As mudanças sociais criam a necessidade de uma busca constante de aperfeiçoamento no campo da crítica de mídia que caracteriza o Observatório da Imprensa desde o seu surgimento, na segunda metade da década de 1990, por iniciativa de Alberto Dines em parceria com o então reitor da Unicamp, Carlos Vogt. De lá para cá, as transformações na forma de produzir, distribuir e analisar conteúdos midiáticos foram exponenciais. E se o jornalismo, idealmente, é o espaço de mediação do debate público, novos temas e demandas precisam ser incorporados à cobertura.
Inauguramos assim, a partir desta edição, duas novas editorias no Observatório da Imprensa que dizem respeito a questões incontornáveis para a busca de uma sociedade mais justa, equilibrada e cidadã no Brasil. Equidade racial e sistemas alimentares são os temas delas.
A discussão sobre a relação entre jornalismo e equidade racial na sociedade brasileira diz respeito à busca de diversidade nas abordagens, pautas e narrativas do jornalismo brasileiro, mas também na representatividade dos espaços institucionais. Acreditamos que a emergência do debate sobre o lugar de fala – que não pode ser visto como impedimento em falar no lugar do outro, mas como legitimidade de quem ocupa a posição discursiva de enunciador – torna necessária a transformação das redações e outros espaços institucionais de mídia. O tema da equidade racial diz respeito, assim, tanto a quem é dada a voz quanto a temática e abordagens.
O segundo tema são os sistemas alimentares, que tratam de todos os processos relacionados à alimentação – produção, processamento, distribuição, preparação e consumo. A busca de um sistema alimentar saudável, justo e sustentável tem impacto na qualidade de vida e na saúde da população. Os sistemas alimentares são também produtores de cultura e de valor.
Nesse sentido, temas como a restrição ao uso e consumo de agrotóxicos, os alimentos ultraprocessados e a ampliação de alimentos de base agroecológica são vitais para a busca de uma sociedade mais saudável. Nem sempre esses assuntos são tratados de forma crítica e informativa pelo jornalismo. Nosso foco editorial buscará chamar a atenção para a forma como a mídia trata a questão dos sistemas alimentares. Do ponto de vista econômico, grande parte das pautas está focada na pujança e importância do agronegócio, sem discutir o uso indiscriminado de agrotóxicos. Nas abordagens comportamentais, o foco são as dietas para redução de peso, com pouco espaço para matérias informativas sobre aspectos nutricionais e valorização das culturas culinárias tradicionais. Atualmente, 25% das calorias consumidas pelos brasileiros são provenientes de alimentos ultraprocessado. Entre a profusão de concursos culinários e coberturas de teor econômico sobre o agronegócio, há lacunas a serem preenchidas.
Assim, a crítica de mídia se faz tanto pela forma de abordagem quanto pela ausência de pautas ou temas de interesse da população. Alberto Dines dizia que observar e criticar é também interferir. Buscamos um diálogo construtivo e horizontal com colaboradores que se identificam com as duas temáticas propostas.
Em todas as edições do Observatório, dedicaremos espaço para as novas editorias, seja na forma de artigos, análises ou curadoria contextualizada desses assuntos na mídia. Esses novos espaços se fazem sem prejuízo da cobertura tradicional do Observatório da Imprensa, atenta às relações entre jornalismo e poder na sociedade contemporânea, atuando tanto de forma a defender as boas práticas da profissão quanto sendo capaz de apontar as falhas nas diferentes coberturas. O Observatório da Imprensa busca ser cada vez mais um fórum participativo que se torna tanto mais interessante quanto mais diversidade e pluralidade tiver em suas discussões. Essa é a principal intenção com as duas novas editorias.