Existe uma alegada “Operação Tartaruga” (da parte de certas facções do associativismo policial) em relação aos serviços prestados pela polícia no Distrito Federal (“Mais uma pessoa perde a vida durante onda de crimes que assombra o DF” [Correio de Santa Maria, 4/04/12, Cidades]). A expressão “tartaruga”, conotando “lentidão”, induz e pode fazer crer que a proverbial lentidão desse quelônio esteja sendo aplicada na prestação (ou “não-prestação) de serviços policiais. Isso, por sua vez, supostamente se refletiria em aumento nos homicídios. Em linguagem técnica, é o chamado “pânico moral” sendo disseminado, com o propósito de robustecer a agenda das facções referidas do associativismo. Isso seria algo semelhante ao “terror”, em seu propósito de convencimento coletivo pelo medo.
A relação entre tartaruga e lentidão é algo “fabuloso”… As fábulas constituem um gênero literário (Esopo, Grécia antiga – século VI a.C.) em que os animais falam e expressam comportamentos humanos. Elas são “metáforas envolvendo animais”, relatos em alusão a episódios/situações reais da existência humana. O “estilo fabuloso”, entretanto, nem sempre pode ser aplicado a situações reais de maneira necessariamente verossímil. Até pela razão de que as fábulas são ficcionais em princípio. Por isso mesmo, o real significado/efeito da chamada “Operação Tartaruga” da polícia do Distrito Federal (e de seus supostos desdobramentos sobre os homicídios e “consciência coletiva”/”pânico moral”) precisam ser avaliados cuidadosamente. A “metáfora ficcional” pode não passar mesmo de mera ficção…
Será que uma suposta “atitude tartaruga” (lentidão) da polícia, pode fazer com que o fenômeno dos homicídios (incluindo seus autores) passe a ter a “atitude coelho”? Parece que não. Os homicídios são expressões da criminalidade violenta cuja motivação remonta a “grupos de fatores” por demais conhecidos. E os fatores de motivação de homicídios não estão relacionados com a rapidez ou lentidão da polícia. Os homicídios estão classicamente relacionados/motivados (i) por razões fúteis (a exemplo, disputas interpessoais por questões menores, como brigas no trânsito etc.), (ii) negócios “mal resolvidos” no contexto do narcotráfico (dívidas de “clientes” e “disputas de ponto” entre narcotraficantes) e (iii) até mesmo por questões passionais (conflitos entre parceiros afetivos ou cônjuges). Mas tudo isso, em relação a “matar e morrer”, acontece rápido demais e de maneira imprevisível por parte da polícia…
A “epidemia de crack”
Existe um fator de motivação para o cometimento de homicídios que cresce a olhos vistos no Distrito Federal – o narcotráfico e seus desdobramentos. Mais especificamente, o narcotráfico da cocaína crack que, forte e “teimosamente”, ficou instalado recentemente na região. São várias as “cracolândias” hoje existentes na capital do país, em franco desafio a qualquer “retórica de controle”. E os gestores das instituições de segurança pública (bem como os “policiais de linha”) são os primeiros a saberem que a polícia, sozinha, não tem uma capacidade efetiva de controle da “epidemia de crack”. Não há notícia de que polícia alguma (pelo mundo afora) tenha logrado controlar, sozinha, a epidemia de crack.
É preciso que a comunidade tenha bem em conta que a articulação entre serviços policiais, uma suposta lentidão na presteza de tais serviços e uma maior incidência de homicídios pode não constituir verdadeiramente uma “relação necessária”. Mas certamente que fazer supor que essa relação exista é algo do interesse de determinados setores do associativismo e da “gestão política setorial” que opõe esses setores (e respectivas reivindicações) e, finalmente, da própria “alta gestão”. Ela, a “alta gestão” (chefia do poder executivo), ao que parece, segue insistindo em minimizar a gravidade da “epidemia de crack” e do seu descontrole da parte do Estado, alegando para tanto razões meramente policiais. Enquanto isso, a epidemia se alastra, aprofunda e certamente produz uma espiral de crime e violência (igual a outros lugares do mundo), incluindo um aumento da taxa de homicídios e de várias outras modalidades de crimes violentos.
***
[George Felipe de Lima Dantas é professor, Brasília, DF]