Estamos, sim, na era das máquinas. Mas a afirmação “elas vieram para nos substituir” está errada. O que está acontecendo é muito pior: nós, crianças mimadas, adolescentes rebeldes, adultos responsáveis e idosos sábios, estamos adquirindo a mesma capacidade dos produtos tecnológicos de reagir aos comandos de forma imediata, tecnicista e sem o uso da razão. Por esse motivo, jornalistas não têm o mesmo entusiasmo na profissão.
O problema fere o jornalismo quando percebemos a forma como nossas matérias são escritas: reescrevemos porcos releases – perdoem-me os bons assessores de imprensa –, realizamos entrevistas por telefone ou e-mail, redigimos com base nos dados que o pai dos burros, o Google, fornece. E como se isso não bastasse, os velhos dinossauros do jornalismo impresso têm que pensar na publicação online. Essa produtividade é típica dos robôs.
Sim, o jornalismo está se redescobrindo, mas o caminho é preocupante e a raiz do problema são as universidades. Lá, nossos mestres, em tom de súplica, nos pedem para sermos profissionais críticos, isentos, éticos, pesquisadores. Enchem nossos ouvidos de conceitos. Entretanto, no mercado são poucos os canais para se executar esse jornalismo modelo. E a própria universidade peca nesse sentido, deixando os malucos, os doidos que optam por fazer jornalismo, nessas condições.
Tudo bem, é aceitável que nesses tempos em que o Facebook se firma como um jornal o jornalismo perca espaço, pois é lá que as pessoas têm as suas vidas contadas e não em nossos periódicos. Embora a rede social seja um sucesso, o jornalismo não precisa imitá-la. A ideia de Gutenberg está tomando uma surra da ideia de Mark Zuckerberg. E o criador do Facebook a desenvolveu tomando uma cervejinha aqui e ali na Universidade Harvard. Enquanto Zuckerberg ri, Gutenberg chora. Por isso, não consigo olhar para o espelho sabendo que a profissão que escolhi está de cabeça inchada. Entre outros fatores, por causa da brilhante ideia de um nerd ressentido.
Meia dúzia de gatos pingados
Claro, por trás da nossa crise está o capitalismo. As pessoas não conseguem ler textos longos e se dispersam rapidamente. Por isso, a objetividade. Por isso, informar rapidamente é a prática ideal. Esse é o melhor produto que as empresas podem oferecer? Não sei. Mas é esse o caminho que as empresas têm perseguido fervorosamente. E o retorno financeiro? Ainda me parece pouco, pois a grande maioria dos profissionais da área entende que o salário do fim do mês mal pode ser chamado de remuneração. Não remunera o esforço diário. Quero saber mais? Essa vai para o dono do jornal: as assinaturas do seu veículo estão crescendo?
Tenho visto muitos colegas com olheiras e cansados de filosofar com o martelo. Quero crer, inclusive, que muitos jornalistas robôs cederam a essa pressão e seguem o novo padrão porque dentro das suas casas há crianças famintas. Os mais românticos e insistentes ainda se esforçam para praticar grandes coberturas, pisar em lugares diferentes e conversar com gente. Mas nem sempre é possível. Às vezes, eles têm mesmo que reescrever releases e se veem forçados a telefonar para as fontes porque o deadline é exíguo. Afinal, a melhor notícia é aquela que sai primeiro. E viva o jornalismo robótico.
Enquanto esses profissionais choram a transição de um jornalismo que ficará para a história e que contou histórias, lamento perceber que o meu ideal de vida exigirá de mim a paciência que Jó não teve. Eu e meus colegas teremos que passar por um caminho estreito e correremos o risco de sermos abocanhados pela imprensa alternativa, ou pela universidade. Ambos os caminhos têm muito valor. Mas as universidades ainda não querem discutir reformulação. E as mídias alternativas conversam com meia dúzia de gatos pingados, enquanto que o mundo tem sete bilhões de máquinas.
A maneira de prever o futuro é inventá-lo
Não se pode culpar a internet. Os malfeitores somos nós. Aliás, essa nova plataforma possibilita massificar a informação melhor que qualquer outra. O quadro a ser revertido é o da supervalorização das cifras. É esse maldito cenário econômico que impede a realização profissional de uma desesperada raça de jornalistas. É o momento de discutir com os chefões da grande mídia, pois o ser humano que trabalha forçado é apenas mais um, porém aquele que ama e acredita no que faz é o melhor na profissão.
Certa vez, Steve Jobs contou, por intermédio de Walter Isaacson, que a melhor maneira de prever o futuro é inventá-lo. Nossos historiadores terão duas opções: ou escreverão que a nossa sábia geração soube adaptar-se ao jornalismo robótico e respeitador de cifras; ou dirão que fomos rebeldes, optando por fazer um jornalismo onde enxergamos valor e significado.
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[Nícolas David é estudante, Florianópolis, SC]