Saturday, 21 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Jornalistas escrevem livro com histórias curiosas sobre as primeiras-damas do Brasil

(Foto – Reprodução – Capa do livro Todas as Mulheres dos Presidentes)


Há uma infinidade de biografias, perfis, ensaios e trabalhos acadêmicos sobre os presidentes do Brasil. Em 130 anos de República, porém, pouco se pesquisou sobre as primeiras-damas. O livro Todas as mulheres dos presidentes joga luz sobre o assunto, revela a presença decisiva de muitas delas nos rumos do país e apresenta um retrato da República a partir de uma perspectiva inédita.
Os autores são Ciça Guedes e Murilo Fiuza de Melo, jornalistas com passagens por algumas das principais redações do país. Apaixonados pela história do Brasil e por pesquisa, eles consultaram centenas de livros e reportagens desde o fim do século XIX, vasculharam documentos e cruzaram informações para reconstruir a trajetória das primeiras-damas.
Nesta entrevista, os autores falam sobre o livro, que reúne perfis das primeiras-damas do país a partir de Mariana, mulher de Deodoro da Fonseca, até Michelle Bolsonaro.
Quando se olha para a representação política das mulheres no Brasil, fica claro que há muito a avançar. Tivemos, na história da República, apenas uma presidenta e, ainda assim, ela não cumpriu o mandato. Qual a representação desse lugar simbólico da primeira-dama na história da República?
Um dos pontos que mais nos chamou a atenção foi o quase absoluto silêncio da historiografia em relação a essas mulheres. Uma imagem muito simbólica, e que resume esse desprezo, está no quadro do espanhol Gustavo Hastoy, atualmente exposto no Museu do Senado, em Brasília. A obra retrata o marechal Deodoro da Fonseca em uma mesa, rodeado por seus ministros, recebendo da mão do sobrinho Hermes da Fonseca a caneta usada para assinar o projeto de lei da primeira Constituição republicana, de 1891. É possível identificar todas as dezenove pessoas da imagem, menos uma: Mariana Cecília de Sousa Meireles, mulher de Deodoro. Ela é a única personagem que está de costas para aqueles que veem o quadro. É impossível ver seu rosto. Até hoje, só existe uma imagem conhecida – em preto e branco – da pioneira mulher a ocupar o cargo de primeira-dama. Mariana está enterrada no mausoléu erguido em homenagem a seu marido, no Rio de Janeiro, mas não há uma única identificação de que ali também estão seus restos mortais. A história de Mariana é a síntese das mulheres que ocuparam o cargo de primeira-dama em 130 anos de República. Com raras exceções, elas passaram à História como meras citações nas biografias dos maridos.
Se compararmos, então, com o regime derrubado pelos republicanos, o contraste é ainda mais brutal. Nos estertores da monarquia, uma mulher se sobressaiu: a princesa Isabel. Ela era ridicularizada pelos jornais republicanos, que a viam como carola e sem apetite para a política. No entanto, das três vezes em que liderou o país, como princesa regente, em duas ela ousou: assinou a Lei do Ventre Livre, em 28 de setembro de 1871, e a Lei Áurea, em 13 de maio de 1888. Perdeu a coroa por bater de frente com os conservadores, liderados pelos cafeicultores paulistas, mas seu rosto foi fartamente retratado por fotógrafos como Marc Ferrez, Alberto Henschel e Augusto Stahl.
O livro mostra que algumas dessas mulheres que ocuparam os palácios presidenciais não ultrapassaram o domínio do lar, mas outras romperam com esse papel e, sim, podemos dizer que ajudaram na construção política e social do país, para o bem ou para o mal.
A pesquisa revela que são raros os casos de autonomia das primeiras-damas. Só três fizeram curso superior e apenas Ruth Cardoso teve uma carreira independente. O papel social legado a elas é, de fato, o de “belas, recatadas e do lar”, como ficou conhecida a esposa do presidente Temer, Marcela?
Tivemos, sim, algumas mulheres que foram “do lar”, até por conta do rígido código de costumes da sociedade em que viveram. Outras primeiras-damas, porém, enfrentaram preconceitos e apoiaram bandeiras avançadas. Hermes da Fonseca, que governou o Brasil entre 1910 e 1914, por exemplo, entrou para a História como um presidente azarado e autoritário. Tinha fama também de ser desprovido de inteligência. Em que pesem os adjetivos, foi casado com duas mulheres brilhantes, que se sucederam no cargo de primeira-dama: Orsina Francione da Fonseca e Nair de Teffé. Orsina apoiou o nascente movimento feminino e a luta das mulheres. Nair era caricaturista e abriu o Palácio do Catete para o maxixe de Chiquinha Gonzaga, algo como o funk atual, chocando políticos como o jurista Rui Barbosa, que a atacou da tribuna do Senado.
Nilo Peçanha, nosso primeiro – e, até agora, único – presidente negro, que assumiu o comando da República em 1909, exatos 100 anos antes de Barack Obama nos EUA, chegou lá muito por conta da ação de sua mulher, Anita. Filha, neta e bisneta de nobres de Campos, ela sofreu por ter se apaixonado por um negro, ainda que fosse um político de destaque. A mãe de Anita, Raquel, não foi ao casamento, em 1895, e não se reaproximou da filha até morrer.
Vale também lembrar de Darcy, mulher de Getúlio Vargas, que fez com que a atuação da primeira-dama fosse além da mera posição de mulher do chefe da nação e anfitriã dos palácios. Ela criou e apoiou uma série de projetos e entidades de ajuda à população mais carente, como a Casa do Pequeno Jornaleiro e a Legião Brasileira de Assistência (LBA). Com Darcy, a assistência social passou a ser uma função do Estado. Antes, esse papel cabia a entidades filantrópicas, como as Santas Casas. A partir dali, as primeiras-damas passaram a ser vistas como as responsáveis pela política social dentro do governo dos maridos nos municípios, nos estados e na União. Somente em 1993, com a regulamentação da Lei Orgânica da Assistência Social (Loas), prevista na Constituição de 1988, foi que a assistência social tornou-se uma política pública, deixando de ser – pelo menos na letra da lei – um apêndice à mercê dos interesses do chefe do Executivo. O papel de primeira-dama e da própria assistência social só seria reescrito pela antropóloga Ruth Cardoso, que pôs fim à LBA e criou, de fato, políticas públicas voltadas para a segurança alimentar e a alfabetização de jovens e adultos. Hoje, vivemos um retrocesso nessa área e a primeira-dama voltou a ter papel de mera coordenadora de projetos assistencialistas.
É possível apontar alguns exemplos de reviravoltas políticas envolvendo as primeiras-damas?
Sem dúvida, a gestão de Rosane Malta, então Rosane Collor, à frente da LBA, com as denúncias de corrupção se acumulando dia a dia, contribuiu para criar o clima que acabou levando ao impeachment de Fernando Collor. Mas tivemos também a atuação de Ruth Cardoso com o Comunidade Solidária, que representou uma reviravolta na questão do assistencialismo, contribuindo efetivamente para o movimento que resultou na diminuição da desigualdade em nosso país. E essa reviravolta comandada por Ruth começou com a extinção da LBA.
É interessante notar que uma amante mudou o destino da nação. Hoje, podemos, dizer que a República nasceu de uma dor de cotovelo. Deodoro da Fonseca era um homem extremamente vaidoso e foi durante toda a vida, até mesmo na hora de sua morte, um conquistador, louco por um rabo de saia. Mariana, claro, sabia das traições do marido, mas fazia vista grossa. E foi um amor não correspondido a fagulha que o levou a proclamar a República: Maria Adelaide Andrade Neves, a baronesa do Triunfo, uma bela gaúcha que se tornou um de seus casos mais famosos. O marechal ficou possesso quando soube que Dom Pedro II nomeara o senador Silveira Martins para chefiar o gabinete deposto por ele na manhã do dia 15 de novembro de 1889. Anos antes, Deodoro havia perdido a disputa pelo coração da bela baronesa para o senador e nunca o perdoou por isso. Tornaram-se inimigos políticos. Mesmo sabendo que o imperador voltara atrás na nomeação de Silveira Martins, o marechal, que era monarquista, levou à frente o projeto republicano.
Podemos dizer, no entanto, que muitas decisões presidenciais foram tomadas por influência das primeiras-damas. Mariana convenceu Deodoro a revogar a pena de deportação que pesava contra três oposicionistas. Paulo Maluf deve o seu primeiro cargo público a Yolanda, que pediu a Costa e Silva que o nomeasse presidente da Caixa; e Silvio Santos só conseguiu a concessão de TV graças ao apoio de Dulce Figueiredo. Santinha, esposa de Dutra, também teve papel decisivo na proibição dos cassinos no país.
Todas as mulheres dos presidentes – A história pouco conhecida das primeiras-damas desde o início da República
Editora: Máquina de Livros
Autores: Ciça Guedes e Murilo Fiuza de Melo
Preço: R$ 54,90 (impresso) e R$ 29,90 (e-book)
Páginas: 336