Thursday, 21 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1314

Precisamos ensinar ética jornalística para não-jornalistas?

Texto publicado originalmente pelo objETHOS.

Ilustração: André Dahmer

O acesso ampliado a informações e a facilidade para disseminar conteúdos verdadeiros ou não em escala cada vez maior seriam alguns dos argumentos para estimular uma rediscussão da ética jornalística. Mais especificamente, uma abertura da ética, outrora confinada a debates no âmbito das organizações profissionais.

Em linhas gerais, a promoção de uma ética jornalística “aberta” instigaria o leitor a posicionar-se não apenas em relação aos valores morais que regem a prática da profissão, mas também a tomar conhecimento sobre as técnicas utilizadas na construção de reportagens, por exemplo. Tornar estes procedimentos mais transparentes pode ser o passo inicial para uma educação voltada às mídias.

Recentemente, uma pesquisa sobre consumo de informações online realizada pelo site Aos Fatos sugere que os próprios leitores teriam interesse nesta abertura. Quando questionados sobre quais características podem levantar dúvidas sobre a veracidade de uma notícia, a segunda resposta mais recorrente entre os 805 participantes é “jornalista não explicou como chegou a tal informação” (29,8%). Em primeiro lugar, uma sugestão direta: “falta de citações para fontes ou referências” (42,5%).

Fonte: Pesquisa Aos Fatos

Por outro lado, ao responderem sobre os métodos mais eficazes para combater notícias falsas, a opção sobre entender processos de apuração foi apenas a quinta mais recorrente, ainda que a porcentagem seja significativa — 29,3%. Chama a atenção, no entanto, que as medidas de prevenção à desinformação são algo personalistas — importa, em primeiro lugar, “saber quem apurou, escreveu e editou aquela notícia” (35,5%), seguido de “conhecer mais fontes primárias confiáveis de informação” (34,8%).

Fonte: Pesquisa Aos Fatos.

Destaco ainda os dados referentes à checagem dos próprios leitores: 62% questionam a veracidade de informações quando consomem notícias diretamente em sites de veículos tradicionais da imprensa. Já 40% não se mobilizam para verificar o conteúdo que recebem via redes sociais ou aplicativos de mensagens. Este ponto é interessante à medida que parece existir uma “cultura de desconfiança” mais acentuada naqueles que já têm o hábito de acessar com certa frequência sites de veículos jornalísticos. O mesmo não ocorre nas outras plataformas, normalmente aquelas que servem de prato cheio para a disseminação de rumores e boatos em grupos fechados.

Fonte: Pesquisa Aos Fatos.

Penso que a questão sobre discutir fundamentos da ética jornalística para não-jornalistas não tem necessariamente a intenção de “capacitar” estas pessoas com técnicas de apuração. Afinal, quem tem tempo para checar todas as informações que recebe, senão o próprio jornalista? A questão me parece anterior: é preciso argumentar sobre a importância de uma informação bem apurada, e demonstrar isto na prática. Parece-me mais significativo o alto percentual de pessoas que checam a veracidade de uma notícia mesmo após consumi-la em veículos jornalísticos, do que aqueles que não o fazem com mensagens de aplicativos. Em suma, estamos tratando de uma crise de credibilidade.

Isto, é claro, não exclui certa dose de responsabilidade individual, embora o foco apenas nesta dimensão não solucione o problema. Programas de alfabetização midiática tendem a estimular a leitura crítica de notícias ao discutir fundamentos do jornalismo — a diferença entre gêneros, por exemplo, na distinção de notícia e editorial.

Nesse sentido, a educação permite o desenvolvimento e aprimoramento dos juízos morais, algo já amplamente demonstrado em estudos da psicologia. No caso dos media literacy — o nome dado à educação para a mídia —, os resultados também parecem concretos, conforme um relatório publicado pelo Data & Society Research Institute e comentado na última newsletter do projeto Farol Jornalismo.

O estudo faz um balanço dos prós e contras destas iniciativas nos Estados Unidos e confirma que a alfabetização midiática pode, de fato, “empoderar” o cidadão em uma leitura mais crítica das informações. Mas o material também aponta as falhas dos projetos, considerando que o enfoque recai excessivamente na responsabilidade individual do consumidor, o que se tornaria complicado ao desconsiderar papeis de empresas como Facebook, Google e Twitter na personalização do acesso a notícias. Conforme comenta Marcela Donini, no Farol Jornalismo, é ignorado ainda “o peso do papel das comunidades, do Estado, das instituições e dos desenvolvedores de tecnologia”, o que “pode dar aos indivíduos uma falsa sensação de confiança na sua capacidade de avaliar a imprensa”.

Ou seja, mesmo munidos de chaves, o acesso à caixa preta do jornalismo não depende apenas dos cidadãos. É preciso focar em treinamentos de alfabetização midiática, sem dúvidas. No entanto, a campanha desenfreada de grandes veículos no combate às notícias falsas aparenta passar ao largo da sua própria responsabilidade, como se diversos factoides já não tivessem sido fabricados por jornais outrora mais prestigiados. Os dados de Aos Fatos sobre o alto número de pessoas que checam informações provenientes de jornais parecem apontar para algo: uma revisão de valores e o pedido para que as fake news sejam combatidas não apenas pelos leitores, também no interior das organizações

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Dairan Paul é mestre em Jornalismo pelo POSJOR/UFSC e pesquisador do objETHOS.