Quando se pensa em unidade global, em redução da dinâmica espaço-tempo entre os países que partilham as fronteiras no planeta Terra, é necessário pensar na estratégia da informação para superar algumas barreiras. Nesse sentido, o jornalismo é protagonista na disseminação da história, cultura, memória e atualidades dos inúmeros territórios do além-mar e do além-fronteiras. É nesse contexto que se pautam as coberturas de notícias internacionais e seus desafios.
A cobertura da mídia ocidental é alimentada basicamente por três agências de notícias que se localizam em Nova York, Londres e Paris. É o que constata o Swiss Propaganda Research, que, para além disso, mostra como a cobertura de notícias sobre a guerra na Síria foi, em números, 78% reportada por agências, sem nada baseado em um jornalismo investigativo. Constatou-se também um total de 82% de artigos de opiniões e entrevistas favoráveis a intervenção norte-americana.
É com esse gancho que, para falar de mídia hegemônica, o historiador e youtuber Jones Manoel inicia seu vídeo Mídia, poder e hegemonia. “A grande maioria dos monopólios de mídia não mantém equipes na China, na Rússia, no Irã, na Venezuela”, pontua o historiador. Ainda assim, as notícias internacionais sobre esses países percorrem os monopólios de mídia. Segundo ele, mesmo jornais ditos progressistas, ou de esquerda, ou de direita, recolhem a informação das mesmas agências, AP, AFP e Reuters.
A falta de correspondentes, ou o número reduzido destes, limita as diversas possibilidades de percepção de determinado assunto. “A cobertura nacional da grande mídia sobre conflitos internacionais é bem restrita”, pontua Marina Ayub, jornalista e pesquisadora em Relações Internacionais. Tanto pela questão de espaço quanto por opção editorial, as pautas serão escolhidas muitas vezes sob a lógica mercadológica daquilo que vende mais. “É óbvio que uma matéria sobre o que a gente entende por Ocidente, Europa, EUA, vai chamar mais atenção do brasileiro do que uma matéria sobre a África”.
Folha de S.Paulo, Estado e grandes telejornais reproduzem sempre mais do mesmo, diz Ayub, por ser um conteúdo extremamente básico. Manoel vai além: segundo ele, mesmo veículos como The Intercept ou Carta Capital se alimentam pelas agências internacionais de notícia. Por isso, é preciso tomar cuidado ao consumir conteúdo de portais e mídias que possuem uma abordagem crítica de pautas locais ou nacionais, mas que, ao noticiar acontecimentos e conflitos internacionais, apenas reproduzem os mesmo conteúdos.
A cobertura internacional e a diminuição dos correspondentes coloca o jornalismo e o jornalista frente a um grande desafio. “A gente vive um momento extremamente complicado na nossa política”, lembra Marina, “e a opinião pública sobre os conflitos internacionais não é diferente”.
Ayub destaca que é preciso, então, buscar meios alternativos aos da grande mídia: “nosso papel como jornalistas é buscar os profissionais da academia, que tenham uma opinião embasada, que possam fornecer uma visão alternativa à da grande mídia”. Cabe aos jornalistas se aprofundarem e irem atrás de conteúdo através de livros e materiais acadêmicos, e enfrentar a barreira linguística para se debruçar sobre conteúdos em diferentes idiomas e provenientes de outros lugares.
“Vai lá e faz”
“As distâncias estão bem mais curtas: você pode pegar um avião, parcelar em dez vezes e se programar para as férias”. Essa é a sugestão de Bianca Vasconcellos para o desafio de superar as limitações da cobertura de notícias internacionais: “fazer do limão uma limonada”. Jornalista há mais de trinta anos e repórter do programa Caminhos para Reportagem, da TV Brasil, Bianca pontua que é necessário aliar os pequenos equipamentos possibilitados pelo desenvolvimento tecnológico à vontade do jovem jornalista. Em suas férias de junho, ela conta que fez exatamente isso: pegou seus equipamentos e foi gravar a temática transexual na terra do cangaço, no sertão do Pajeú, em Pernambuco. “Não fique esperando ter uma agência legal para levar todo mundo que quer fazer uma coisa diferente da Reuters”, afirma Bianca. “Vai lá e faz”.
A importância de pensar uma cobertura de notícias internacionais com qualidade e senso crítico perpassa a ideia de solidariedade aos povos, de solidariedade internacional. E de divulgação dos acontecimentos e conflitos internacionais. Essa é, inclusive, uma das mensagens que deixa Angela Davis, a professora e filósofa que alcançou notoriedade nos anos 1970 com sua luta no Partido Comunista e no movimento negro dos Estados Unidos. Falando para uma plateia que lotou o gramado do Auditório do Ibirapuera, em São Paulo, na noite de segunda-feira, 21 de outubro de 2019, Davis comenta a relação do Brasil com o regime de Israel, a resistência histórica dos conflitos em território palestino, a luta dos povos indígenas na América do Sul, a luta dos povos negros nas Américas: “Eu gostaria de expandir a nossa consciência sobre as lutas que ocorrem pelo mundo afora”. Ela lembra que, na França, uma rua passou a se chamar Marielle Franco, e acrescenta: “precisamos de ruas Marielle Franco em todo o mundo”. Sugere que a plateia busque aprender mais sobre a luta das mulheres e dos curdos nos territórios do norte da Síria, em Rojava. “Ao que me consta, a luta das pessoas curdas parece estar construindo o modelo de democracia que deveria inspirar a todos nós no sentido radical de imaginar maiores aspirações para nossos sonhos”
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Camila Araújo é estudante de jornalismo na Unesp de Bauru.