Ewerthon Tobace é um jornalista brasileiro que vive no Japão há mais de duas décadas. Descendente de pais japoneses, ele nasceu, viveu e estudou no Brasil, tendo se formado em jornalismo na Universidade de Mogi das Cruzes (UMC), em São Paulo. Após se formar, viveu em cidades como Suzano e Curitiba, onde escreveu para jornais regionais e nacionais.
Atualmente morando em Tóquio, ele colabora com veículos brasileiros e latino-americanos, cria conteúdo para seu próprio site e, junto com a jornalista Sonia Nakagawa, é responsável pelo programa de rádio Ponto de Encontro, no NHK World Japan. Além disso, trabalha como produtor sênior da emissora brasileira Record.
Tobace é o autor, entre outros, do livro 1991: a História da Mídia Brasileira no Japão, publicado em 2018 como parte das comemorações dos 110 anos de imigração japonesa para o Brasil. O projeto da obra foi patrocinado pelo Grupo Folha, como parte do programa Folha Memória. Em novembro de 2022, recebeu o prêmio The Best Journalist Award 2022, em reconhecimento pelo trabalho em prol dos brasileiros que vivem no Japão. Saiba mais na entrevista a seguir.
Enio Moraes Júnior – “No ranking dos limites à liberdade de imprensa, a Coreia do Norte ainda é seguida de perto pela China, que não pára de aperfeiçoar seu sistema de hipercontrole de informação e perseguição aos jornalistas e blogueiros dissidentes” (tradução nossa). Fazer jornalismo é hoje bastante difícil em muitos países asiáticos – especialmente nos países da Ásia-Pacífico – de acordo com o ranking do Repórteres sem Fronteiras. E no Japão, como você avalia a questão da liberdade de imprensa?
Ewerthon Tobace – Há pouco ou nenhum espaço para o verdadeiro jornalismo investigativo nos dias de hoje. Isso acontece no mundo todo, mas no Japão esta questão é digna de uma pesquisa de pós-graduação, e imagino até que já existam estudos. O que vemos é um controle e uma manipulação da mídia, talvez de uma forma mais intensa do que no Brasil, por exemplo. Há alguns anos, o Conselho de Direitos Humanos da ONU divulgou um relatório especial sobre a liberdade de expressão no Japão, no qual alertou que o governo japonês estava pressionando a mídia e recomendou que as leis fossem revisadas para garantir a independência. O governo, naturalmente, expressou insatisfação com o relatório, dizendo que existem erros na análise das informações sobre a realidade japonesa e que seu conteúdo deveria ser revisto.
O grande problema no Japão é a existência do que eles chamam de press clubs (clubes de imprensa). Todas as agências governamentais e algumas empresas privadas participam desses grupos, que objetivam ajudar a imprensa em seu trabalho. Mas, na verdade, eles funcionam como um filtro para o que é publicado e somente aqueles que pagam anuidade (ou mensalidade) podem ter acesso à informação. O que acontece é que apenas as grandes empresas jornalísticas pagam e, portanto, têm acesso privilegiado a dados que, de fato, já passaram pelo filtro do governo ou da empresa. Quase não há reportagens, e vemos poucos artigos criticando o governo, por exemplo.
EMJ – O que diz o jornalismo japonês sobre a vida cotidiana do país? Quais são os problemas mais relevantes e quais tópicos são agendados com mais frequência?
ETo – Os japoneses têm um nível de educação muito alto. Eles lêem muito. Quando eu cheguei aqui, há pouco mais de 20 anos, era muito comum entrar em um trem pela manhã e ver pessoas lendo jornais. Isto ainda acontece, mas com o uso de smartphones e tablets. Economia, política e sociedade são os tópicos mais explorados pela imprensa. Atualmente, a baixa popularidade do Primeiro-Ministro, os escândalos envolvendo a Igreja da Unificação (que ganhou repercussão por causa do assassinato do ex-Primeiro Ministro, Shinzo Abe), a guerra na Ucrânia e a pandemia da Covid-19 são os temas que dominam o noticiário nacional.
EMJ – As mídias sociais mudaram a maneira como as notícias são produzidas no mundo todo. Quais são os aspectos positivos e negativos desse fato no Japão?
ETo – A grande mudança no jornalismo no final dos anos 90, quando me formei, em comparação com os dias atuais, foi o surgimento das mídias sociais. O lado positivo é que as notícias – os fatos mais importantes e os acontecimentos locais – chegam às pessoas muito mais rapidamente. Isto também acontece no Japão. Até a minha adolescência, o jornal impresso tinha um poder muito grande. Era através dele que podíamos ter mais detalhes de uma notícia que tinha sido veiculada no noticiário da televisão na noite anterior, por exemplo. Podia haver manipulação da informação? Sim, definitivamente. Mas tínhamos um jornalismo muito mais sério como personagem central da vida cotidiana. Com o desenvolvimento da internet e das mídias sociais, tornou-se muito mais fácil e rápido divulgar informações. O lado negativo é que qualquer pessoa assume o papel do jornalista. Como resultado, o mercado da informação perdeu status e, consequentemente, dinheiro. Tornou-se muito mais difícil lucrar com o jornalismo. É por isso que vemos, ano após ano, grandes empresas fecharem suas revistas e jornais e dispensarem dezenas de profissionais.
O conteúdo criado para essas mídias é frequentemente feito por pessoas sem a mínima experiência em jornalismo. Muitos o fazem de forma profissional e ética, mas uma grande parte não sabe como lidar corretamente com a informação. Em muitos casos, as notícias veiculadas por essas mídias não são verificadas como deveriam, não há preocupação com a ética, há um excesso de subjetividade e um “julgamento” público dos personagens envolvidos nos relatos. O jornalismo entrou num caminho sem retorno e, se nada for feito pelas grandes corporações, a produção midiática ficará caótica.
Um exemplo dessa “manipulação” negativa foi o tweet de um funcionário de uma fábrica de papel no Japão, durante o início da pandemia da Covid-19. Ele disse que haveria escassez de papel higiênico e de lenços de papel devido à falta de matéria-prima importada da China. O post viralizou e o papel higiênico desapareceu das prateleiras das farmácias e dos supermercados. O interessante é que o rumor foi espalhado pelo mundo e o fenômeno do desaparecimento do papel higiênico foi registrado em vários países. Conclusão: o funcionário foi obrigado a pedir desculpas publicamente e perdeu seu emprego.
EMJ – Quando falamos de jornalismo regional e local, nos referimos às particularidades das comunidades locais. Você cobriu o terremoto e o tsunami de Tohoku em 2011, na costa nordeste do Japão, com mais de 16 mil mortes. Este evento repercute de alguma forma no jornalismo local de hoje? Que outros temas surgem com mais frequência nas comunidades japonesas?
ETo – O terremoto seguido do tsunami e da crise nuclear em Fukushima marcaram a história do Japão. Esses temas ainda recebem muita cobertura nas notícias locais e levará algum tempo para que a ferida cicatrize totalmente. Mas, é claro, estes fatos nunca serão esquecidos, assim como os bombardeios de Hiroshima e Nagasaki durante a Segunda Guerra Mundial. A parte positiva é que os japoneses aprendem muito com as tragédias. Hoje, sabe-se mais sobre o poder destrutivo de um tsunami e sobre usinas de energia nuclear. O Japão também começou a investir mais em energia limpa e criou sistemas mais rápidos para disseminar informações para a população e ajudar os deslocados.
Um detalhe interessante da cultura midiática japonesa é a importância dada aos aspectos regionais, seja turismo, gastronomia, idioma ou sociedade local. Isto é amplamente explorado, ao longo do ano, pelos veículos regionais e nacionais. É uma forma de promover as regiões e aumentar o turismo e o comércio local.
EMJ – Em 2014, você escreveu uma matéria afirmando que o Brasil estava na moda no Japão, destacando, por um lado, a alegria e, por outro, a fama dos brasileiros como violentos, atribuídos a eles pela mídia japonesa. Qual é a imagem do Brasil no Japão hoje?
ETo – Durante alguns anos, dei aulas de português para japoneses apaixonados pelo Brasil. Muitos deles gostam de samba, futebol, gastronomia, bossa nova e outros aspectos culturais do nosso país. A TV e os jornais japoneses sempre exploram estes aspectos, que de certa forma são positivos, apesar de serem estereotipados. Mas há também uma grande comunidade brasileira vivendo no arquipélago, o que ajuda a construir esta imagem. Em mais de três décadas de presença brasileira, tivemos altos e baixos, principalmente por causa dos elevados índices de criminalidade, por exemplo, envolvendo nosso povo, sobretudo na década de 90. A maioria dos crimes estava relacionada ao roubo de carros e ao uso de entorpecentes. E nos anos 2000 houve casos que ganharam repercussão nacional, como os homicídios em que os acusados eram brasileiros que fugiam para o Brasil. Recentemente, tivemos outro crime hediondo. Em agosto de 2022, um jovem foi acusado de ter matado sua esposa e filha, e fugir para o Paraná. Infelizmente, este tipo de notícia acaba refletindo sobre a imagem dos brasileiros. Mas colocando tudo isso em uma balança, eu diria que ainda somos vistos pelos japoneses como um povo alegre, receptivo e caloroso.
EMJ – Você tem um programa na rádio japonesa NHK, Ponto de Encontro. Quais são os temas mais frequentes? Qual é o retorno do público?
ETo – O rádio é um dos veículos mais antigos daqui que teve que se reinventar após o surgimento da TV e, mais tarde, da internet. Agora, com os smartphones e as mídias sociais, o rádio ganhou impulso. Hoje, é possível ouvir programas sob demanda, como podcasts. Temos muito mais interatividade e, além disso, o rádio é a única forma “segura” de obter informações enquanto dirigimos um carro, por exemplo. No Japão, um país suscetível a terremotos, é somente através dele que temos informações em um momento de catástrofe, já que a eletricidade normalmente desaparece. Todos aqui têm um rádio, ou deveriam ter. O governo sempre orienta que as pessoas possuam um “kit terremoto” à mão, no qual um dos itens sugeridos é um rádio operado a pilhas.
No Ponto de Encontro da NHK World Japan, nós somos a ponte entre os ouvintes e a emissora. Recebemos cartas de pessoas de todo o mundo. Basicamente, lemos comentários, respondemos perguntas e apresentamos um lugar ou um aspecto da cultura japonesa aos nossos ouvintes. O programa que apresento com Sonia Nakagawa é um dos mais populares no serviço de língua portuguesa da NHK e estamos muito orgulhosos de fazer isso semanalmente. Infelizmente, este ano, a estação parou de transmitir via onda curta para a América. Por conta disso, creio que perdemos alguns ouvintes cativos. Agora, para acessar o programa, tem que ser por meio de um aplicativo ou no website da estação. A vantagem é que ele funciona como um podcast e você escuta em qualquer lugar e quando quiser.
EMJ – O que você aprendeu em sua formação como jornalista na Universidade de Mogi das Cruzes, no Brasil, há mais de 20 anos, está muito longe do modelo de jornalismo que você encontra hoje no Japão? Como você imagina o futuro de nossa profissão no país?
ETo – Infelizmente, acho que pouco tem sido dito sobre o futuro do jornalismo. Seja no Brasil, no Japão ou em qualquer lugar do mundo. É necessário discutir mais sobre como fazer um jornalismo ético em tempos de “notícias falsas” e de polarização política. Estamos vendo o jornalismo na UTI, recebendo cuidados paliativos, e não há grandes iniciativas para tentar reverter a situação. A mídia está sendo usada indiscriminadamente (e sem pudor) pelas empresas e pelo governo para divulgar seus interesses. As palavras são poderosas e podem mudar toda uma sociedade, mas as pessoas não perceberam que isto também pode causar danos.
O jornalismo está em fase de mudança, e é necessário ter cuidado para não perder a essência. O jornalismo de qualidade e investigativo é caro: leva-se tempo para trabalhar em uma informação, e às vezes isso envolve muitos profissionais. As redações, cada vez mais enxutas, não têm tempo nem dinheiro para investir em reportagens. No entanto, a luz no fundo do túnel são as startups e as organizações que financiam projetos de jornalismo investigativo.
Esta entrevista faz parte da série “Jornalismo no Mundo”, uma iniciativa do pesquisador e jornalista Enio Moraes Júnior, juntamente com o Alterjor – Grupo de Estudos de Jornalismo Popular e Alternativo da Universidade de São Paulo. As entrevistas são originalmente publicadas em inglês no Medium.
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Enio Moraes Júnior é jornalista e professor brasileiro. Doutor em Ciências da Comunicação pela Escola de Comunicações e Artes (ECA) da Universidade de São Paulo (Brasil), vive em Berlim desde 2017. Acesse o portfólio do autor: Enio OnLine.