra que não tem razão. A queixa será inaceitável a menos que demonstre, acima de qualquer dúvida, sua completa desinformação a respeito da ofensa quando ela ocorreu, coisa difícil de acreditar.

Outro modo de ver a questão consiste em que a indenizabilidade depende da intensidade do dano causado. Nenhum outro elemento é mais importante que o prejuízo efetivamente sofrido -o dos bens ou direitos da vítima, extintos ou restringidos por ação ou omissão do autor da reportagem divulgada ou do veículo que a divulgue, bens ou direitos relacionados aos valores morais do ofendido, considerado em si mesmo e no contexto social no qual viva.

Ora, a indenizabilidade vincula-se a dano objetivamente identificável e quantificável. À medida que o tempo passa, dia após dia, o resultado adverso diminui de significado na aferição necessária, inconfundível com condições psicológicas ou emocionais de quem se apresente como vítima. A avaliação dos elementos apenas psicológicos, infinitamente variável, se perderá no tempo para a espera de dez anos. Estamos, pois, entre o prazo muito restrito, da Lei de Imprensa, e o muito largo, resultante da orientação do STF.

Retomando o argumento da queixa de prejuízo à reputação, ao bom nome, à imagem ou à honra, permitir dez anos para entrar em juízo, além de injurídico, contraria o direito fundamental à livre manifestação, ignorando os limites normais da sensibilidade média, na justa reação contra a ofensa. A lei deve fixar o prazo aceitável. Uma das razões pelas quais defendo a necessidade de uma nova lei de imprensa está na determinação de parâmetros aptos a compatibilizar o direito individual com a liberdade da comunicação apesar da dificuldade evidente de norma isenta de dúvida.’



OBSERVATÓRIO DE MÍDIA
Simone Iwasso

‘USP e TV Cultura vão analisar jornalismo a partir desta semana’, copyright O Estado de S. Paulo, 21/09/04

‘Universidade abre amanhã o Observatório Brasileiro de Mídia e televisão estréia seu ombudsman na 6.ª

Em meio a discussões sobre a possível criação do Conselho Federal de Jornalismo e da Agência Nacional do Cinema e do Audiovisual (Ancinav), vistas por críticos como propostas para controlar a mídia e a produção cultural, duas iniciativas estrearão nesta semana com a missão de analisar o jornalismo impresso e televisivo.

Amanhã, será inaugurado o Observatório Brasileiro de Mídia da USP, ligado ao Departamento de Jornalismo da Escola de Comunicações e Artes (ECA). No primeiro dia, já haverá uma apresentação dos resultados de uma análise da cobertura eleitoral em São Paulo.

‘Vamos mensurar como são cobertos determinados fatos. Faremos análises de conteúdo, sem entrar na parte do discurso, apenas classificando como positivas, neutras ou negativas. E análises morfológicas, ou seja, como estão visualmente colocadas nas páginas as reportagens’, diz José Coelho Sobrinho, chefe do Departamento de Jornalismo da ECA.

Segundo Sobrinho, o objeto de estudo atual é a cobertura eleitoral pelos grandes jornais de São Paulo, de acordo com uma metodologia usada há dez anos em mestrados e doutorados do departamento. ‘Os resultados serão divulgados para os jornais, partidos e pesquisadores’, afirma.

‘Jornalismo público’ – Em outro meio, a TV Cultura vai inaugurar na sexta-feira o primeiro ombudsman da televisão brasileira. O cargo, uma espécie de crítico da programação e porta-voz dos telespectadores, será do jornalista Osvaldo Martins, de 64 anos, que trabalhou em diversos veículos de comunicação e assumiu a Secretaria de Comunicação na gestão do governador Mário Covas.

A princípio, Martins assinará uma página no site www.tvcultura.com.br. A partir de novembro, terá um programa semanal. ‘O foco inicial vai ser o jornalismo, por causa da discussão da emissora de como deve ser o jornalismo de uma televisão pública’, diz.

Já adiantando seu ponto de vista, Martins afirma que a discussão atualmente se concentra em um ponto errado. ‘Eu contexto a expressão ‘jornalismo público’, usada na emissora. Todo jornalismo trabalha com informação, que é um bem público. O caminho seria um trabalho que explique e contextualize os fatos.’

O cargo de ombudsman tem duração de um ano, renovável por mais dois. Nesse período, e durante os seis meses após o mandato, o jornalista tem estabilidade garantida.’



FENAJ vs. JAKOBSKIND
Rodrigo Brandão

‘Jornalista recebe intimação no Rio de Janeiro’, copyright Brasil de Fato, 23/09/04

‘O jornalista Mário Augusto Jakobskind recebeu uma intimação judicial para confi rmar ou desmentir o teor das afi rmações divulgadas no portal de internet Observatório da Imprensa sobre a atuação do Sindicato dos Jornalistas do Município do Rio de Janeiro durante o episódio da morte do jornalista Tim Lopes. Autores da intimação, o Sindicato e a Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) defendem o projeto de lei do governo que institui o Conselho Federal de Jornalismo, sendo que, pelo projeto proposto, o Conselho teria integrantes indicados pela própria Fenaj. Veja, abaixo, os principais trechos do texto publicado dia 15 de junho de 2004.

TIM LOPES, DOIS ANOS

‘Um episódio que entrou para a história como uma mancha no sindicalismo brasileiro diz respeito ao caso Tim Lopes e envolve duas entidades dos jornalistas. Tanto a atual diretoria da Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) como a do Sindicato dos Jornalistas Profi ssionais do Município do Rio de Janeiro defenderam com unhas e dentes a versão sustentada pelo empregador do repórter assassinado pelo narcotráfi co, a TV Globo, recusando-se inclusive a examinar denúncias, bem fundamentadas, segundo as quais a tragédia ocorrida a 2 de junho de 2002 poderia ter sido evitada.

Toda a vez que a TV Globo se sente acuada com questionamentos em relação ao seu posicionamento no caso, os diretores da emissora citam a Fenaj e sindicato carioca a seu favor.

Os dirigentes sindicais das duas entidades simplesmente negaramse até a discutir os questionamentos apresentados, que mostravam que o assassinato do repórter poderia ter sido evitado não fosse o açodamento irresponsável da TV Globo, que obrigou Tim Lopes a cumprir uma pauta em área de risco, ainda mais ele, que havia se tornado uma fi gura pública por ter a emissora mostrado, em todos os noticiários, a sua imagem recebendo o Prêmio Esso de Telejornalismo por uma matéria sobre a feira de drogas em favelas do Rio de Janeiro.

Além disso, Fenaj e sindicato carioca simplesmente se recusaram a dar assistência à jornalista Cristina Guimarães, que sete meses antes do assassinato de Tim pediu proteção à TV Globo por estar sofrendo ameaças de morte. Cristina, hoje fora do mercado de trabalho, mas viva, fez matéria sobre a feira de drogas nas favelas da Rocinha e de Mangueira, enquanto Tim se ocupou do Complexo do Alemão, onde se localiza a Favela Cruzeiro, local da tragédia que culminou com a morte do repórter.

Ainda mais lamentável aconteceu na Associação Brasileira de Imprensa. Chamada a prestar depoimento em sessão especial para a diretoria da ABI e Comissão de Direitos Humanos e Liberdade de Expressão, Cristina Guimarães expôs detalhadamente os fatos e, pasmem, foi praticamente encostada na parede por membros da diretoria do sindicato carioca e funcionários da TV Globo presentes. Ou seja, além de não dar proteção, como seria o seu dever, o sindicato ainda se voltou contra Cristina, tentando colocar em dúvida as suas denúncias. A manobra não deu certo, tendo a diretoria da ABI se colocado em favor da jornalista, comprometendo- se inclusive a envidar esforços no sentido de exigir das autoridades que ela recebesse proteção.

Estamos lembrando fatos de dois anos atrás. A aberração continua. No dia 2 de junho, o Sindicato dos Jornalistas do Município do Rio de Janeiro prestou uma homenagem a Tim Lopes convidando parte da família de Tim Lopes, mas não a viúva Alessandra ou a cunhada Daniela, pois ambas são as que mais questionam a versão da TV Globo que a representação sindical carioca aceitou integralmente. Cristina hoje continua vivendo praticamente na clandestinidade, passando difi culdades e sem perspectivas de retornar ao mercado do trabalho, enquanto que a TV Globo se recusa a responder perguntas sobre o caso Tim Lopes.’