‘Acho que foi o colunista Clóvis Rossi o primeiro a perceber a carga simbólica contida naquele comercial da Schincariol que desqualificava a concorrência ao propor sua cerveja como a única legítima: ‘o resto é enrolation’, dizia o anúncio. Aproveitando o fato de que os publicitários ‘são craques em retratar a alma profunda da pátria’, Rossi recolheu várias formas de pequenas trapaças do comportamento brasileiro para ilustrar nossa vocação de país da enrolation: o ‘gato’, o ‘por fora’, ‘com nota ou sem nota’, o ‘jeitinho’.
Curiosamente, essa semana o caso ganhou um raro e exemplar desfecho, com a Polícia Federal, a Receita e o Ministério Público descobrindo que a Schincariol, ela sim, é que era enrolation. Enrolava tanto o fisco que seus donos foram presos e indiciados por sonegação, lavagem de dinheiro, evasão de divisas e formação de quadrilha. Só nessa Operação Cevada, a PF calcula que as fraudes cheguem a R$ 1 bilhão.
Espera-se que na confusão moral que assola o país, em meio a tanta inversão de valores e troca de papéis, em que vilões posam de mocinhos, o final sirva como inspiração para o combate à enrolation política, embora se saiba que na feira de troca-troca de Brasília a punição seja mais difícil do que no mercado de cerveja.
Vem aí, no entanto, uma boa oportunidade, senão para resolver o que só a reforma estrutural de costumes e práticas pode resolver, mas para servir pelo menos de exemplo pontual. A CPI dos Correios pode começar a passar a limpo aquele mundo político cujas vísceras podres foram expostas no Conselho de Ética da Câmara. Só não pode deixar que se repita o espetáculo de terça-feira, quando, ao lado de graves revelações, houve muita enrolação, a começar pelo desempenho do principal personagem, que entrou como acusado e saiu como acusador, sem precisar apresentar provas e se permitindo até confessar crimes eleitorais.
A CPI vai ter que avançar resistindo a duas pressões: de um lado o governo, que vai tentar controlar os trabalhos através da presidência e da relatoria, ocupadas por aliados; de outro a oposição, que vai querer transformar o espaço em palanque para as eleições de 2006. Caberá a seus componentes, com independência e sensatez, jogar um pouco de luz, ou cevada, nesse caos.
Afinal, alguma coisa está errada numa história de corrupção em que o único vencedor tem sido Roberto Jefferson. Ele conseguiu enrolar a opinião pública, indicar o caminho das investigações, pautar a oposição e se sentir no direito de achar, às gargalhadas, que teve moral para demitir um ministro de Lula. É enrolation demais.’
Ronaldo D’Ercole e Carlos Vasconcellos
‘Schin: publicitário diz que cometeu excesso’, copyright O Globo 18/06/05
‘O publicitário Luís Lara, da agência Lew, Lara, que atende parte da conta da cervejaria Schincariol, assumiu que cometeu um excesso ao referir-se à possibilidade de publicação de reportagens favoráveis a seu cliente em revistas semanais, em troca da compra de publicidade. Trechos de uma conversa telefônica gravada entre Lara e o executivo Adriano Schincariol, foram divulgados ontem pelo jornal ‘Valor’. A gravação foi realizada pela Polícia Federal na Operação Cevada – que prendeu 68 pessoas ligadas à Schincariol.
Nas gravações, Lara citou as revistas ‘Época’ e ‘Isto É’, e falou na necessidade de ‘blindar’ a Schincariol nessas publicações. O publicitário também disse que se a Schincariol comprasse publicidade na editora Três, poderia conseguir o que quisesse nas publicações da empresa. Até mesmo uma reportagem de capa sobre a cervejaria, o que de fato aconteceu na ‘Isto É Dinheiro’, editada pela Três, em fevereiro.
– Cometi um excesso – disse Lara. – Uma agência não tem a função e nem o poder de interferir no conteúdo editorial dos veículos de comunicação.
Lara disse ainda que o termo ‘blindar’ foi mal-interpretado. Segundo ele, a expressão seria um jargão publicitário usado quando uma agência quer ocupar espaços antes dos concorrentes.
A revista ‘Época’, da editora GLOBO, chega às bancas hoje com a versão integral da gravação da PF. O diretor de ‘Época’, Aluízio Falcão Filho, explica que o diálogo entre Lara e Schincariol ocorreu em 18 de dezembro de 2004, dias depois de a revista ter publicado matéria sobre o regime tributário no setor de bebidas. Segundo ele, desde então, ‘Época’ não publicou matérias sobre cervejas.
Falcão Filho ressalta ainda que a Schin não é anunciante da revista e que reduziu a verba publicitária na editora GLOBO. Segundo o diretor de ‘Época’, na gravação da PF, Lara e Schincariol teriam falado ainda em ‘blindar’ o Jornal da Band e o Jornal da Record. O diretor da Editora Três, Domingo Azulgaray, disse, em nota, que as capas e o texto editorial das publicações da Três ‘não estão à venda’.’
Consultor Jurídico
‘O japonês e o caipira’, copyright Revista Consultor Jurídico (www.conjur.com.br), 18/06/05
‘Grampo indica que Gushiken e Dirceu preferem Schin
Enquanto a Superintendência da Polícia Federal no Rio de Janeiro investigava a sonegação, ‘em escala industrial’, praticada pela cervejaria Schincariol, ministros do governo Lula acompanhavam uma operação em sentido contrário: uma tentativa de proteger a imagem da cervejaria, fabricando notícias favoráveis.
Essa noção, que parece beirar as raias do absurdo, emerge de trecho da degravação de interceptação telefônica feita pela Polícia Federal, que capturou diálogos entre o empresário Adriano Schincariol e o publicitário Luiz Lara, da Lew Lara Propaganda.
As três páginas da degravação mostram o publicitário, que tem diversos contratos com o governo petista, conversando com o empresário sobre reportagens favoráveis à empresa que estariam sendo obtidas em emissoras de TV e revistas. Trechos foram reproduzidos nesta sexta-feira pelo jornal Valor.
As possíveis negociatas entre empresas, contudo, impressionam menos que o possível envolvimento de integrantes do alto escalão do governo. Esse envolvimento, por sua vez, chama a atenção por si só, mas também pelo seu vazamento.
Afinal, se a Polícia Federal, no todo ou em parte, atende ao comando do governo, mas se permite vazar imputações comprometedoras a seus chefes tem-se de dois fatos um: ou a PF é efetivamente independente e o Brasil chegou ao primeiro mundo nesse aspecto; ou, o provável, que há mesmo uma ala oposicionista na força policial.
A segunda alternativa tem a respaldá-la a prisão do publicitário Duda Mendonça em rinha de galo, contra a vontade do Planalto. Não por coincidência, também no Rio de Janeiro. O mesmo estado em que é secretário da Segurança Marcelo Itagiba, acusado, durante a campanha eleitoral da disputa presidencial, de, como superintendente da PF no Rio, grampear ligações petistas em favor da campanha tucana.
No trecho que se segue, o publicitário Luiz Lara (LA) informa ao empresário Adriano Schincariol (A) que levou a Brasília gravações de reportagens de TV supostamente favoráveis à cervejaria. O teor da conversa, aliás, aponta para um esforço em mostrar que a empresa nada deve ao fisco. Lara, que cuida da publicidade de alguns produtos da Schincariol e da propaganda do governo, em entrevista ao Valor, reconheceu que os diálogos realmente foram travados, mas que fez ‘mau uso da palavra’ e pediu desculpas à Editora Três e ‘demais veículos de imprensa’ que, pelos diálogos, pode-se supor que participaram de barganhas.
Acompanhe o trecho do grampo que se refere a Gushiken e José Dirceu:
LA – olha eu recebi a fita com as quatro matérias e ontem eu estive lá naquela cidade (Brasília) e mostrei para duas pessoas uma o Japonês (LUIZ GUSHIKEN) e aí entrou o caipira que hoje está na casa civil (JOSÉ DIRCEU) não o barbudo (presidente LUÍS INÁCIO LULA DA SILVA) e ele viu também.
A – o que é que falaram?
LA – acharam ótimo, acharam ótimo, aí eu mostrei de novo a ÉPOCA (revista) que eles não tinham visto, então foi feito o trabalho, aí eu estava dizendo aqui para o Luis, numa guerra dessa, … agora eles vão responder com este efeito pipoca, tentando desqualificar FENADIB (FONÉTICO) conforme o EDILSON te falou, FENADIB e SECRETARIA DA RECEITA EM CADA ESTADO, precisa ter um jornal como este na mão para poder responder, porque tudo bem dá cinco, sete, três de audiência não é uma globo, mas lhe dá credibilidade para você brigar…’
Folha de S. Paulo
‘Fita da PF mostra publicitário oferecendo capa’, copyright Folha de S. Paulo, 18/06/05
‘A Operação Cevada de combate à sonegação fiscal da Receita Federal e da Polícia Federal realizada na quarta-feira, que prendeu nove diretores da cervejaria Schincariol, respingou na imprensa.
Uma gravação telefônica em poder da Polícia Federal registrou uma conversa entre o publicitário Luiz Lara, da agência Lew, Lara, que atende parte das contas da cervejaria, com Adriano Schincariol, diretor da empresa. No diálogo, Lara sugere a Schincariol a compra de uma reportagem de capa da revista ‘IstoÉ Dinheiro’, da Editora Três, de propriedade de Domingo Alzugaray.
Num trecho da gravação, Schincariol e Lara conversam sobre a possibilidade de ‘blindarem’ as revistas ‘IstoÉ’ e ‘Época’, da Editora Globo.
Lara afirma a Schincariol que Alzugaray estava com graves problemas financeiros e que, se ele desse até R$ 1 milhão, conseguiria uma reportagem de capa da ‘IstoÉ Dinheiro’.
O diálogo, ocorrido em 18 de dezembro de 2004, foi confirmado por Luís Lara. Schincariol está detido na Polícia Federal em São Paulo, e seu advogado disse que seu cliente não teria como comentar a gravação.
Lara afirmou à Folha que agiu de forma indevida e que nunca comprou uma reportagem de capa de uma revista. ‘Cometi um excesso inadvertido. Falei demais e assumo toda a responsabilidade’, afirmou Lara.
Dois meses depois do diálogo, no dia 23 de fevereiro deste ano, a ‘IstoÉ Dinheiro’ publicou a reportagem de capa: ‘A virada da Schin’.
Em nota enviada à Folha na quinta-feira, Alzugaray nega que sua editora venda reportagens de suas revistas e diz desconhecer o teor do diálogo.
A reportagem de capa da ‘IstoÉ Dinheiro’ tratava, entre outros assuntos, do tema fiscal, baseado num estudo da consultoria Trevisan mostrando que as marcas da Schincariol pagavam relativamente mais imposto do que as marcas líderes por uma distorção na cobrança do IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados).
Na gravação obtida pela PF, Lara diz a Schincariol que, se ele desse um dinheiro a Alzugaray, ele lhe daria uma capa da ‘IstoÉ Dinheiro’ sobre o tema fiscal.
Segundo Lara, essa reportagem já tinha interessado à ‘IstoÉ Dinheiro’ antes do diálogo com Schincariol. Tratava-se, segundo Lara, de um assunto de interesse jornalístico. O publicitário afirmou que, além da revista, outras publicações também teriam feito reportagens sobre o assunto. Entre elas, a revista ‘Época’.
O diretor de Redação da revista ‘Época’, Aluizio Falcão Filho, negou enfaticamente à Folha que a revista venda suas reportagens. Segundo ele, a ‘Época’ publicou duas reportagens sobre a Schincariol. Uma, em dezembro de 2003, com denúncias de sonegação fiscal e enfoque bastante negativo à Schincariol. A outra, em 13 de dezembro de 2004, portanto antes da gravação da PF, a respeito do estudo da Trevisan.
Para Falcão, o diálogo entre Luiz Lara e Adriano Schincariol lhe soou como o de um publicitário contando vantagens para o seu cliente. ‘Lara quis mostrar um poder que ele não tem.’
A Schincariol também anuncia na Editora Globo. Segundo Luiz Lara, no ano passado, a segunda fabricante de cervejas do país fechou um contrato de R$ 750 mil líquidos para diversos projetos de publicidade.
A agência Lew, Lara, que presta serviços à Folha, é a segunda maior do Brasil em investimentos. Ela é também uma das três agências detentoras da conta de publicidade institucional da Presidência da República, cuja verba anual é de R$ 150 milhões. As outras duas agências são a Duda Mendonça (do publicitário homônimo, que fez a campanha presidencial de Lula em 2002) e a Matisse.’
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‘Lara admite erro; editoras negam venda de matéria’, copyright Folha de S. Paulo, 18/06/05
‘O publicitário Luiz Lara, da Lew, Lara, afirmou à Folha que foi uma ‘irresponsabilidade’ sua ter dito a Adriano Schincariol, na gravação telefônica da Polícia Federal, que poderia comprar uma reportagem de capa da ‘IstoÉ Dinheiro’.
Em comunicado enviado ontem à imprensa, ele diz: ‘Durante a conversa com Adriano Schincariol, reconheço que me excedi inadvertidamente, pois uma agência de publicidade não tem a função nem o poder de interferir no conteúdo editorial dos veículos de comunicação’. Ele afirma que o diálogo ‘tratou exclusivamente da elaboração de um plano de mídia absolutamente técnico, identificado pela agência em veículos da Editora Três’.
Segundo o publicitário, ‘as negociações de espaços publicitários para a cervejaria se traduziriam em compra antecipada de anúncios com descontos, o que normalmente garante aos clientes melhores condições de preços’.
O dono da Editora Três, Domingo Alzugaray, também encaminhou a seguinte nota à Folha: ‘Não conhecemos o teor da fita da Polícia Federal, mas salientamos enfaticamente que as capas e o texto editorial de nossas publicações não estão à venda. Sugiro procurar o publicitário Luiz Lara para esclarecer o assunto. Schincariol anuncia nas nossas revistas assim como em todos os outros grandes veículos do país’.
Ontem, a Editora Três encaminhou o seguinte comunicado: ‘Praticamente todas as grandes empresas brasileiras fazem habitualmente compras de publicidade, no atacado, com pagamento antecipado em quase todos os grandes veículos. A própria Schincariol, por exemplo, fez compra antecipada na Editora Três e na Editora Globo’. A Editora Três afirma, ainda, que ‘aperto de caixa no fim do ano, com pagamento de 13º salário, etc., não é privilégio das empresas de comunicação. Praticamente o país inteiro fica com o caixa apertado no fim do ano’.
Sobre a reportagem publicada, diz: ‘Schincariol foi capa da revista ‘Dinheiro’ por méritos próprios: praticamente dobrou suas vendas em um ano’.’
O Estado de S. Paulo
‘Publicitário se desculpa por negociação gravada’, copyright O Estado de S. Paulo, 18/06/05
‘Em comunicado divulgado ontem, o publicitário Luiz Lara, da agência Lew, Lara, lamentou a notícia veiculada sobre a gravação de uma conversa entre ele e o diretor-superintendente da Schincariol, Adriano Schincariol, preso quarta-feira pela Polícia Federal, acusado de sonegação fiscal.
A notícia, publicada pelo jornal Valor Econômico, transcreve trecho de um diálogo gravado pela PF em que o publicitário parece sugerir a Adriano Schincariol a compra de matérias nas revistas IstoÉ e Época para ‘blindar’ a cervejaria. Na gravação, ele fala sobre problemas de caixa da Editora Três, que edita IstoÉ, e diz que, se a empresa pagasse a Domingo Alzugaray, diretor da Editora Três, a revista faria o que ele quisesse.
No começo de 2004, a IstoÉ Dinheiro publicou matéria sobre a tributação de cervejarias e, logo depois, reportagem de capa sobre ‘A Virada da Schin’. Em nota divulgada ontem, Alzugaray nega que a revista venda matérias. Também o diretor de Época, Aluizio Falcão, negou que sua revista negocie reportagens. Em dezembro de 2003, Época publicou matéria sobre a briga entre a Schin e a AmBev e em dezembro de 2004 sobre a questão fiscal de cervejarias.
No comunicado, Lara lamenta que ‘um único diálogo, que se tornou público, pinçado do contexto de uma ampla negociação puramente publicitária tenha criado uma péssima percepção. Peço desculpas pelo que chamo de um terrível incidente e reitero a atitude ética e institucional de toda a equipe da agência’.
Lara diz que o diálogo telefônico entre ele e Adriano Schincariol, ‘tratou, exclusivamente, da elaboração de um plano de mídia absolutamente técnico, identificado pela agência em veículos da Editora Três’.
Segundo Lara, as negociações de espaços publicitários para a cervejaria se referiam à compra antecipada de anúncios com descontos, o que normalmente garante aos clientes melhores condições de preço. ‘Durante a conversa reconheço que me excedi inadvertidamente, pois uma agência de publicidade não tem a função e nem o poder de interferir no conteúdo editorial dos veículos de comunicação’, afirma.’