O debate sobre notícias falsas e conteúdos impróprios na web não é pauta recente, mas parece cada vez mais difícil conter a influência dos discursos de ódio e mentiras em rede. Após os atos golpistas de 8 de janeiro, vimos os recentes ataques nas escolas brasileiras – foram quatro incidentes violentos nos últimos 15 dias, que mostraram a força de ideologias extremistas conduzidas principalmente nas plataformas digitais.
Desde janeiro o governo se debruçou no projeto de regulação das redes como uma forma de conter movimentos antidemocráticos. E essa semana a câmara acelerou a tramitação do Projeto de Lei (PL) das Fake News.
Já se sabe que as mídias sociais e seus algoritmos colaboram com a propagação da desinformação, pois essas plataformas têm a capacidade de engajar milhões de pessoas. Mais ainda quando permitem a disseminação de narrativas de apelo emocional, mobilizando grupos de maneira espantosa.
Desde que as informações passaram a fazer parte de segmentação e estatística para que o conteúdo chegue mais rápido a quem interessa, as marcas, grandes corporações e responsáveis por campanhas políticas, passaram se interessar e investir na tecnologia de informação. Essa é a nova era da comunicação, em que dentre publis, posts patrocinados e chatboots, apareceram as deepfakes e toda a dinâmica que permite a disseminação de notícias falsas.
E como chegamos até aqui? Talvez sejamos todos culpados. A princípio, enxergamos as redes sociais como um espaço democrático de informação, onde podemos nos conectar com novos grupos e compartilhar ideologias em comum, mas ele se tornou perigoso a partir do momento que perdemos todo e qualquer filtro sobre o que é verdade.
A respeito da motivação das pessoas ao compartilharem informações falsas, a psicanalista e doutora pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP, Maria Homem, explica que cada um de nós vai construindo ao longo da vida, uma “visão de mundo”, uma concepção do que é mais coerente para si, sobre a sociedade, seus grupos, hierarquias, os gêneros, as raças, as noções de bem e mal, certo e errado – e valorizamos os conceitos que nos identificamos.
“Nos perguntamos sobre nosso lugar e temos uma concepção sempre um pouco ancorada em pressupostos e fantasias inconscientes que nos amparam para, a cada vez, a cada evento, confirmar que nossa visão é correta. Mas, e se por acaso, o que estou vendo do mundo agora, não combina com a minha “visão” imaginária? Muitas vezes, em vez de questionar o que se pensa ou como se vê a realidade, o sujeito renuncia a sua capacidade de avaliar e pensar e se deixa enganar por visões paralelas e falsas” completa.
Ganhamos um novo cérebro para pesquisar, um novo rosto para exibir com filtros, um novo jeito de se expressar em vídeo, em texto e até para arrumar emprego. Vemos nas plataformas digitais a circulação de figuras imaginárias, que buscam desvelar aspectos da complexidade da vida. E mudar essa dinâmica, exige esclarecimento e esforço coletivo.
Dentre muitas medidas possíveis no combate a desinformação, o mundo inteiro busca possíveis soluções e responsáveis. Mas, da mesma forma que, se uma notícia é muito bombástica, um número parece muito absurdo, ou traz uma cura milagrosa, é melhor desconfiar, isso vale para resoluções imediatas entorno da regulação na internet. Seremos sempre todos os responsáveis – sejam empresas, o governo ou novas ferramentas tecnológicas. Afinal, serão sempre indivíduos nos bastidores – que na realidade terão de investir mesmo é no desenvolvimento do senso crítico.
Para não se tornarem obsoletas, possivelmente as novas gerações terão a necessidade iminente de diferenciar o fake do real. E isso não significa que o problema esteja somente nas plataformas midiáticas, se fosse, a desinformação seria generalizada. A desinformação é na maioria das vezes comportamental e para não cair em um determinismo tecnológico ou por mais convicto que você esteja que não corrobora com ideologias extremistas ou na disseminação de notícias falsas, se pergunte com a mais profunda franqueza: Quantas notícias já compartilhei e li até o final, ou chequei as fontes? Será que não me deixei levar pelas minhas emoções ou ideologias? A gente precisa entender que não existe curtida ou compartilhamento que sejam livres de responsabilidade.
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Joana Ribas é jornalista e doutora em Ciências da Informação pela UFP – Universidade Fernando Pessoa