Na terça-feira, 7 de abril, a grande imprensa brasileira e veículos alternativos do país multiplicaram manchetes sobre o ministro da Saúde de Israel, Yaakov Litzman, ter testado positivo para o coronavírus. Embora, até aí, a informação seja verdadeira, o detalhe que confere interesse particular à chamada é uma notícia falsa: segundo os sites das revistas Vogue e Aventuras na História e de jornais como Meia Hora e Diário de Pernambuco, o ministro teria, antes de ser infectado, afirmado que o coronavírus é um castigo divino contra gays.
A manchete é uma típica clickbait, chamada com elementos bizarros ou irônicos feita para atrair a leitura ou, ao menos, o like e o comentário do leitor. Todos os veículos postaram praticamente o mesmo conteúdo, só com título e texto reescrito com palavras diferentes (trocando “coronavírus” por “covid-19, por exemplo). As matérias são assinadas como “da redação” e nenhuma inclui fonte primária ou secundária.
Israel é um país com ampla cobertura da mídia feita em inglês, tanto por agências de notícias – todas as maiores presentes em Jerusalém – quanto por correspondentes da imprensa internacional e pela mídia local, que é, em sua maioria, bilíngue. Jerusalem Post, Yedioth Ahronoth/Ynet News e Haaretz, só para citar três veículos com linhas editoriais distintas, têm conteúdo atualizado em inglês.
A falta de cuidado mínimo na checagem dos fatos e o anseio por conquistar cliques e likes, partindo do bizarro (e, pior, da mentira), é desserviço ao jornalismo, especialmente enquanto a imprensa reafirma merecidamente o seu papel fundamental de disseminadora de informações corretas e úteis para a sociedade durante a crise de saúde pública. A credibilidade da imprensa foi ameaçada nos últimos anos por diversos motivos, incluindo ataques de líderes populistas e a disseminação de fake news por plataformas de mensagens, mas a pandemia do coronavírus parece, ao menos, servir para corrigir os hábitos de consumo de notícias e torná-los mais responsáveis. Justamente por isso, veículos da grande imprensa não deveriam relaxar sua apuração em relação às importantes notícias que circulam sobre o tema.
No Brasil, é provável que o Pragmatismo Político tenha sido o primeiro veículo a traduzir a notícia – seguramente, um dos primeiros. Teriam veículos de renome se pautados por ele? No exterior, a organização não governamental Honest Reporting, que monitora a aparição de notícias falsas ligadas a Israel, descobriu de onde saiu o boato: um site paquistanês chamado Naya Daur. Mas a notícia falsa só se espalhou depois de ser reproduzida por um site especializado em matérias focadas na comunidade LGBTQ+, o Pink News.
“Para seu crédito”, divulgou o Honest Reporting, “o Pink News fez uma correção”. Quem tiver interesse em acessar a matéria encontrará a errata: “Uma versão anterior deste artigo referenciava dois dados imprecisos sobre Yaakov Litzman culpando a homossexualidade pela pandemia de coronavírus. Isso já foi corrigido”.
Entre a comunidade ultraortodoxa israelense, há um líder que publicamente associou a covid-19 a um castigo divino aos gays, o rabino Meir Mazuz – mas ele não tem nenhum tipo de relação com o governo e foi alvo da crítica da sociedade e imprensa israelense, inclusive em artigos escritos em inglês. Será que o site Naya Daur se equivocou por achar que todos os ultraortodoxos, com barba branca e roupa preta, são iguais? Ou o site paquistanês deu a notícia errada de propósito? Pelos critérios de noticiabilidade comumente usados pela imprensa, a fala de um político proeminente tem mais importância do que a de um líder religioso sem representatividade nacional (como seria o caso do grão-rabino). Dúvida mais importante: por que Pink News e todos os outros veículos não corrigiram o erro? Para todas elas, uma certeza é que copiar e colar um texto não é fazer jornalismo.
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Sabrina Abreu é jornalista, escritora e diretora de comunicação e cultura da StandWithUs Brasil.