Friday, 20 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Jornalistas afetados pela sociedade do espetáculo

Trabalhar na imprensa “nanica” não é das coisas mais fáceis. Trabalhar na imprensa de modo geral não é fácil, nunca foi, mas quem está na dita: “grande imprensa”, às vezes, sente o deslumbramento proveniente dos holofotes e esquece que o jornalismo historicamente é uma profissão de proletários.

Certa vez, o blogueiro e professor de jornalismo da PUC, Leonardo Sakamoto, disse que, em tempos de passaralhos, jornalistas só se lembram de que pertencem à classe trabalhadora quando são mandados embora, tamanha é a desconexão entre profissão e sentimento organizacional. Talvez, ele esteja certo.

Em diversas coberturas para o jornalismo de bairro, área que costumo atuar com frequência e em outras editorias também, já topei com colegas de diversos meios, principalmente canais de TV que não se comportam como jornalistas, escavadores da notícia como deveriam ser.

Quase sempre, profissionais da TV se limitam a executar uma peça tragicômica diante dos olhos de todos, mas que apenas alguns possuem bom senso para entender.

O vídeo exige aparato cênico, é um mise en scene com direito à maquiagem, figurino e papéis, tudo deve estar em seu lugar em uma elaboração meticulosa. Não são poucos aqueles repórteres que com o ego inflamado buscam aparecer mais do que a fonte entrevistada e no fim distribuem seus autógrafos ao redor da multidão.

Longe de querer traçar um modelo de conduta para colegas, mas sim analisar criticamente o fazer jornalístico, que em sua gênese e receita não mudam de acordo com os meios, mas entender que é necessário se fazer jornalismo com a mesma responsabilidade e seriedade em todas as suas plataformas.

Portanto, sem devaneios ou estrelismos, o jornalista é aquele que intermedeia a notícia, reporta o que acontece e como acontece para o público.

Não é necessário ter vivido os tempos áureos do jornalismo dos anos 50 ou 60 para entender que esta é uma profissão de ilustres desconhecidos, gente que em sua maior parte ganha pouco e luta para prestar serviço ao leitor, telespectador, ouvinte ou internauta. Jornalistas estão mais para operários da notícia do que para estrelas do showbiz.

Capa do livro “A Sociedade do Espetáculo”, de Guy Debord (1967). (Crédito: A Sociedade do Espetáculo/Divulgação)

Embora tal expressão possa soar demasiadamente antiga para se referir a jornalistas, esses deveriam voltar a se enxergar como trabalhadores da notícia, pois somente essa consciência os fará fugir da armadilha que enclausura muitos em um personagem que não lhes cabem, o de celebridades da mídia.

Quando o filósofo francês Guy Debord fez menção ao o que chamou de “A Sociedade do Espetáculo”, dizia que tudo no sistema capitalista se tornaria espetáculo, dentre essas coisas estaria o jornalismo e o excesso imagético também. E nesse aspecto ele acertou formidavelmente, pois o que vemos diariamente pela tela da TV é o sinal mais honesto dessa profecia: entretenimento engessado disfarçado de informação conduzido por protagonistas afetados.

Um retorno ao real sentido do que é a profissão é urgente, não que o passado tenha sido perfeito, mas porque é lá que reside a essência da atividade. E não há nada de romântico nessa argumentação, afinal, assumir ou acusar alguém de romantismo por dizer isto é admitir a derrota do verdadeiro papel da imprensa e de quem depende dela. Trocando em miúdos, fica o pensamento de Sigmund Freud, “a razão pode falar baixo, mas nunca se cala”.

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Ronaldo Lages é jornalista, atua no jornalismo de bairro e é colaborador da Agência Mural de Jornalismo das Periferias, Portal Fórum e Megafonia.