Monday, 23 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Será possível um controle das redes sociais?

(Imagem: Claudia por Pixabay)

Duas informações recentes podem aparentemente levar ao controle das fake news ou mensagens mentirosas e da propagação de apelos de ódio pelas redes sociais.

Uma delas provém de um pronunciamento do ministro Alexandre de Moraes, do STF, sobre a instrumentalização ou desvirtuamento da tecnologia usada pelas redes sociais com o fim de destruir a democracia.

No Brasil, as redes sociais se tornaram agentes ativos de mobilização social, cujo resultado concreto mais visível foi o ataque, no 8 de janeiro, na praça dos Três Poderes, aos prédios representativos do Executivo, Legislativo e Judiciário.

Os grandes grupos internacionais detentores das redes sociais até agora não demonstraram interesse em controlar o conteúdo das mensagens veiculadas pelas redes sociais. Para eles, o importante é o fluxo veiculado em termos de portadores de mensagens publicitárias. Tanto que grupos ou pessoas agregando centenas de milhares e mesmo mais de milhão de seguidores são recompensadas, em algumas redes, por pagamentos em dinheiro ou monetização, correspondentes a uma participação no lucro propiciado pelas mensagens publicitárias veiculadas nas redes sociais.

Ao mesmo tempo, o proprietário do canal ou da rede pode pedir diversos tipos de participação monetária aos seus seguidores. Em outras palavras, a incitação ao golpe, ao ódio e à violência tem esse lado comercial – o produto propagandeado tem seu lado lucrativo, uma espécie de droga bem paga; quem cria e envia nem sempre acredita nas virtudes do produto, mas sabe que quanto maior a mentira, as ameaças e o ódio, mais seguidores haverá e mais poderá ganhar com isso!

Para se ter uma ideia do quanto pode render uma fábrica de fake news, basta saber que um youtuber com uma média de 600 mil inscritos fatura uns 30 mil reais mensais. Os canais mais ativos na preparação do golpe desejado por Bolsonaro, alguns já retirados por ordem judicial, tinham mais de milhão de inscritos.

Por isso, o ministro Alexandre de Moraes quer uma regulamentação para as grandes empresas detentoras das redes sociais, pois, na verdade, se deixaram instrumentalizar e ganharam muito com isso. Não podem mais ser consideradas apenas como empresas de nova tecnologia e sim como empresas de mídia e publicidade, reguladas pelas leis relativas a essas atividades.

Esse fenômeno de envenenamento, entorpecimento e agitação da população não foi exclusivo do Brasil e se manifestou em diversos países. A extrema direita aprendeu rapidamente e se apropriou do uso das redes sociais e da nova tecnologia com o objetivo de destruir os conceitos e bases da democracia.

Resumindo: a extrema direita internacional cujos postulados são os mais reacionários e antiquados, representando um retrocesso social em todos os setores da vida, se apropriou dos mais modernos instrumentos de comunicação para solapar as atuais conquistas democráticas.

A outra informação é a decisão do ministério da Justiça de responsabilizar as empresas gerenciadoras de redes sociais pelas mensagens falsas e de ódio nelas contidas. Assim, as empresas Meta, TikTok, Youtube, Twiter, Google, Kawai e WhatsApp já foram notificadas a fim de ajudarem no esforço contra a disseminação de teorias de complôs (como ocorreu nos EUA na eleição de Trump), fake news, incitação ao ódio contra autoridades, autoridades judiciárias e pessoas. Uma das primeiras medidas preconizadas é a do fim da monetização para os canais e plataformas usuárias do ódio e de falsas informações.

Não será fácil, pois os defensores da extrema direita, ditaduras e golpes pregam a sublevação da ordem e o fim da democracia em nome da liberdade.

No Brasil, o sincretismo de diversos valores evangélicos como defesa da família tradicional, homofobia, misoginia, rejeição do aborto, submissão e culto ao Deus absoluto com outros aparentados da extrema direita como culto e respeito das autoridades, supremacia da raça considerada superior e sujeição aos mais fortes, divisão da sociedade em classes sociais estanques, submissão das classes consideradas inferiores, criou um núcleo antidemocrático equivalente a um terço da população.

Esse núcleo viveu e se alimentou nas redes sociais, dentro de suas comunidades, de fake news, teorias de complôs e ódio durante as campanhas golpistas do governo Bolsonaro. Ainda hoje, quem tem acesso a esse núcleo continua recebendo mensagens parecidas. No Brasil, onde a falta de instrução e o respeito aos religiosos impede o exercício da livre crítica, imagina-se que, com a regulamentação das redes sociais, surgirão as redes sociais clandestinas de extrema direita. Ironicamente poderíamos dizer, as redes sociais das catacumbas.

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Rui Martins é jornalista, escritor, ex-CBN e ex-Estadão, exilado durante a ditadura. Criador do primeiro movimento internacional dos emigrantes, Brasileirinhos Apátridas, que levou à recuperação da nacionalidade brasileira nata dos filhos dos emigrantes com a Emenda Constitucional 54/07. Escreveu “Dinheiro sujo da corrupção”, sobre as contas suíças de Maluf, e o primeiro livro sobre Roberto Carlos, “A rebelião romântica da Jovem Guarda”, em 1966. Foi colaborador do Pasquim. Estudou no IRFED, l’Institut International de Recherche et de Formation Éducation et Développement, fez mestrado no Institut Français de Presse, em Paris, e Direito na USP. Vive na Suíça, correspondente do Expresso de LisboaCorreio do Brasil e RFI.