Wednesday, 25 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Berlim se estabelece como solo de resistência contra o governo Bolsonaro

(Foto: Divulgação)

A FIBRA, Frente Internacional de Brasileiros contra o Golpe, teve seu segundo encontro em Berlim, mais precisamente nas dependências da Fundação Rosa Luxemburgo, ligada ao partido esquerdista Die Linke e ao jornal Neues Deutschland (Nova Alemanha), localizado no mesmo prédio.

Em breve discurso de apresentação, num final de tarde de uma sexta-feira de muito calor, o representante da Fundação alegou “não querer se posicionar politicamente”, mas estaria feliz em ceder o espaço para o encontro. O motivo para declaração tão equivocada e absolutamente desnecessária, só ele sabe. A Fundação de nome prestigioso exibiu, sim, posicionamento político quando, em fevereiro passado, foi o primeiro lugar em que Jean Wyllys, ex-deputado do PSOL, se pronunciou à imprensa depois de deixar o Brasil.

Mulheres no comando
Ativistas de Toulouse, Barcelona, Nova York, das cidades alemães de Hamburgo, Kassel e Munique participaram do evento. Entre oficinas de cultura ensaiando Bertold Brecht, que não pode mesmo faltar na retórica da resistência, houve oficina de teatro (tendo a cartilha de Boal como referência) e oficina de canto. Na primeira fila, Renata da Silva Souza, jornalista, ativista e ex-chefe de gabinete da deputada Marielle Franco, executada por milícias no dia 14 de março de 2018. Renata, a deputada esquerdista mais votada do estado do Rio de Janeiro e primeira mulher negra a presidir a Comissão de Defesa dos Direitos Humanos e Cidadania da Alerj, usou seu tempo de fala para exibir repúdio à tentativa do governador do Rio, Wilson Witzel, em cassar seu mandato por queixa feita à ONU e à OEA.

Entre os palestrantes estavam também Breno Altman, coordenador-executivo da campanha Lula Livre, Maria Dantas, eleita para o Congresso da Espanha pelo partido independentista Esquerda Republicana de Catalunha (ERC), a escritora, filósofa e ativista Marcia Tiburi, o ex-deputado Jean Wyllys e James Green, da Brown University, dos EUA, articulador de forças democráticas em seu país.

Enquanto Jean se mostrou muito bem-disposto e com uma aura de quem está incessantemente trabalhando, a escritora e filósofa Marcia Tiburi exibia uma fisionomia de imensa tristeza e emocionou a muitos ao falar da dificuldade em viver no exílio.

O Observatório da Imprensa falou com exclusividade com os dois palestrantes.

Jean, nós nos encontramos em fevereiro, aqui mesmo na Fundação Rosa Luxemburgo, em sua primeira coletiva de imprensa depois de deixar o Brasil e ficar um tempo no ostracismo. O que mudou na sua vida desde então?
O sentimento é o mesmo. O exílio não é turismo, eu não tenho segurança sobre o futuro. Agora estou, materialmente, assegurado, porque sou bolsista da Fundação Open Society e vou passar três meses nos EUA como professor-visitante na Universidade de Harvard. Mas tudo isso tem um prazo e coincide com a militância e defesa da democracia no Brasil. Estou tentando fazer desta experiência o melhor para mim, mas o que eu gostaria é que a democracia no Brasil estivesse inteira, restabelecida, que a gente não tivesse um fascista de merda na Presidência da República e que eu pudesse voltar para o meu país. No fundo, era o que eu queria.

Marcia, como está sendo para você estar em Berlim, agora que vive no exílio?
Acho que todos nós ficamos muito contentes com essa unidade, com essa troca no contexto do desejo de nos unirmos. Essa troca nos dá muita esperança de que a luta persiste e que pode continuar de uma maneira cada vez mais capaz de ter sucesso.

O que é preciso para que esse sucesso seja atingido?
Chamar a atenção para o Brasil, em nível internacional. O país não pode ser abandonado nem esquecido. No entanto, uma característica nossa é, historicamente, a endogenia, que é uma vertente comum em países que foram lançados num destino colonial. Abrir as fronteiras do Brasil, no simbólico, no sentido do imaginário, é muito importante. A gente combate a endogenia que gera autoritarismo, a gente enfrenta isso com uma busca democrática que intui trazer pro contexto a presença das diferenças desde um diálogo internacional.

(Foto: Fátima Lacerda)

(Foto: Fátima Lacerda)

(Foto: Fátima Lacerda)

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O encontro da FIBRA foi marcado pela espontaneidade, pela vontade de fazer e por dezenas de mulheres fazendo acontecer. Na tarde de domingo, debaixo de uma chuva fina de verão, muitas ativistas saíram às ruas nas redondezas da Fundação Rosa Luxemburgo para pedir a saída de Jair Bolsonaro e a soltura, imediata, do ex-presidente Lula. A “Carta de Berlim”, formulada no final do evento será um leme para novas empreitadas.

O desgoverno de Jair Bolsonaro atingiu seu ápice na quinta-feira (15), quando foi a chamada principal do programa de sátira política da Alemanha, o EXTRA 3, da emissora NDR, com apresentação do âncora e também comediante Christian Ehring. No vídeo, o presidente do Brasil aparece com traje de praia, sendo parodiado com o clássico de Tom Jobim: “O idiota de Ipanema”. Em outro momento, foi taxado de “Samba Trump”.

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Fatima Lacerda é carioca, radicada em Berlim desde 1988 e testemunha ocular da queda do Muro de Berlim. Formada em Letras (RJ), tem curso básico de Ciências Políticas pela Universidade Livre de Berlim e diploma de Gestora Cultural e de Mídia da Universidade Hanns Eisler, Berlim. Atua como jornalista freelancer para a imprensa brasileira e como curadora de filmes.