A análise do custo social, político e econômico da disseminação de fake news durante as enchentes no Rio Grande do Sul deixou clara a existência de um fenômeno ainda mais grave que é o terrorismo informativo. Não se trata de apenas confundir as pessoas, mas de gerar incertezas e pânico em multidões. O epicentro do caos noticioso localizou-se nas redes sociais, onde foi possível observar com clareza como o terrorismo informativo pode contaminar um ecossistema regional.
O exército brasileiro sentiu no domingo (28/5) o custo de um descuido na hora de avaliar uma informação. Sem ter o cuidado de checar um boato, oficiais da 14ª Brigada de Infantaria Motorizada envolvidos na Operação Taquari pediram que a população do bairro Mathias Velho, na cidade de Canoas, abandonasse imediatamente suas casas por causa do suposto rompimento de um dique de contenção das águas do rio Jacuí.
Os militares que passaram adiante a fake news falharam duplamente: porque não conferiram a autenticidade da informação e porque não levaram em conta o efeito que ela teria (e teve) junto aos quase 45 mil moradores do bairro Mathias Velho.
O erro dos militares mostrou a necessidade da adoção de políticas de combate à desinformação e às notícias falsas por parte de todo o seu efetivo e não apenas entre os oficiais mais graduados. Uma providência como esta é especialmente importante durante operações em situação de crise envolvendo a população civil.
Este não é um problema apenas do Exército ou das Forças Armadas, já que todos nós estamos sujeitos ao mesmo erro. Afinal, somos parte de fluxos informativos pelo simples fato de vivermos em comunidades. A postura crítica diante de qualquer notícia ou informação passou a ser uma obrigação, especialmente em tempos de crise, porque sempre haverá o risco de sermos envolvidos como cúmplices involuntários em estratégias de desinformação pública.
Crises como a das enchentes que afetaram quase 2/3 do território do Rio Grande do Sul tendem a monopolizar a atenção do público, criando um ambiente ideal para ações terroristas no campo da informação. Prova disto foi a multiplicação de notícias falsas variando desde as mais absurdas e inverossímeis até as que conseguiram enganar oficiais do Exército, comprometendo a credibilidade da corporação.
O peso das consequências
A confiança da população nas instituições e movimentos de ajuda é algo essencial e obrigatório num momento crítico. Minar a credibilidade pública pode ser algo tão mortal quanto um atentado clássico porque induz as pessoas a decisões que podem custar vidas. Esta preocupação com a forma pela qual as pessoas podem reagir a uma notícia deve ser incorporada à avaliação de uma informação sob suspeita.
Quando alguém recebe uma informação, como a que chegou aos comandantes do 14ª Brigada de Infantaria Motorizada, nem sempre há tempo hábil para checar a veracidade e credibilidade do dado, fato ou evento sob suspeita. Especialmente numa situação crítica como a da iminência de uma avalanche de água.
Nestas condições, é mais importante avaliar como a população pode reagir à divulgação de uma notícia falsa. Se as consequências forem graves, a notícia não deve ser disseminada, mesmo que sua veracidade não tenha sido ainda exaustivamente checada.
O responsável ou os responsáveis pela produção de fake news sempre têm um objetivo em mente. Este objetivo tanto pode ser atingir diretamente as pessoas como, por exemplo, um boato sobre o rompimento de um dique, como pode tentar usar as vítimas potenciais contra uma instituição ou personagem. No caso de Canoas, um alvo possível seria desacreditar a ação militar na ajuda às vítimas da enchente.
Quebra de paradigma
Além da avaliação de uma fake news com base no seu conteúdo (textual, sonoro ou visual) e na forma de disseminação, a identificação do seu alvo tornou-se um item obrigatório na determinação de sua confiabilidade. O caso da notícia falsa sobre a importação de arroz “fabricado” na China é outro caso clássico de terrorismo informativo, pois o objetivo claro foi disseminar o medo de consumo de um produto “artificial” e, ao mesmo tempo, desacreditar a justa preocupação do governo federal com uma eventual escassez do produto.
Toda a ênfase dada ao debate sobre notícias falsas tem se concentrado na questão da forma, conteúdo e origem das mesmas. Trata-se de uma postura condicionada pela preocupação do jornalismo em ver a notícia como algo independente do público. Até agora, o paradigma adotado pela esmagadora maioria dos estudos jornalísticos tem enfatizado a análise de textos, da cultura das redações e das políticas empresariais dos conglomerados da comunicação.
Este paradigma está sendo quebrado gradativamente pelas pesquisas sobre o que as pessoas fazem com as notícias e sobre a percepção que elas têm sobre a atividade jornalística. O fluxo normal do noticiário ocorria das redações para o público, mas com a internet, ganhou espaço também o sentido inverso – das audiências para os jornalistas. A forma como as pessoas percebem uma fake news passou a ser tão ou mais importante do que a própria notícia falsa. As que receberam o boato do rompimento do dique em Canoas se preocuparam primeiro em buscar um lugar seguro, antes de perguntar se a notícia era confiável ou não.
***
Carlos Castilho é jornalista com doutorado em Engenharia e Gestão do Conhecimento pelo EGC da UFSC. Professor de jornalismo online e pesquisador em comunicação comunitária. Mora no Rio Grande do Sul.