Autor de extensa produção bibliográfica para os cursos de graduação e pós no campo do jornalismo no Brasil, o professor Nilson Lage, de 79 anos, aposentado pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e que iniciou a carreira em redação em 1955 e na academia em 1971, entende as atuais mudanças estruturais da profissão como um processo complexo e antigo. Para ele, a decadência das empresas começou a ser denotada na década de 50 e depois durante o regime militar. “Um sintoma foi a monopolização do negócio.” Em entrevista a professores e estudantes de Jornalismo em Brasília, Lage atacou a hegemonia e organização das empresas, o excesso de colunistas de “gabinete” e ainda apontou caminhos para as novas gerações de profissionais. “As mídias sociais e o jornalismo setorial pode ser um caminho profissional.” Além disso, recomendou a estudantes personalidade e ética no trabalho. “Não se pode deixar manobrar.” Seguem trechos da conversa.
O senhor já defendeu a reportagem, incluindo a contextualização e o aprofundamento, como uma necessidade para as empresas e para a opinião pública. Essa não pode ser a saída para o atual momento?
Nilson Lage – Sim, mas veja bem… O problema para a produção da reportagem é a decadência tecnológica, da qual a monopolização das empresas pode ser compreendida como um sintoma. Estamos em um momento de decadência. O New York Times, que é o maior jornal do mundo, vive hoje com orçamento apertado. Está difícil competir. Enquanto um tem que ter prédio, papel, distribuição, para o outro basta computador e o conteúdo disponibilizado de graça. Por mais qualidade que se tenha, é difícil, embora existam setores de resistência e ações criativas. Essa revolução é bastante interessante. Devemos viver esse momento histórico.
Jornal publica o que acha conveniente
Qual é a saída para as empresas?
N.L. – Difícil garantir o que seria a saída definitiva. Não há soluções imediatistas. Devemos pensar no processo global. Uma saída parcial seria alterar esse modelo de concentração das empresas no Brasil. Essa imprensa que existia no país foi destruída na década de 1950, depois no regime militar. Existiam instalações gigantescas. Até a Rádio Nacional, na década de 60, que deveria ser um veículo a atravessar as longas distâncias na Amazônia, o processo não foi à frente como deveria ser. Aí deram ao (Assis) Chateaubriand condições para montar no Brasil equipamentos para a televisão na década de 1950. Chatô entrou em decadência nos anos 60 e, depois, Roberto Marinho implantou a sua TV baseada no grotesco, com programas de auditório. Uma estratégia acertada foi a Globo se aliar às oligarquias regionais, o que tornou esse império muito forte. É nesse contexto que empresas como essas sobrevivem, mas precisamos refletir se o que foi feito até aqui tem beneficiado o cidadão.
E como o senhor vê esse atual momento?
N.L. – A verdade é que as empresas sempre tiveram medo do contraditório porque podem perder anunciantes. Dá-se repercussão para o que interessa apenas. Há muita informação sem pé nem cabeça. Criou-se na mídia essa ideia de antagonismo, por exemplo. No comunismo chinês é que o capitalismo ganhou maior força. Pergunte a empresários se não estão insatisfeitos com esse comunismo. Devemos pensar que os Estados Unidos estão insatisfeitos com essa aproximação do Brasil com a China e com a Rússia. A imprensa poderia ajudar a construir uma consciência e questionar mais essas afirmações.
No Brasil ainda há uma clara dependência da fonte oficial…
N.L. – O fato é que se atribui à fonte oficial uma credibilidade que, às vezes, não se tem. Os jornalistas se apoiam ainda no que está publicado, no que foi anunciado por alguém eleito ou nomeado, e, por isso, em tese, com alguma credibilidade. No caso do Ministério Público, por exemplo, cada procurador é um estado que fala por ele mesmo. Jornal publica o que acha conveniente. Tem procurador que se mobiliza apenas pela fé própria. Algumas ações bem positivas, outras negativas.
É possível fazer um trabalho digno
N.L. – O senhor considera irresponsável a grande imprensa?
A grande imprensa é bastante responsável, em geral, em relação a quem a financia. Conheço grandes profissionais, ótimos jornalistas, honestíssimos. Mesmo nos nossos tempos, o problema é a hegemonia desses poucos veículos. Isso ocorre porque estão na linha de frente também pessoas que têm crenças radicais e que não apuram nada. Fazem jornalismo de gabinete. Há um excesso de colunistas com posições dominantes e que interessam nesse momento. Vejam o caso desse Reinaldo Azevedo (revista Veja e rádio Jovem Pan) que homenageia pessoas como o (conservador) Olavo de Carvalho. São discursos que interessam e a imprensa entra nesse jogo. O público precisa prestar atenção ao fato que são discursos que atendem a interesses americanos. O Brasil é uma colônia e sempre foi. Agora, pela primeira vez, os EUA estão ameaçados em seu quintal. O Brasil passou a fazer alianças com outros países, a comprar equipamentos de defesa da Rússia. Eles ficaram preocupados porque vivemos nos últimos anos uma tentativa de levantar um leão domado. Há hoje uma desconstrução, por exemplo, do conceito de pátria em nossos jovens. Mas devemos pensar que a pátria que nos dá o diploma e os direitos de cidadania.
As mídias sociais podem ser um caminho de consciência, mas o que vemos hoje é acirramento e intolerância…
N.L. – A mídia social não é espaço adequado para a discussão. No começo, eu usava mais o Twitter e aí me xingavam. Depois, no Facebook, posso escrever mais. Escrevo lá para pessoas que podem entender ou refutar o que penso dentro da lógica em que vivo. Podemos pensar que esse movimento também é interessante quando as empresas pensam em privilegiar as interações do público pelo celular: assim as pessoas podem escrever menor. Entendo que é um momento. Um jovem vai para o celular, escreve um monte de bobagens, mas um dia podem pensar mais e termos cidadãos mais ativos.
Para quem está começando ou se reciclando na profissão, qual o caminho?
N.L. – Na medida da questão de sobrevivência, acho que existem ótimos caminhos pelas mídias sociais. Existem também experiências importantíssimas com financiamentos diferentes, como o crowdfunding (doações através de campanhas pela internet). Há possibilidades de veículos atraírem comércios de bairro. Podemos fazer jornalismo de forma decente e setorial. Vivi algumas épocas da minha vida com jornalismo especializado em saúde e também espacial. É possível ter um trabalho digno. O importante é não perder a consciência do geral. É importante não se deixar manobrar nem se dirigir por interesses estranhos.
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Luiz Claudio Ferreira é professor de Jornalismo