Saturday, 23 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Quando a informação tem finalidade definida, a opinião pública é apenas uma fraude

(Fotos: Marcos Corrêa/PR – Fotos Públicas)

A década de 1950 nos Estados Unidos foi catastrófica para a indústria tabagista. Pesquisas científicas divulgadas em revistas médicas e na mídia mostravam que o ato de fumar estava diretamente ligado ao aumento em massa dos casos de câncer de pulmão. Os resultados dessas pesquisas alarmavam a população e ameaçavam os impérios tabagistas existentes no país. A reação das empresas foi imediata e, em dezembro de 1953, foi criado o Tobacco Industry Research Committee, financiado pela indústria tabagista e administrado pela empresa de relações públicas Hill & Knowlton.

O Tobacco Industry sabia que não poderia, ou ao menos não deveria, atacar a ciência, que na época do pós-guerra estava em plena emergência, mas ao mesmo passo precisava defender seu patrimônio. A opinião pública cada vez mais desestabilizada ansiava por respostas — afinal, o que estava em jogo era questão de saúde. Em um truque de mestre, com uma estratégia inovadora e sem precedentes, a indústria de cigarros estadunidense lançou uma campanha para confundir e sabotar as pesquisas que ameaçavam destruir sua preciosa fonte de renda. Desse modo, o Tobacco Industry não visava a vitória acadêmica ou sobre os fatos, mas sim promover a confusão da opinião pública. Mais dúvidas, mais brechas para mitos, conspirações e fatos alternativos.

De maneira semelhante ao ocorrido na década de 1950, mas em data anterior, o maior extermínio em massa da era moderna, o Holocausto, aconteceu apoiado em uma rede sistemática de produção e divulgação de informações fraudulentas.

Tudo começou com um grupo de sábio judeus querendo dominar o mundo. A reunião desses sábios, ocorrida em 1898 em Praga (República Tcheca), foi cuidadosamente registrada em ata para que, no momento oportuno, se iniciasse a implementação da Nova Ordem Mundial. O enredo faz parte do livro Biarritz, do escritor prussiano Hermann Goedsche. O romance de Goedsche, além de ter sido forjado a partir da obra Diálogos no inferno entre Montesquieu e Maquiavel, inspirou uma série de documentos conhecidos por Os protocolos dos sábios de Sião, publicados pela primeira vez em 1903, na Rússia, pelo jornal Znamya. Dezessete anos mais tarde, em 1920, o periódico estadunidense Dearborn Independent, propriedade do magnata e antissemita Henry Ford, publicou os documentos como sendo relatos verídicos. No mesmo ano, jornais da Alemanha, França, Polônia e Inglaterra também tornaram públicos os relatos.

Na família genealógica das ideias, a de que os judeus dominariam o mundo teve um filho ingrato para a humanidade: Adolf Hitler, autor do livro Minha Luta. O ditador nazista, que ascendeu ao poder em 1933, deixou registrado que a única coisa que explicava a realidade da época encontrava-se nos Protocolos. Mais de 23 edições do documento foram editadas após o Partido Nazista governar a Alemanha, mesmo com vários jornalistas denunciando a fraude. A difusão de mentiras a respeito do povo judaico foi tão exitosa que, mesmo após a derrota e o fim do Holocausto, os documentos seguem sendo propagados mundialmente como verdadeiros.

A difusão sistemática de mentiras e informações fraudulentas justificou o Holocausto e a guerra contra a ciência nos Estados Unidos. Também elegeu Donald Trump como presidente dos Estados Unidos e fez o Reino Unido votar pela saída da União Europeia, ou Brexit, em 2016. Agora, essa cadeia de informações fraudadas e com finalidades definidas apoia uma série de acontecimentos no Brasil, um país continental que tem uma falha estrutural no que se refere à educação, ainda mais quando tratamos da educação midiática.

Tudo começou, ou foi impulsionado, em 2018, com a campanha presidencial. Uma rede de empresas e valores monetários foi movimentada para que um candidato assumisse o maior posto do Executivo nacional. A campanha foi exitosa e, após três meses de governo, um decreto foi publicado cortando em 30% o orçamento das universidades e institutos federais de educação. O valor e a porcentagem referiam-se aos gastos não-obrigatórios dessas instituições, utilizados para pagamento de água, luz, terceirizados e bolsas estudantis. Sabendo que haveria uma reação negativa por parte de uma parte da população, imediatamente os canais pessoais do governo começaram a divulgar informações questionando a produção de conhecimento das instituições e dos alunos que ali estudavam.

Pouco a pouco, a opinião pública foi sendo desestabilizada e, em 26 de abril de 2019, um tweet do presidente Jair Bolsonaro (PSL) alegando que o governo estudava retirar recursos das ciências humanas, gerou uma onda de protestos imediatos. Poucos dias depois, houve a declaração de o governo bloquearia recursos de universidades que promovessem “balburdias”, sob a alegação que haveria “gente pelada e sem-terra” dentro delas. Novas reações públicas ocorreram e uma nova declaração – de que todas as instituições sofreriam com os cortes – foi realizada. Nesse período, as universidades já declaravam que, sem o desbloqueio de verbas, não haveria como manter o funcionamento até o final de 2019.

No mesmo momento temporal, houve uma explosão de fake news, ou notícias fraudulentas, que atacavam as universidades. Vídeos, fotos e textos com informações inverídicas, tiradas do contexto original e totalmente construídas encheram as redes sociais, sendo acompanhadas, amparadas e legitimadas pelo discurso oficial. O alcance dessa rede desinformativa foi catastrófico e inimaginável.

A opinião pública encontrou-se no caos. Quem era contra as universidades conseguiu argumentos oficiais e material suficiente, mesmo que falso, para fundamentar sua teoria. Alguns que não tinham uma visão formada criaram opiniões distorcidas sobre as instituições. Quem já conhecia a realidade dessas instituições, mas de forma rasa ou sem um contato direto, mesmo que inconscientemente começou a duvidar do que se passava nos centros de ensino. Quem vivia o dia a dia das universidades procurava uma brecha para vencer a rede de fraudes e mostrar o que era produzido na ciência brasileira.

Programas de TV montaram programações voltadas para o conhecimento nacional. Estudantes, professores e técnicos foram às ruas mostrar suas pesquisas. As páginas de checagem mostravam como as informações, divulgadas por apoiadores dos cortes, eram falsas. Campanhas de divulgação da ciência nacional foram criadas em todo território brasileiro. Se, por um lado, isso serviu para expor a capacidade de inovação das universidades brasileiras, algo extremamente bom, não foi suficiente para modificar a opinião pública criada sob o signo da falsidade. O imaginário social foi moldado utilizando-se dos mesmos recursos da indústria tabagista de 1950 e do nazismo alemão: a informação fraudada.

O excesso informativo criado incentivou o ataque público à pesquisa e à educação (algo que não é novidade na era da pós-verdade, tal como proposto por Tesich em 1993). Quando pouco era dito sobre o tema, e visando a uma ação futura, o governo federal encontrou uma brecha para disseminar inverdades sobre algo em falta no debate social. Quando viu que suas ideias já haviam sido fixadas e estavam sendo replicadas, sabia que tinha o terreno pronto para suas medidas. Cortou gastos e propôs medidas para a privatização das instituições de ensino superior públicas. A reação social veio, como esperado, mas a opinião pública já estava formada e para que conseguissem modificá-la levariam tempo, bastava novamente direcionar o debate público para um tema qualquer. As informações seriam deslocadas, as reações seriam mantidas, mas o imaginário permaneceria a seu favor.

“E se esquecêssemos do corte de verbas nas universidades e debatêssemos o próximo embaixador nos Estados Unidos, ou quem sabe se um ministro soltar uma fala polêmica? O meio ambiente também seria esquecido por um tempo.”

O corte de verbas permanece. A ciência continua sendo desacreditada. Os discursos oficiais permanecem justificando e preparando a opinião pública para novos ataques. O Brasil segue lutando em um umbral de informações, desacreditado no jornalismo e fixando suas crenças em discursos vagos e falaciosos. Caminhando dia a dia para o caos, a educação, o meio ambiente e as questões sociais padecem. No excesso informativo, a cegueira luminosa invade e domina os debates sociais.

A última vítima do discurso governamental, preparado com notícias fraudulentas, foi o meio ambiente que arde no fogo da Amazônia. Agora, resta saber: em qual área serão as próximas medidas do governo – e já estão sendo preparadas e desestabilizadas pelo discurso oficial?

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Wellington Felipe Hack é estudante de jornalismo na Universidade Federal de Santa Maria-RS.