A edição da última quinta-feira (15/03) do Jornal Hoje trouxe uma reportagem com raros e caros cinco minutos dedicados ao assunto destacado na manchete “Associações de Rádio e TV defendem a criminalização das Fake News”. Na pauta, além de noticiar o 1º Seminário sobre os Desafios e Ações na Era Digital, promovido na ocasião pela Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (ABERT) e pela Associação Internacional de Radiodifusão (AIR), a Globo também tratou de firmar posição sobre outro assunto que desperta o seu interesse: a manutenção do Artigo 38 no Projeto de Lei conhecido como o PL das Fake News.
Na reportagem, que também foi reproduzida em outros telejornais da emissora, a ABERT (leia-se: as gigantes da radiodifusão brasileira) defendeu que enquanto as empresas jornalísticas e de Comunicação são submetidas a ‘longos’ processos para obter concessão pública, são reguladas por uma série de decretos e portarias e responsabilizadas pelo conteúdo que produzem, as plataformas digitais (leia-se: as Big Techs) não contam com o mesmo rigor na regulamentação. Em função disso a Associação – e a Globo – defendem que essas empresas sejam reguladas de forma semelhante aos veículos de imprensa no país.
O que a matéria que foi ao ar abordou sem muito detalhamento como um ‘PL que criminaliza as Fake News’ trata do Projeto de Lei 2630, que institui a ‘Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet’, aprovado em 2020 no Senado e que sofreu uma série de modificações quando remetido à Câmara Federal.
Embora não seja o objetivo deste texto esmiuçar os 42 artigos da proposição, é importante contextualizar que a matéria ‘voltou à baila’ em consequência dos atos antidemocráticos com intenções golpistas registrados em 08 de janeiro deste ano, uma vez que as investigações e mesmo a apuração jornalística empenhada na época demonstraram que as plataformas digitais foram usadas tanto para organizar as ações criminosas, quanto para propagar desinformação ao impulsionar conteúdos que favoreciam à distorção dos fatos.
Mas, voltando ao polêmico artigo 38, por que a Globo, uma gigante da radiodifusão nacional, tem tanto interesse neste artigo especificamente? Isso acontece porque é o artigo 38, inserido no substitutivo da proposição, que estabelece que as plataformas digitais que lucram com a veiculação de conteúdo jornalístico produzido no Brasil deverão remunerar as empresas jornalísticas nacionais. A intenção se assemelha em parte à legislação aprovada na Austrália em 2021 e que igualmente é objeto de controvérsias naquele país.
Outro lado da ‘moeda’
Parlamentares brasileiros interessados em fazer algo – não nos aprofundaremos no teor da proposta retalhada e remendada na Câmara Federal – no tocante à desinformação, Big Techs remunerando conteúdo jornalístico, parece que tudo vai bem. Só parece, pois o artigo 38 não agradou entidades como a Federação Nacional dos Jornalistas (FENAJ) que desde 2020 vem debatendo a taxação das plataformas digitais como uma alternativa para garantir recursos para financiar o jornalismo profissional.
Ao firmar posição contra o artigo 38 do PL das Fake News no início do mês, a presidenta da FENAJ, a jornalista Samira de Castro, criticou a inclusão de um tema ‘estranho’ no Projeto de Lei 2630/2020 – um ‘jabuti’, como se usa no jargão político e que nada tem a ver com as tartaruguinhas terrestres da rica e tão ameaçada fauna brasileira. A inclusão ‘apressada’, para a Federação, atende aos interesses das gigantes da radiodifusão nacional, mas passa ao largo de considerar aspectos como, por exemplo, os direitos autorais devidos às engrenagens que produzem a riqueza explorada lucrativamente por essas empresas: os jornalistas.
No entendimento da FENAJ, o Brasil deveria promover um amplo debate com a sociedade brasileira sobre o combate à desinformação e também no que diz respeito à sustentabilidade do Jornalismo – mas não somente aquela que interessa às grandes corporações e que arrebanham boa parte dos recursos (inclusive públicos) que financiam a mídia nacional. Para a entidade que representa os profissionais da área, jornalistas autores dos conteúdos que oxalá serão objetos de remuneração e veículos de mídia independente também deveriam ser beneficiados em uma proposta do gênero.
A solução, para a Federação, seria abordar a questão da taxação das plataformas digitais em uma proposição legislativa que tramitaria separadamente do PL das Fake News. Representantes da entidade debateram a questão, inclusive com políticos, na última semana, mas a julgar pelo esforço das gigantes da radiodifusão em ‘cercar o tema’ ignorando a manifestação pública da entidade que representa os jornalistas brasileiros, a aprovação da lei com jabuti e tudo parece ser ‘fava contada’.
À espera dos desfechos
Enquanto jornalistas correm como podem para intervir de alguma forma na questão, as associações de rádio e TV e o próprio governo federal também asseguraram ‘contribuições’ à matéria. Enquanto o congresso realizado pela ABERT e AIR na semana passada resultou na aprovação da chamada ‘carta de Brasília’, com sugestões ao teor do PL, o ministro-chefe da Secretaria de Comunicação Social, Paulo Pimenta, também declarou à reportagem da Globo que o Governo enviará ao Congresso nesta semana um documento com manifestações sobre o texto.
“O jornalismo profissional é a antítese às Fake News, é a antítese à desinformação e é uma ferramenta fundamental em defesa da democracia”. Com as palavras proferidas pelo ministro Pimenta à reportagem do Jornal Hoje, encerramos essa mui breve reflexão, lamentando tanto a falta de aprofundamento sobre o tema por meio de debates com a sociedade, quanto a ausência de qualquer consideração, até o presente momento, quanto a posição dos operários da informação jornalística sobre o tema. Trabalhadores que sequer têm o reconhecimento oficial de sua formação para o exercício profissional. Mas, a luta pela PEC do diploma é assunto para outro comentário – a ser pautado muito em breve, espera-se.