Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Sensacionalismo travestido de jornalismo policial

Não é raro depararmos com matérias “jornalísticas” que ferem a ética e maculam a imagem dos profissionais de Comunicação. Sobretudo quando se está assistindo a programas “policiais” ou navegando em portais de notícia, quando o choque da composição entre palavras e imagens marca o leitor/telespectador, quando o jornalista é (re)conhecido por fazer circular notícias ruins – e de maneira deplorável.

Há algumas semanas, o vídeo “Acusado de estupro quer fazer exame de próstata” – produzido na Bahia para o programa Brasil Urgente da TV Band – ganhou repercussão nacional na internet (através da plataforma YouTube) e qualquer comentário de desaprovação diante do vídeo é desnecessário, tendo em vista que ele foi visualizado por mais de 1 milhão de pessoas, foi reprovado por milhares de usuários do YouTube e houve até mesmo uma ação do Ministério Público Federal do estado contra a (suposta) repórter. O caso dar-se-ia por encerrado, já que caberia à Justiça decidir qual a punição para a empresa e seus funcionários diante de um caso que evidentemente desrespeita os Direitos Humanos dos cidadãos. Mas cabe aos comunicadores uma reflexão mais profunda.

A matéria supracitada e a transgressão da equipe de jornalismo – infelizmente –, só implicaram uma ação judicial por conta da repercussão negativa que ocorreu entre os internautas. Não foi o desrespeito à integridade física e moral de um ser humano que levou à punição, mas a visibilidade virtual dos abusos ali cometidos e a inquestionável reprovação da sociedade diante do ocorrido, como se a deturpação do jornalismo policial não fosse algo corriqueiro. Se o sensacionalismo jornalístico fosse motivo de punição (por si só), muitas grades de emissoras de televisão e radiodifusão estariam desfalcadas de programas que lhes rendem enorme audiência – bem como muitos portais denominados noticiosos seriam proibidos de divulgar boa parte de suas matérias da editoria de Polícia.

As imagens provocam choque

Todos os jornalistas brasileiros – pressupondo-se aqui que eles acompanhem as atividades e produtos de muitas emissoras/empresas jornalísticas – sabem que a realização de programas que cultuam a violência e a degradação humana não são “privilégio” dos colegas baianos. No Piauí, por exemplo, o programa de maior audiência televisiva do estado foi (ou talvez ainda seja), por muito tempo, pautado por imagens trágicas, abordagens sem humanização e ridicularização de entrevistados, principalmente em portas de cadeias. Apresentadores agridem verbalmente os presos sem nenhum pudor – o que já foi inclusive parâmetro de disputa entre programas do “horário nobre” piauiense: qual programa mostrava mais sangue, mais crimes, mais pré julgamentos e mais palavras de baixo calão. E são assistidos por pessoas de diversas classes sociais, com variados níveis de escolaridade. Alex Pacheco (2005, online) afirmou que “As notícias sensacionais e que chocam atraem o público; contudo, na maior parte, são apuradas de forma inadequada, sem profundidade e com grandes possibilidades de distorcer o contexto real dos fatos”. Percebe-se que essas características sofreram alterações pouco expressivas nestes últimos sete anos.

Na quinta-feira (30/5/2012), o portal Meio Norte divulgou uma matéria (“Homem é executado com tiros na cabeça na Zona Sul de Teresina”) com imagens de um corpo caído no chão, cuja cabeça encontrava-se ao lado de uma poça de sangue. Era um jovem de 20 anos que havia sido morto a tiros em um bairro de Teresina (capital do Piauí) em uma suposta “boca de fumo” (local de comercialização de drogas). Mesmo com uma tentativa (mal feita) de desfocar a imagem do rosto da vítima, as imagens provocam choque. Outros portais que noticiaram o mesmo fato optaram por não publicar as fotos. Há duas hipóteses para isso: as fotos foram vetadas por questões éticas, ou os outros portais não conseguiram o material fotográfico para veiculação. É triste afirmar que a segunda hipótese é, provavelmente, a mais plausível no cenário jornalístico piauiense.

Não é a pauta do dia

Alguns acreditam que a solução seria o posicionamento da Justiça, da polícia e dos delegados na restrição das coberturas e entrevistas em matérias “policiais”. No entanto, mesmo que sejam adotadas medidas nesse sentido, o cerne do problema estará longe de ser solucionado, porque reside na carência ética e moral a qual o Jornalismo brasileiro vive. Se, por um lado, Sérgio Mattos (2011, p.30) explica que nos últimos vinte anos “o jornalismo ganhou em profissionalismo e perdeu em boemia […] passou a ter uma postura mais ética, o que limitou a atuação dos 'picaretas' que infestavam a área”, por outro, é perceptível que ainda há “picaretas” atuando como jornalistas, bem como há pessoas graduadas academicamente e habilitadas em Jornalismo que não agem de forma condizente à sua formação.

No entanto, as questões éticas relacionadas aos jornalistas são deixadas de lado, porque não atraem audiência, não geram acesso, não aumentam pontuação do Ibope. E o jornalismo policial piauiense não é discutido ou reformulado pelos meios de comunicação porque… bem… não é a pauta do dia, da semana, do mês ou do ano. Todo mundo está ocupado demais querendo saber por que o Ronaldinho Gaúcho não foi com a equipe do Flamengo jogar no amistoso em Teresina.

Referências

PACHECO, A. R. Jornalismo Policial Responsável. 2005. Disponível aqui.

MATTOS, S. Jornalismo, Fonte e Opinião. Salvador: Quarteto, 2011.

MEIO NORTE. Homem é executado com tiros na cabeça na Zona Sul de Teresina. 2012. Disponível aqui.

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[Tamires Coêlho é mestranda em Ciências da Comunicação na Universidade do Vale do Rio dos Sinos e graduada em Jornalismo pela Universidade Federal do Piauí]