Wednesday, 18 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1318

A metáfora pode não passar de ficção

Existe uma alegada “Operação Tartaruga” (da parte de certas facções do associativismo policial) em relação aos serviços prestados pela polícia no Distrito Federal (“Mais uma pessoa perde a vida durante onda de crimes que assombra o DF” [Correio de Santa Maria, 4/04/12, Cidades]). A expressão “tartaruga”, conotando “lentidão”, induz e pode fazer crer que a proverbial lentidão desse quelônio esteja sendo aplicada na prestação (ou “não-prestação) de serviços policiais. Isso, por sua vez, supostamente se refletiria em aumento nos homicídios. Em linguagem técnica, é o chamado “pânico moral” sendo disseminado, com o propósito de robustecer a agenda das facções referidas do associativismo. Isso seria algo semelhante ao “terror”, em seu propósito de convencimento coletivo pelo medo.

A relação entre tartaruga e lentidão é algo “fabuloso”… As fábulas constituem um gênero literário (Esopo, Grécia antiga – século VI a.C.) em que os animais falam e expressam comportamentos humanos. Elas são “metáforas envolvendo animais”, relatos em alusão a episódios/situações reais da existência humana. O “estilo fabuloso”, entretanto, nem sempre pode ser aplicado a situações reais de maneira necessariamente verossímil. Até pela razão de que as fábulas são ficcionais em princípio. Por isso mesmo, o real significado/efeito da chamada “Operação Tartaruga” da polícia do Distrito Federal (e de seus supostos desdobramentos sobre os homicídios e “consciência coletiva”/”pânico moral”) precisam ser avaliados cuidadosamente. A “metáfora ficcional” pode não passar mesmo de mera ficção…

Será que uma suposta “atitude tartaruga” (lentidão) da polícia, pode fazer com que o fenômeno dos homicídios (incluindo seus autores) passe a ter a “atitude coelho”? Parece que não. Os homicídios são expressões da criminalidade violenta cuja motivação remonta a “grupos de fatores” por demais conhecidos. E os fatores de motivação de homicídios não estão relacionados com a rapidez ou lentidão da polícia. Os homicídios estão classicamente relacionados/motivados (i) por razões fúteis (a exemplo, disputas interpessoais por questões menores, como brigas no trânsito etc.), (ii) negócios “mal resolvidos” no contexto do narcotráfico (dívidas de “clientes” e “disputas de ponto” entre narcotraficantes) e (iii) até mesmo por questões passionais (conflitos entre parceiros afetivos ou cônjuges). Mas tudo isso, em relação a “matar e morrer”, acontece rápido demais e de maneira imprevisível por parte da polícia…

A “epidemia de crack”

Existe um fator de motivação para o cometimento de homicídios que cresce a olhos vistos no Distrito Federal – o narcotráfico e seus desdobramentos. Mais especificamente, o narcotráfico da cocaína crack que, forte e “teimosamente”, ficou instalado recentemente na região. São várias as “cracolândias” hoje existentes na capital do país, em franco desafio a qualquer “retórica de controle”. E os gestores das instituições de segurança pública (bem como os “policiais de linha”) são os primeiros a saberem que a polícia, sozinha, não tem uma capacidade efetiva de controle da “epidemia de crack”. Não há notícia de que polícia alguma (pelo mundo afora) tenha logrado controlar, sozinha, a epidemia de crack.

É preciso que a comunidade tenha bem em conta que a articulação entre serviços policiais, uma suposta lentidão na presteza de tais serviços e uma maior incidência de homicídios pode não constituir verdadeiramente uma “relação necessária”. Mas certamente que fazer supor que essa relação exista é algo do interesse de determinados setores do associativismo e da “gestão política setorial” que opõe esses setores (e respectivas reivindicações) e, finalmente, da própria “alta gestão”. Ela, a “alta gestão” (chefia do poder executivo), ao que parece, segue insistindo em minimizar a gravidade da “epidemia de crack” e do seu descontrole da parte do Estado, alegando para tanto razões meramente policiais. Enquanto isso, a epidemia se alastra, aprofunda e certamente produz uma espiral de crime e violência (igual a outros lugares do mundo), incluindo um aumento da taxa de homicídios e de várias outras modalidades de crimes violentos.

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[George Felipe de Lima Dantas é professor, Brasília, DF]