Eles podem parecer apenas pequenos pedaços de papel ultrapassados usados pelos Correios nas correspondências ou objeto de desejo de colecionadores. Mas os selos postais são verdadeiros documentos, com muita história para contar. Uma delas é a da divulgação da ciência no Brasil. No livro recém-lançado A ciência nos selos postais comemorativos brasileiros: 1900-2000, o professor Diego Salcedo, da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), resgata sua dissertação de mestrado para traçar essa história.
O pesquisador reuniu mais de 2 mil selos emitidos no período que apresentam símbolos científicos, figuras de cientistas e imagens referentes a eventos e conferências de ciência. Analisando o material, o autor percebeu alguns fatos interessantes que falam sobre a história da ciência brasileira e a posição oficial do governo sobre esse tema. Um dos pontos que lhe chamou a atenção foi o pico de emissões de selos sobre ciência entre 1930 e 1950, na Era Vargas.
Segundo ele, nessa época, era preocupação do governo demonstrar apoio à ciência e à tecnologia como forma de valorização nacional. “A partir da revolução de 1930, o Estado começa a usar o selo como forma de posicionamento político”, diz. “O selo é usado como um instrumento de propaganda governamental, um recado político de Getúlio Vargas sinalizando a valorização da ciência e da tecnologia.”
A figura do cientista nacional também prevalece em relação aos internacionais nos selos analisados. Das 33 estampilhas com imagens de cientistas localizadas pelo pesquisador, 27 são de cientistas brasileiros e apenas três de estrangeiros, como o cientista e filósofo francês Auguste Comte, pai do positivismo. Segundo o regimento dos Correios, só podem ser homenageados nos selos postais personalidades já falecidas, com a exceção de chefes de Estado, atletas que conseguiram o primeiro lugar em olimpíadas e ganhadores do prêmio Nobel.
A partir da década de 1950, os selos de ciência começaram a ser produzidos não só para correspondências nacionais, mas também para cartas enviadas a todo o mundo. “Com isso o governo sinaliza uma tentativa de valorizar o conhecimento científico produzido no Brasil e ao mesmo tempo projetar nossos cientistas no debate científico internacional”, explica Salcedo.
Outro ponto destacado pelo pesquisador é a ausência de cientistas mulheres nos selos. “Em 100 anos de emissão de selos, não há a divulgação de sequer uma mulher entre cientistas nacionais e internacionais”, pontua. “Isso reflete como a mulher foi deixada de lado por muito tempo nas questões científicas.”
Em 100 anos de emissão de selos, não há a divulgação de sequer uma mulher entre cientistas nacionais e internacionais. Apesar de terem menos visibilidade que os homens na ciência do início do século 20, a figura da mulher cientista não era inexistente. Um exemplo é a química polonesa, ganhadora de dois prêmios Nobel, Marie Curie (1867-1939), que tinha destaque na mídia internacional e, inclusive, esteve no Brasil em 1926. Na ciência nacional, outras mulheres, como a bióloga Bertha Lutz (1894-1976) e a agrônoma Johanna Döbereiner (1924-2000), também se destacaram.
Selo de educação
“Usar o selo nas aulas é uma forma de despertar o interesse e uma reflexão crítica de estudantes e professores diante da ciência e de sua divulgação”, argumenta. “Eu mesmo uso esse recurso, seja para ilustrar uma temática ou para gerar debate. É interessante perceber como uma determinada visão de mundo pode ser desconstruída e reconstruída a partir de um selo postal.”
E continua: “Em algumas das minhas aulas, por exemplo, apresento para os alunos um selo com o busto de Oswaldo Cruz usado na comemoração de um Congresso Nacional de Microbiologia. A partir disso, discutimos sobre a escolha política desse cientista para representar o evento e também sobre a sua história na ciência.”
Para o pesquisador, o selo é um documento que continua vivo e não deveria ser substituído por novas tecnologias para contar a história da ciência no Brasil. “Muito se fala no uso de novas tecnologias como a internet na sala de aula, mas isso não exclui o uso do selo”, afirma. “As tecnologias não necessariamente se suplantam, muitas vezes, se complementam.”
***
[Sofia Moutinho, do Ciência Hoje On-line]