‘Não só há mais coisas entre o céu e a terra do que imagina a nossa vã filosofia, mas ocorrem entre elas relações e correspondências orgânicas que a nossa vã filosofia não deve ignorar. Assim, a pornocracia da Lapa nos tempos fabulosos (grandemente idealizados por cronistas e historiadores) encontrava sua literatura específica, não nos mencionados historiadores e cronistas, mas na abundante biblioteca de livros e revistas ‘só para homens’, da mesma forma por que, e por estranho que pareça, a literatura ‘só para homens’ era simétrica à literatura ‘só para mulheres’, quero dizer, as histórias de virgindades tenazes ou violentadas, as heroínas que sucumbiam aos encantos irresistíveis de torpes sedutores, os dramas de família e a vitória final da virtude contra o vício, tudo envolto em solenes ensinamentos morais (Alessandra El Far. ‘Páginas de sensação: literatura popular e pornográfica no Rio de Janeiro (1870-1924)’. São Paulo: Companhia das Letras, 2004).
De então para cá, mudou completamente o código do decoro social e literário, sendo impensável, àquela altura, que um estudo como este fosse escrito por uma mulher, enquanto os pressupostos, o estilo e o vocabulário da literatura ‘só para homens’ incorporaram-se em nossos dias à literatura canônica e convencional. É certo que algumas poucas autoras da época, em prosa e verso, publicaram obras que, para o escândalo hipócrita dos homens, pareciam avançar perigosamente pelo território proibido.
A Lapa mítica e mitológica encontrou nos livros de Luís Martins, agora reeditados, o seu romancista populista e sentimental, por influência evidente e confessada de Charles-Louis Philippe, mestre paradigmático do gênero: ‘Eu sonhava traduzir o ‘Bubu de Montparnasse’ (…) e colecionava sensações para a feitura de um romance que, depois de publicado, iria ter uma história bem mais romanesca do que ele próprio’ (‘Noturno da Lapa’, 3 ed., e Lapa, ambos na editora José Olympio, 2004). ‘Lapa’, o romance (1936), inscrevia-se até mimeticamente no clima esquerdizante do romance ‘social’, mas era inoportuno no rescaldo da intentona comunista de 1935 e no exato momento em que se preparava o golpe do Estado Novo: ‘a Comissão de Repressão ao Comunismo caiu em cima de mim; os exemplares do meu livro foram apreendidos e destruídos; a polícia passou a procurar-me no Rio e em São Paulo (…) e numa triste madrugada, policiais armados despertaram-me violentamente numa fazenda paulista — e me escoltaram, preso, como se eu fosse um grande criminoso, até o Gabinete de Investigações’.
Protegido do todo-poderoso ministro Agamenon Magalhães, em cujo gabinete servia e que, de toda evidência, pretendia encaminhá-los na vida pública, Luís Martins, ao perceber que se tramava ‘qualquer coisa’, entrou em pânico e fugiu para São Paulo, assim confirmando as intrigas dos inimigos. Agamenon Magalhães declarou mais tarde que se sentira traído pelo filho bem amado em quem tinha posto toda a sua complacência, enquanto Luís Martins jogava pela janela, com o tresloucado gesto, a proteção de que necessitava e, claro está, a sua própria carreira.
Os romances populares ‘de sensação’, como os denomina Alessandra El Far, eram as telenovelas do século XIX e começos do seguinte, ou, se quisermos, estas últimas respondem ao mesmo modelo dramático: ‘Como o próprio nome anuncia, esse tipo de narrativa trazia histórias singulares, capazes de provocar no leitor emoções pouco experimentadas na previsível rotina do cotidiano. Logo nas primeiras páginas, as personagens vítimas de alguma fatalidade, viam-se obrigadas a abandonar a segurança e a tranqüilidade de uma vida pacata para mergulhar numa sucessão de acontecimentos dramáticos, repentinos, cheios de aventura, surpreendentes, injustos e sanguinolentos’.
Os romances populares ‘de sensação’ eram a subliteratura do romanesco, com a qual, aliás, os autores naturalistas não raro convizinhavam. Foi nesse período, lembra ela, que Max Fleiuss escreveu ‘Femina’ (1896), Pardal Mallet, ‘O lar’ (1888), Valentim Magalhães, ‘Flor de sangue’ (1897), Horácio de Carvalho, ‘O cromo’ (1888), Marques de Carvalho, ‘Hortênsia’ (1888), Adolfo Caminha, ‘O bom-crioulo’ (1895) e ‘A normalista’ (1893), Raul Pompéia, ‘O Ateneu’ (1888), Domingos Olímpio, ‘Luzia-Homem’ (1903), e o eminente filólogo Júlio Ribeiro, ‘A carne’ (1888).’ Eram autores interessados ‘na bandalheira’, exclamava Sílvio Romero à beira da apoplexia: naturalista quanto fosse, seus padrões morais não admitiam tanta licenciosidade.
Já nos anos de 1920, os casos e as causas célebres foram provocados por ‘Os devassos’, de Romeu de Avellar, e ‘Mlle Cinema’, de Benjamin Costallat: ‘Com base no decreto elaborado para regular a lei de imprensa, o promotor público José Gomes de Paiva acusou Benjamin Costallat e José Miccolis (…) de terem impresso em suas oficinas para depois expor à venda ‘em grande escala’, o romance ‘imoralíssimo’ intitulado ‘Os devassos’ (…). ‘Mademoiselle Cinema’ parece ter vendido, segundo seus editores, 25 mil exemplares em três edições sucessiva (…) chegando, pouco depois, ao sexagésimo milheiro na sua quinta impressão’.
Anos antes, em 1893, houve o escândalo da estréia de Figueiredo Pimentel, futuro ditador da elegância no Rio de Janeiro: ‘O livreiro Pedro Quaresma (…) desencadeou nos jornais uma vasta propaganda publicitária para anunciar o lançamento de ‘O aborto’, estudo naturalista’, do autor ainda jovem e desconhecido. Refletindo as ambivalências da época, todos esses escritores alegavam motivos moralizantes; o de Figueiredo Pimentel era dedicado ao filho, ‘para ler quando chegar à puberdade’. Quaresma era o mais célebre dos livreiros especializados nesse tipo de literatura, mas também em obras populares de natureza diferente (orações, sortilégio, jogo do bicho, etc.), nomeadamente o best-seller absoluto (até aos nossos dias, creio eu) que era ‘O livro de S. Cipriano’.
Alessandra El Par mostra que podemos desprezar a subliteratura como subliteratura, mas não como documento de uma época, exatamente semelhante às popularíssimas telenovelas dos nossos dias.’
MEMÓRIA / JESÚS SOTO
‘Jesús Soto morre em Paris’, copyright O Estado de S. Paulo, 20/1/05
‘Venezuelano foi um dos maiores representantes da arte cinética
Morreu ontem em Paris o artista venezuelano Jesús-Rafael Soto, um dos maiores representantes da arte cinética, movimento surgido nos anos 1950. Nascido em 5 de junho de 1923, em Ciudad Bolívar, ele vinha lutando havia um longo período contra um câncer.
Desde 1950, estava radicado na França, mas revezava seu trabalho entre os ateliês de Paris e Caracas, em seu país natal. Enquanto chegava ontem a notícia da morte do artista, estava sendo montada no Centro Cultural Banco do Brasil do Rio uma exposição em torno de sua obra. Soto – A Construção da Imaterialidade faz uma retrospectiva do artista com curadoria de Paulo Venâncio Filho. A abertura está prevista para a segunda-feira.
O trabalho de Soto é bem conhecido aqui pelo Brasil, já que ele participou de cinco Bienais de São Paulo (1957, 1959, 1963, 1994 e 1996 – nesta última, sua obra foi considerada uma das preferidas do público). Ao lado de outros nomes como de seu conterrâneo e amigo Carlos Cruz-Diez, do húngaro Vasarely, do suíço Jean Tinguely, Soto esteve sempre preocupado em realizar uma arte que fosse além do cubismo. Eles criaram a arte do movimento, unindo a ciência, a emoção e o lúdico para tocar as pessoas.
Começou sua carreira como pintor e mais adiante recorreu a outros meios para explorar o conceito de espaço e tempo. ‘Meu interesse era ensinar as pessoas que o espaço e o tempo são entidades maravilhosas, às quais pertencemos e que são cheias de possibilidades, infinitas’, disse ao Estado em 2002, por ocasião de uma mostra na Dan Galeria.
Se no começo dessas pesquisas as pinturas dos anos 1950 criavam efeitos óticos com o uso da cor, depois suas estruturas começaram a ser feitas com outros materiais, como náilon e metais, e atingiram o espaço, o entorno. São muito conhecidos os trabalhos em que o artista utiliza retas rígidas de fios de náilon (algumas vezes presas do chão ao teto, por exemplo), formando o mesmo efeito ótico daquelas pinturas. E, assim, não à toa gostava de chamar tudo de vibração. Suas obras são estáticas, mas se movem diante do olhar do espectador. Em alguns casos criou até trabalhos em que o visitante poderia adentrar (os penetráveis). E esse é um dos grandes chamativos de sua produção, atrair a atenção de qualquer espectador, fazer uma arte de integração social.’
MEMÓRIA / JOHNNY CARSON
‘Morre, aos 79, rei dos talk shows’, copyright Veja Online (http://vejaonline.abril.com.br), 23/1/05
‘O apresentador de televisão americano Johnny Carson morreu neste domingo, aos 79 anos. Famoso pela condução do programa The Tonight Show, na rede NBC, no qual trabalhou por quase trinta anos, ele lutava contra um enfisema pulmonar há muitos anos. Não haverá velório.
Carson era assistido por 12 milhões de pessoas diariamente até se aposentar, em 1992, quando foi substituído por Jay Leno. No último programa, em 22 de maio, visto por 55 milhões de pessoas, despediu-se com os olhos marejados: ‘Sou uma pessoa de sorte. Encontrei algo que eu gostasse de fazer, e aproveitei cada minuto’.
Nos anos seguintes, o apresentador passou a maioria do tempo em sua casa em Malibu, na Califórnia, sendo raramente visto em público. Casado quatro vezes, ele teve três filhos – um dos quais morreu em 1991 em um acidente de carro, aos 39 anos de idade.
Em 1999, Johnny Carson submeteu-se a uma operação no coração, e colocou quatro pontes de safena. Adepto do tênis, foi obrigado a parar de jogar. Ele também teve que interromper as viagens anuais a destinos como a África e a Europa, onde costumava assistir ao torneio de Wimbledon.’
O Globo
"Johnny Carson, aos 79 anos", copyright O Globo, 25/01/05
"Considerado uma figura lendária da TV americana, o apresentador Johnny Carson, que durante 30 anos deleitou os espectadores do programa ‘Tonight show’, da rede NBC, ganhou fama com suas críticas mordazes a políticos e personalidades da vida social.
A apresentação ‘Heeeere’s Johnny!’ (Aqui está Johnny!), que marcava sua entrada em cena, tornou-se um bordão popular nos Estados Unidos, e chegou a ser reproduzida em filmes como ‘Aladin’ e ‘O iluminado’.
Carson começou como apresentador do ‘Tonight show’ – um dos mais populares programas de variedades dos Estados Unidos – em 1962 e manteve altos índices de audiência até a sua saída em 1992, quando foi substituído por Jay Leno.
Para os espectadores de outros países, Carson se tornou conhecido por ter apresentado em diversas ocasiões a entrega do Oscar.
Carson, de 79 anos, morreu de enfisema pulmonar, anteontem, em sua casa em Malibu, na Califórnia, cercado de parentes próximos.
Ele teve três filhos, um dos quais morreu em 1991, num acidente de carro, fato que teria precipitado a sua saída da TV.
– Sua perda será irreparável – disse o sobrinho Jeff Sotzing, acrescentando que a família não faria um funeral público."