Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Zuenir Ventura


‘Se não for anulada a decisão da Justiça de Goiânia, a editora Planeta tem no máximo 20 dias para retirar o livro ‘Na toca dos leões’, de Fernando Morais, de todas as livrarias do território nacional, em conseqüência de ação movida pelo deputado federal Ronaldo Caiado, do PFL de Goiás, que se sentiu caluniado pelo escritor. Primeiro, o juiz goiano Jeová Sardinha de Moraes autorizou a busca e apreensão dos exemplares existentes na editora, em São Paulo, com o ‘arrombamento de prédios e o reforço policial caso necessário’; depois, estendeu a ordem a todo o país; em seguida revogou-a, para finalmente voltar atrás na quarta-feira passada, fazendo a vontade do fundador da UDR, aquela conhecida organização que mobilizava fazendeiros contra a reforma agrária.


No livro, sobre a agência de publicidade W/Brasil, Fernando narra que em 1989 o então candidato à Presidência da República procurou dois sócios da empresa, Washington Olivetto e Gabriel Zellmeister, propondo-lhes trabalhar em sua campanha política. ‘O cara era muito louco’, disse Gabriel a Fernando, conforme está no livro. ‘Contou que era médico e tinha solução para o maior problema do país, ‘a superpopulação dos estratos sociais inferiores, os nordestinos’. Segundo seu plano, esse problema desapareceria com a adição à água potável de um remédio que esterilizava as mulheres.’


O deputado se sentiu ofendido, alegando que ‘é casado com uma nordestina, médico assistencialista, tem posses e família no Nordeste’. Além da apreensão, o juiz proibiu em regime liminar que a editora, o escritor Fernando Morais e o publicitário Gabriel Zellmeister toquem publicamente no assunto. Em outras palavras, que divulguem ‘comentários acerca do texto imputado calunioso em qualquer órgão de imprensa, sob pena do pagamento de multa imposta a cada um, no valor de R$ 5 mil, por cada ato publicitário’, isto é, por cada vez que fizerem declaração pública.


Censura, proibição, apreensão de livros, nada disso é novidade no Brasil, principalmente durante as ditaduras de Vargas e a dos militares. Que o diga Rubem Fonseca, que há exatas três décadas, em 1975, teve seu ‘Feliz Ano Novo’ interditado. Eram os anos de chumbo, mas mesmo assim, bem ou mal, a vítima conseguia falar sobre o ocorrido. O que há de perigosamente novo nessa história agora é que a Justiça foi além, impondo o castigo do silêncio: é a cassação do bom e velho jus esperneandi , o direito de espernear.’



O Globo


‘ANJ critica decisão de juiz que proibiu livro de Morais’, copyright O Globo, 7/05/05


‘A decisão do juiz Jeová Sardinha, da 7 Vara Cível de Goiânia, de mandar recolher todos os exemplares do livro ‘Na toca dos leões’, de Fernando Morais, foi classificada de censura pela Associação Nacional de Jornais (ANJ). A entidade divulgou nota, assinada pelo presidente, Nelson Sirotsky, acusando o juiz de agir ‘com grave violência contra o direito constitucional da liberdade de expressão’. A venda foi proibida a pedido do deputado Ronaldo Caiado (PFL-GO), que se sentiu ofendido por alguns trechos.


Para a ANJ, o ideal seria que Caiado buscasse na Justiça a reparação, em vez de pleitear a censura prévia. ‘Nada justifica a medida obscurantista, que nos remete aos piores momentos do autoritarismo, de apreensão de livros’, escreveu Sirotsky. ‘É determinação inédita e absurda, que caracteriza censura prévia. Esperamos que instâncias superiores da Justiça reparem essa lamentável decisão’, concluiu.


A Editora Planeta já imprimiu 50 mil exemplares da obra e pôs grande parte no mercado. Agora, tem 20 dias para recolhê-los. O despacho impede a editora ou o autor de fazerem comentários sobre o livro e sobre a decisão judicial. A multa prevista é de R$ 5 mil cada vez que a determinação for descumprida. Por isso, os representantes da Planeta não quiseram dar entrevista.


Fenaj também condena decisão do juiz goiano


A Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) também condenou a decisão. O presidente da entidade, Sérgio Murilo, disse que o autor foi amordaçado:


– Preocupa-nos a banalização da censura prévia. A Justiça está ressuscitando algo que foi muito usado na ditadura. E não é caso isolado, há um surto de decisões assim nos estados.


O presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, Roberto Busato, criticou a decisão:


– Qualquer tipo de atentado à liberdade de expressão é uma afronta ao estado democrático de direito.


O livro conta a história da W/Brasil a partir do depoimento de seus fundadores: Washington Olivetto, Javier Llussá e Gabriel Zellmeister. Aborda também o assédio de candidatos. O trecho que levou Caiado a procurar a Justiça está inserido numa entrevista de Zellmeister. O publicitário contou ao escritor que Caiado, candidato à Presidência em 1989, tentou contratar a agência e revelou um plano para conter o crescimento populacional no Nordeste. A idéia seria pôr um esterilizante na água como forma de ‘acabar com a superpopulação nos estratos inferiores, os nordestinos’. Zellmeister teria recusado a proposta de fazer sua campanha.’



Folha de S. Paulo


‘Censura’, Editorial, copyright Folha de S. Paulo, 7/05/05


‘Quando foi promulgada, em 5 de outubro de 1988, a nova Constituição, esperava-se que as cenas de policiais vasculhando livrarias e bibliotecas em busca de livros proibidos tivessem sido definitivamente enterradas num passado sombrio. Infelizmente, de tempos em tempos, membros isolados do Poder Judiciário tentam vedar a divulgação de certos textos e chegam mesmo a determinar sua apreensão. Fazem-no em flagrante contradição com a Constituição Federal, que baniu definitivamente a censura do país (arts. 5º, IV, IX e 220, caput e º1 e º2).


Na mais recente recaída censória do país, um magistrado de Goiás ordenou que todos os exemplares do livro ‘Na Toca dos Leões’, de Fernando Morais, sobre a agência de publicidade W/Brasil, sejam retirados do mercado. Fê-lo a pedido do deputado federal Ronaldo Caiado (PFL-GO), que move ações contra Morais.


A passagem que deu origem à controvérsia é uma em que o publicitário Gabriel Zeillmeister conta que Caiado procurou a W/Brasil e disse que tinha ‘a solução para o maior problema do país, a superpopulação dos estratos sociais inferiores, os nordestinos’. A seguir, o então líder da União Democrática Ruralista teria defendido adicionar à água potável uma droga que tornasse as mulheres estéreis. O deputado, é claro, nega ter dito a frase a ele atribuída.


Caiado tem, como é óbvio, motivos para sentir-se ferido em sua honra. A mesma Constituição que proíbe a censura lhe dá os instrumentos para pedir reparação contra o que entende como injusto. Ele pode processar o autor por crimes contra a honra e reclamar ‘indenização por dano material, moral ou à imagem’ (art. 5º, V).


Como parte num processo, o deputado tem o direito de pedir o que bem entender, incluindo censura e até a pena de morte para o autor. O magistrado, contudo, teria de ater-se aos remédios legais e constitucionais. É o que ele deixou de fazer quando optou pela censura e pela busca e apreensão de livros.’



O Estado de S. Paulo


‘Editora de Morais deve recorrer contra censura’, copyright O Estado de S. Paulo, 7/05/05


‘A Planeta do Brasil, editora do livro Na Toca dos Leões, do jornalista Fernando Morais, foi intimada formalmente ontem a recolher todos os exemplares da obra em livrarias e bancas no prazo de 20 dias. A partir de uma ação do deputado Ronaldo Caiado (PFL-GO), que diz ter sido caluniado em trecho do livro, a Justiça de Goiânia também proibiu o autor, a editora e o publicitário Gabriel Zeillmeisterdese pronunciarem a respeito do caso. Na próxima semana, os advogados da editora devem encontrar-se com o juiz Jeová Sardinha, da 7.ª Vara Cível de Goiânia, para recorrer da decisão.’