O Projeto de Lei (PL) 2630, mais conhecido como a lei das fake news, é parte de uma briga de cachorro grande entre as principais plataformas digitais e os grandes conglomerados midiáticos no Brasil e no resto do mundo. Mas a polêmica gerada pelo projeto teve o mérito de trazer para a agenda pública de debates a questão da sobrevivência do jornalismo independente, especialmente o focado nas questões locais e comunitárias.
Este é um tema muito mais relevante para o conjunto da sociedade brasileira do que a sobrevivência da Rede Globo e de outras grandes redes de comunicação social. O cidadão comum se preocupa hoje muito mais com a informação relacionada ao seu dia a dia, transporte público, relação com vizinhos, vagas em escolas do bairro, horário de atendimento em postos de pronto atendimento médico, do que com as articulações entre partidos para composição de uma comissão parlamentar de inquérito, por exemplo, ou com as candidaturas para as próximas eleições norte-americanas.
Não é necessário nenhum raciocínio complexo para perceber que o jornalismo local está muito mais próximo do cidadão comum do que a agenda dos jornalões impressos ou dos telejornais globais. A internet e os telefones celulares viabilizaram os fluxos de notícias locais, criaram a possibilidade de um novo espaço público de informação, centenas de jornalistas e não jornalistas lançaram dezenas de projetos locais, mas a maior parte das iniciativas comunitárias ainda não consegue sobreviver por falta de sustentabilidade econômica.
A exclusão informativa
Este é o grande desafio que nossa sociedade precisa enfrentar. É uma questão tão importante quanto o controle das fake news ou da repartição de receitas publicitárias entre os conglomerados da comunicação e as grandes plataformas que abrigam redes sociais virtuais como Facebook, Youtube, Twitter e outras. A sobrevivência e o progresso do jornalismo independente estão diretamente relacionados ao combate à exclusão informativa, uma das principais causas da exclusão social. Já sabemos que a desigualdade social é um freio ao crescimento econômico, assim fica também evidente a necessidade de acabar com a exclusão informativa para viabilizar o desenvolvimento humano e a paz social.
As reais necessidades informativas do cidadão comum estão sendo ofuscadas pela batalha entre empresas que perderam lucratividade por causa da internet e as que foram beneficiadas financeiramente pelas novas tecnologias de comunicação e informação (TICs). A Globo e outras redes como a norte-americana Fox bem como a australiana ABC, usam suas relações com as elites políticas e econômicas de seus respectivos países, para obter leis que alonguem o máximo possível a vigência de vantagens financeiras e legais ao mesmo tempo que procuram bloquear o crescimento do poder econômico de plataformas como Facebook, Twitter e Youtube (controlada pelo Google).
Aqui no Brasil, a Rede Globo baseia sua defesa do PL 2630 no combate às notícias falsas como uma estratégia para minimizar a visibilidade pública do seu grande objetivo que é a neutralização do crescimento acelerado das plataformas digitais.
Não é uma questão simples
Os conglomerados midiáticos tradicionais estão com seus dias contados porque seu modelo de negócios perdeu rentabilidade na era digital, e tratam agora de extrair o máximo lucro possível do que ainda é rentável. E seu maior obstáculo são as plataformas porque elas sugam a publicidade que foi a grande responsável pelos lucros obscenos dos impérios jornalísticos até o final do século XX. Não há um lado bom nem um lado ruim nesta guerra de grandes empresas, pois todas colocam seus interesses financeiros acima das necessidades e desejos do cidadão comum.
A oposição da extrema direita ao PL 2630 é uma consequência da preocupação negacionista deste grupo ideológico, um comportamento que varia de intensidade conforme as circunstâncias políticas do momento. Por seu lado, o jornalismo independente apoia em princípio a regulamentação proposta pelo PL 2630, mas alimenta uma relação complexa com as plataformas digitais, por conta de interesses opostos, a longo prazo.
Facebook, Twitter e Google faturam bilhões de dólares comercializando dados que obtêm gratuitamente dos seus usuários. Trata-se um colonialismo informacional idêntico, em sua natureza extrativista, ao modelo do colonialismo escravagista dos séculos XVII e XVIII. Na hora em que centenas de projetos jornalísticos independentes unirem esforços para reivindicar o fim do colonialismo de dados, acaba a atual coexistência com as grandes plataformas digitais.
Por tudo isto, dá para perceber a complexidade da polêmica em torno de um projeto de lei que mexeu com o que há de mais sensível nos tempos em que vivemos: a informação, sua circulação entre as pessoas e sua capacidade de gerar conhecimentos que alimentam ações.
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Carlos Castilho é é jornalista com doutorado em Engenharia e Gestão do Conhecimento pelo EGC da UFSC. Professor de jornalismo online e pesquisador em comunicação comunitária. Mora no Rio Grande do Sul.