Sunday, 22 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

O brilho da crítica na avenida

Depois de duas semanas após a crítica cobertura sobre o julgamento de Lula, o Brasil voltou a ser assunto nos jornais franceses, dessa vez com o tema que, em oito de cada dez conversas, é o primeiro a ser lembrado quando o assunto são os brasileiros: o Carnaval. O Le Monde, principal periódico impresso do país, dedicou espaço no início desta semana à festa no Rio de Janeiro. A Paraíso do Tuitui – vice-campeã com seu desfile carregado de críticas políticas – e a Mangueira,  pelas críticas feita ao “prefeito evangélico” (“le maire evangelique”), como o jornal recorrentemente refere-se a Marcelo Crivella (PRB), foram citadas e comentadas.

Uma breve  busca pelos sites dos jornais mostra que o Carnaval brasileiro sempre foi tema nos jornais franceses, embora a cobertura nos anos anteriores tenha destacado o glamour, o brilho, a diversidade das fantasias e alegorias e a pouca roupa das passistas. Embora neste ano, o primeiro parágrafo do Le Monde ainda destaque os “corpos seminus”, a correspondente Claire Gatinois já deixa claro no lead que seu texto vai falar da veia política que o Carnaval tomou. Isso está expresso também no título: “O carnaval do Rio reencontra sua visão política” (“Le Carnaval de Rio retrouve sa verve politique”).

A reportagem apresenta uma visão crítica a Crivella, aproveitando o desfile da Mangueira e as falas do carnavalesco Leandro Vieira para abordar o tratamento que o “prefeito evangélico” dedica a homossexuais e às religiões diferentes da dele, sobretudo às de origem africana. A importância dada à abordagem política do Carnaval é notável, sobretudo porque o “reencontrar” presente no título é explicado comparando o papel das escolas de samba e dos blocos durante o movimento das Diretas Já, em 1985. Para isso, o historiador Luiz Antônio Simas, coautor do Dicionário de História Social do Samba (Editora Civilização Brasileira, 2015), é ouvido.

O texto do Le Monde não deixa de ser bastante marcado por adjetivos, alguns que, dificilmente, seriam usados  no jornalismo brasileiro. Em certa altura, o texto diz que, dias antes do Carnaval, Crivela tentou apagar sua imagem “azeda” (a palavra em francês é “pisse-vinaigre”, termo bastante coloquial), arriscando alguns passos de samba.

Embora o tema seja o Carnaval, a cobertura da repórter não termina na Sapucaí. Ela vai até Copacabana para ouvir o povo do Rio de Janeiro sobre o prefeito. Os entrevistados são um militar e uma empregada doméstica. O primeiro diz que “o Rio não tem prefeito” e que, embora o povo comemore, não há nada a festejar. Nas palavras do entrevistado: “Você sai de casa e corre o risco de levar uma bala perdida. Depois, se você precisar de um hospital, não há médicos” (“Vous sortez de chez vous et vou risquez de prendre une balle perdue. Puis vous allez sous soigner dans um hôpital où il n´y a paz de médecins”). Já a segunda entrevistada diz que “o Rio está em ruínas. O prefeito ignora o povo para se consagrar à sua religião” (“Rio est em ruine. Le maire ignore le peuple pour se consacrer à as religion”). A baixa aprovação do prefeito, apurada pelo DataFolha (16%) é também citada.

Do Le Monde à Rede Globo

A recuperação da veia política de que fala o Le Monde diz respeito também ao desfile que mostrou as críticas às reformas da previdência e trabalhista, com o governo brasileiro tentando manipular o povo com o apoio da elite. Assim, na França, as pessoas que acompanham a política internacional puderam ler nos jornais uma crítica mais que social, mas também contra as mazelas e desmandos em que se encontra a política brasileira. Enquanto isso, na Rede Globo, a narração do desfile foi um exemplo de silêncio em meio ao som dos tamborins.

A narração do desfile na TV brasileira foi marcada por  incoerências, silêncios e silenciamentos. Acostumados a descrever nomes e fazer alusões a personalidades, desta vez prevaleceu o politicamente correto, ou seja, os locutores ativeram-se ao nome das alas, a descrição das fantasias, numa narrativa quase redundante. O silêncio de longos segundos para um veículo como a televisão foi percebido ou abafado pelos gritos da torcida e a forte letra do samba-enredo. Os locutores apenas cumpriram o papel de narrar o que já estava escrito no resumo entregue pelas escolas.

Nos desfiles das demais agremiações – e como é habitual há décadas – os locutores explicavam sobre as alegorias, tentando encontrar “sentidos” (ou atribuí-los) ao que se via na avenida. Explicações históricas e o que “a escola pretendia mostrar” com determinada cor ou adereço eram comuns. Mas, no caso do desfile da Tuiuti, tudo foi narrado exatamente como a escola nomeou, sem delongas. “O vampiro neoliberal” não ganhou nome, tampouco interpretações; os “manifestoches”, que, em se tratando de um neologismo, receberia uma explicação no discurso habitual da TV, foi um nome estranho, difícil de ser pronunciado com clareza, tanto que a experiente jornalista Fátima Bernardes gaguejou ao pronunciá-lo.

Se, no Carnaval, a fantasia é livre e cada um pode usar a (falta de) roupa que lhe convém, neste ano a imprensa francesa despiu a realidade brasileira, mostrando novamente à Europa as marcas da corrupção, do golpe e das medidas antidemocráticas  como a triste realidade que tira o brilho de qualquer paetê. O desfile da Tuiuti foi figurativo demais, talvez, para um Carnaval conhecido pelo luxo e pelos carros alegóricos e as coreografias detalhadamente marcadas das portas-bandeira e mestres-sala, mas os jornais franceses souberam mostrar que não há no carnaval brasileiro alegoria capaz de esconder a triste realidade e que é possível usar a maior festa do País para (des)mascarar (con)trastes.

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Duilio Fabbri Junior é jornalista e professor universitário. Doutorando na UFSCar, membro do grupo de pesquisa Labor-UFSCar, em estágio de pesquisa na Université de Toulose – Rivail II..

Fabiano Ormaneze é jornalista e professor universitário. Doutorando na Unicamp, membro do grupo de pesquisa  Pohemas-Unicamp, em estágio de pesquisa na Université Sorbonne Nouvelle – Paris III.