Nessa altura do campeonato, a grande maioria de nós já conhece — e até encontra-se saturado — o termo fake news. Porém, será que conhecê-lo profundamente nos garante as ferramentas necessárias para identificar sua ocorrência?
As fake news — que nada mais são do que notícias falsas — caíram na boca do povo brasileiro durante o ano de 2018, principalmente conforme as eleições se aproximavam. No entanto, o conceito já está nos holofotes internacionais há alguns anos, mais especificamente desde o início da campanha de Donald Trump para a presidência dos Estados Unidos.
É interessante analisar que as notícias falsas não ocorreram de forma orgânica, nem nos EUA, nem no Brasil, mas sim foram resultado de uma estratégia política orquestrada com a finalidade de beneficiar algo/alguém. Inclusive, de acordo com a pesquisadora da Digital Harvard Kennedy School, Yasodara Córdova, o conceito de fake news nasceu justamente como forma de desacreditar a imprensa nos Estados Unidos em meio à campanha eleitoral que culminou na vitória de Trump. Além disso, seu efeito foi potencializado especialmente por conta do público consumidor das informações: uma sociedade/eleitorado extremamente polarizado.
O aposentado José Carlos Garcia, de 68 anos, afirmou que sua desafeição com Fernando Haddad, concorrente de Jair Bolsonaro nas eleições do ano passado, aumentou após receber dezenas de mensagens apontando que o candidato do PT pretendia legalizar a pedofilia. “Eu achei um absurdo, mas não duvidei de cara, porque eles mandam e desmandam coisas terríveis para a população”, comentou. José, mesmo tendo votado em Bolsonaro, admite que foi apenas após conversar com seu filho sobre a notícia que forçou-se a checar e assim verificou que, de fato, aquela era uma informação falsa, porém a aversão ao Partido dos Trabalhadores tornou-o mais suscetível a crer nessa inverdade.
Para compreender as raízes e a magnitude do fato, é necessário levar em consideração que, com o advento da internet, a velocidade de dissipação de informações foi infinitas vezes aumentada. Além disso, também há a universalização da web, que disponibiliza espaços como blogs e perfis em diversas plataformas para que as pessoas divulguem suas visões e crenças, sem necessariamente seguir algum embasamento teórico. Somado a isso tudo — e quase que como cereja do bolo — entra o WhatsApp, o principal meio de dissipação de notícias falsas durante as eleições brasileiras, que, por ser um meio criptografado, garante que apenas os usuários envolvidos na conversa tenham acesso às mensagens, ou seja, não é possível saber a origem das informações falsas que podem ser encaminhadas diversas vezes.
A pós-verdade
Além dos fatores que facilitam a propagação de notícias falsas, uma outra variável torna esse advento tão forte: as fake news têm grande semelhança com a notícia e, por virem em sua grande maioria no formato jornalístico, as chances de serem refutadas pela sociedade são reduzidas. Para entender seu sucesso, também deve ser levado em consideração o conceito da “pós-verdade”.
Pós-verdade foi eleita a palavra do ano em 2016 pelo Dicionário Oxford e, de acordo com o mesmo, significa “um substantivo que se relaciona ou denota circunstâncias nas quais fatos objetivos têm menos influência em moldar a opinião pública do que apelos à emoção e crenças pessoais”.
Dessa forma, um mundo com a pós-verdade é uma realidade em que acreditar que algo é verdade é mais importante do que isso ser um fato realmente. Esse é o ponto crucial que alterou drasticamente a relevância de “simples” boatos. A falta do hábito de checar a veracidade de um fato, somada a uma crença prévia sobre um assunto, torna-o instantaneamente verídico, uma vez que ele vai ao encontro do que o receptor já acredita; isso de acordo com a teoria da pós-verdade, concatenada no consumo de notícias falsas.
Maximiliano Vicente, historiador e doutor em História Social, alerta para os perigos da expressão pós-verdade: “Os termos que começam com pós devem ser sempre relativizados. Nunca existiu uma verdade, e sim interpretações sobre os episódios; portanto, como podemos falar numa pós-verdade? O que ocorre é que, como temos abundância de notícias, as pessoas aceitam qualquer versão sem que se comprovem as afirmações que se lançam e se tornam públicas.”
Tomando como exemplo os Estados Unidos, o fato de uma parcela da população estar descontente com o governo anterior de Barack Obama virou um trunfo na mão de Trump, que usou essa insatisfação para ampliar o debate sobre valores que constituem a formação do país. Porém, o republicano não fez isso de forma honesta e, durante sua campanha, deferiu diversas inverdades. Mesmo após ter vencido a disputa pela presidência, como forma de reforçar o apoio de seu eleitorado e também justificar suas ações, seguiu com afirmações falsas; foram, em média, 7,6 afirmações falsas por dia até agosto do ano passado, quando já estava governando há cerca de um ano e meio. Uma reportagem da The Economist, ainda em 2016, argumentou que os políticos sempre mentiram, mas que Donald Trump havia elevado essa estratégia a outro patamar.
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“A política da pós-verdade é mais do que apenas uma invenção das elites angustiadas porque foram superadas. O termo identifica exatamente que há de novo: a verdade não é falsificada ou contestada, mas simplesmente de importância secundária. Há algum tempo, o propósito da mentira política era criar uma visão falsa do mundo. Mas as mentiras de homens como o senhor Trump não funcionam assim. Não pretendem convencer as elites, mas reforçar preconceitos”, diz o texto da revista.
O fato dos atuais presidentes do Brasil e Estados Unidos utilizarem discursos moldados em mentiras e achismos, de forma a validar crenças e fés de seu eleitorado – mais radical, em sua maioria -, escancara a ameaça da pós-verdade. Jair Messias Bolsonaro também utiliza inverdades em seus mais diversos discursos para validar suas ações.
Mentira como ferramenta
A mentira sempre foi uma ferramenta política e as fake news já estão presentes na sociedade desde o século passado. Pelo menos três grandes conflitos de que os EUA participaram foram fundados em mentiras: a guerra de Cuba (1898), com a manipulação dos jornais; a guerra do Vietnã (1955-1975), com o incidente do golfo de Tonkin; e a invasão do Iraque em 2003, com as inexistentes armas de destruição em massa de Saddam Hussein.
A diferença que podemos identificar dessas informações falsas para as atuais é que agora há uma negação de fatos do passado, somada à descentralização da informação trazida pelas novas tecnologias de comunicação; ambiente de forte polarização política, que contribui para a difusão de notícias falsas para atingir o inimigo ideológico; e uma crise de confiança nas instituições tradicionais favorecendo a autonomia das pessoas na busca pelas informações. “Estamos num processo de desinformação, ou seja, uma clara tentativa de manipular os fatos para gerar versões infundadas e falsas”, pontua o historiador Maximiliano sobre o tema.
Boatos fora de controle
A disseminação de informações falsas pelos canais já pontuados está se tornando parte da rotina da sociedade, especialmente quando há a espetacularização de algum fato já divulgado por alguma mídia tradicional.
Saúde, cultura, ciência, política e até a tragédia de Brumadinho, em janeiro deste ano, culminaram em muitos boatos divulgados incessantemente nas mídias, gerando uma grande rede de desinformação.
A cidade de Bauru, inclusive, experienciou uma onda de fake news que atingiu milhares de pessoas em janeiro de 2017. A fuga de 152 presos de um presídio da região durante uma rebelião causou mais euforia do que o esperado por conta da propagação, através de diversos canais, que a situação havia se agravado a tal ponto que aulas na UNESP chegaram a ser suspensas e toques de recolher foram instaurados. Estudante de Relações Públicas da universidade, Gabriel Treu comentou que cogitou até voltar para São Paulo, sua cidade natal, tamanho era o alarde. “Ninguém checou nada. Uma informação de um grupo no WhatsApp era repassada para o outro. Todo mundo começou a cobrar a coordenação, que também estava assustada, e as aulas chegaram a ser suspensas.” As informações de que detentos estavam andando armados pela cidade e que já seriam mais de 500 pelas ruas nunca foram confirmadas por nenhum órgão oficial.
Como frear a disseminação de notícias falsas?
Felizmente, algumas plataformas que foram palco para a dissipação de fake news, não só durante as eleições brasileiras, estão anunciando medidas concretas contra essa prática. O Facebook, por exemplo, anunciou no dia 10 de abril diversas novidades, entre elas uma nova métrica usada para identificar material potencialmente falso. Essa medida é chamada de “click-gap” e compara a popularidade de um link dentro da plataforma com a popularidade fora dela, em outros sites, a fim de avaliar se a viralização do material é orgânica.
Contudo, o mais eficiente instrumento contra as fake news continua sendo a educação, principalmente quando ela estimula no indivíduo um olhar mais abrangente e um senso de questionamento frente às mais diversas informações.
Além disso, uma avaliação altamente crítica com todas as notícias que chegam até nós é grande aliada no combate às informações falsas. Aqui vão mais algumas dicas para identificar fake news: nunca leia apenas o título ou manchete; desconfie dos textos com tons alarmistas; saiba diferenciar informações vagas e imprecisas de informações contextualizadas; confira a data de publicação do artigo; cuidado com os vídeos e áudios porque são facilmente editáveis; pesquise se a informação foi publicada por outras mídias de sua confiança; consulte as fontes oficiais, caso a informação seja atribuída a algum órgão público, e verifique antes de compartilhar. Lembre-se: nesta era de fake news, antes de repassar qualquer conteúdo, certifique-se de que ele é confiável.
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Paula Borim, estudante do último ano de Jornalismo na UNESP Bauru é apaixonada por todas as formas da Comunicação e ainda acredita na força da notícia e da verdade dentro da sociedade.