Saturday, 23 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Projeto só Capa

Um inovador projeto desenvolvido por jornalistas aposta num fato inédito na profissão: um jornal que é só a capa. O desafio é condensar a notícia num titulo e imagens. Quase que um cartaz jornalístico. É uma audaciosa experiência de comunicação que o Observatório pretende acompanhar nos próximos meses com parte de nosso interesse em mostrar projetos que buscam um jornalismo diferente . Nosso objetivo também é permitir que os diferentes grupos de inovadores compartilhem  problemas e soluções . Segue o texto de Evandro de Assis, um dos autores do projeto A Capa, de Blumenau, Santa Catarina: 

Unidos no gosto pela arte de fazer primeiras páginas de jornal, jornalistas espalhados pelo país lançaram o projeto “A Capa – A primeira página que você não vê no jornal que você lê”. Como o próprio nome sugere, a proposta consiste num exercício de síntese, leitura da realidade, sensibilidade e expressão visual numa única peça, com força jornalística para falar por si mesma. Trata-se de um “jornal sem jornal” na definição dos integrantes, ou seja, somente a capa é produzida e não há páginas ou seções tradicionais de um jornal. A experiência toma corpo no Facebook, onde, em um mês, a página reuniu 5 mil seguidores.

Idealizador de A Capa e ganhador do Prêmio Esso de Primeira Página em 2010, Edgar Gonçalves Jr. amadureceu a ideia após deixar o ambiente de redação em setembro do ano passado, após 15 anos como editor-chefe de jornais do Grupo RBS em Santa Catarina.

– Pensei em montar uma estrutura para produzir capas e oferecer o serviço a jornais. Mas aí pensei: por que esperar? A realidade está aí oferecendo inspiração diária para produzir primeiras páginas com pegada crítica e interpretativa, sem abdicar do humor e da emoção.

O passo seguinte, talvez o mais desafiador na opinião de Edgar, foi encontrar pessoas talentosas e igualmente apaixonadas para embarcar na aventura. Com pensamentos colhidos de São Paulo a Brasília, passando por Goiânia, Florianópolis e Blumenau, os integrantes do projeto convivem em permanente estado de reunião de pauta no Whatsapp e Messenger. Pelos aplicativos, trocam desde as ideias iniciais às páginas acabadas, pendentes apenas da revisão final antes de publicação. Hoje são sete os produtores de conteúdo para A Capa: além de Edgar, completam o time Fabrício Cardoso, Renata Maneschy, Nelson Nunes, Cláudio Duarte, Fábio Nienow e Evandro de Assis. Todos já conquistaram premiações relevantes, nacionais e internacionais, em primeira página.

– A gente não hierarquizou nem engessou papéis no grupo, até porque todos entendem um pouquinho de todas as técnicas envolvidas na produção de uma primeira página. Há afinidades pessoais divididas entre o texto e o visual, mas não gosto da lógica industrial do “eu sou especialista nisto, você naquilo”, pois já vi na prática que muito pitaco bom se perde no formalismo.

Por ser um jornal sem jornal, A Capa não tem horário de fechamento. Fecha quando há uma ideia consolidada, e num único dia podem ser publicadas várias capas. O projeto, tocado voluntariamente pelos jornalistas, se serve da matéria-prima que, no entender de Edgar, é a mais escassa nas redações de hoje: o tempo. Todo jornalista e todo dono de jornal sabe que um produto corajoso e inspirado é mais admirado pelos leitores e anunciantes. Mas o peso da estrutura – e, por que não dizer, da complacência com a baixa produtividade nas empresas – sobrecarrega quem tem talento. O resultado é que não sobra tempo para a boa autoanálise, aquela geradora de mudança e inovação.

– Já ouvi gente boa afirmar que manchetes como “Deputados aprovam a abertura do processo de impeachment” servem como registro histórico, mas pergunto: qual história? Talvez sirva mais para a história do jornal, porque todos os leitores já conhecem essa manchete que sai na capa e, no futuro, os historiadores buscarão outras fontes além do jornal para narrar nosso tempo. A instituição jornal precisa ser menos ensimesmada, e não só ela: os jornalistas de modo geral precisam olhar mais para fora.

A Capa já publicou 22 primeiras páginas de jornal sem jornal. A mais popular, sobre a autoproclamada primeira-dama do turismo, alcançou 300 mil pessoas. O endereço no Facebook é www.facebook.com/acapabr.

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