Wednesday, 18 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1318

Millôr Fernandes morreu. Viva Millôr Fernandes

Idos de 1987. Foi a Cristina “Lelé” Silveira, se não me engano, que entrou em contato com Millôr Fernandes, pedindo uma entrevista para a centésima edição d’O Cometa Itabirano, que hoje trafega em outros céus. A princípio, negaceou da proposta o nosso Humorista Maior, alegando ausência de “condições morais” (sic) para falar a um jornal de Itabira, terra-de-vocês-sabem-quem. Claro, mais um chiste desse carioca do Méier em sua longa e profícua carreira de jornalista multimídia, quando isso ainda não existia, e que, com apenas 10 anos de idade, publicou seu primeiro desenho n’O Jornal do Rio, recebendo 10 mil-réis pelo trabalho.

Mas conversa vai e vem, Millôr acabou cedendo ao pedido após insistentes argumentos da Cristina e assim foi possível rolar um longo papo (mais de quatro páginas num jornal de vinte), ocorrido numa tarde em Ipanema de muita chuva e calor, naquele hoje longínquo 24 de janeiro de 1987. Millôr já conhecia o jornaleco e havia dado uns toques sobre nosso trabalho em outras entrevistas e no seu antológico “quadrado”, como ele dizia, na página 11 dos nobres editoriais do Jornal do Brasil, o finado JB.

Ao chegarmos a seu estúdio, na praça General Osório, eu e a Cristina, acompanhados do Geraldo Arantes e de sua Vilma, mais o jornalistas Marcelo Procópio e Cláudia Fonseca, além do fotógrafo Humberto Martins, El Toro, a tiracolo, em tom de blague fui logo advertindo: “… A tropa de Minas novamente desceu à Mantiqueira…”, alusão à participação dos mineiros na quartelada de 64. Daí a conversa não parou por mais de três horas, e Millôr ao lado da jornalista Cora Rónai nos brindou, ao vivo e em cores, com sua inteligência, verve e humor sobre assuntos diversos que vivíamos naquele período sarneyco. E por falar nesse sempiterno oligarca do Maranhão, ao ser indagado sobre o que achava da “obra” Marimbondos de Fogo, Millôr saiu com esta: “Ah, é uma idiotice, não dá nem para analisar. Sarney é um desses escritores que pensam que a regência acabou com a proclamação da República”. Sim, risos gerais.

Para um e para outro

Bão, como este O TREM Itabirano, neste junho de 2012, está completando 7 anos sem descarrilhar, reproduzo aqui o que este genial Millôr Fernandes disse sobre fazer jornalismo independente no interior mineiro, sobrevivendo a tudo e a todos:

“É um fato heroico! Acho que o jornal de vocês tem mantido uma linha muito correta, pelo que posso ver à distância. Vocês conseguem também tratar de certos problemas nacionais que não deixa o jornal ficar preso no negócio paroquial, entende? Eu tenho uma visão sobre essa questão de exigir o currículo obrigatório para se exercer o jornalismo.

“O próprio Sindicato dos Jornalistas defende muito esse currículo em nome de um trabalhismo que sempre foi muito complicado. A verdade é que esse currículo obrigatório acabou com a visão municipal e paroquial do jornalismo. O jornalismo ficou restrito então a uma classe média dos grandes centros, compreende? (…) Do ponto de vista puramente cultural e técnico, somente as profissões que põem risco imediato à vida dos outros devem ser cerceadas no seu exercício, através dos limites de um currículo. Agora, jornalismo é um paradoxo, porque se eu puder colocar em risco, digamos assim, a sociedade, é porque eu sou tão brilhante no meu jornalismo que passaria por qualquer currículo, não é mesmo? Débil mental não põe risco em coisa nenhuma, não é verdade? Idiota não faz jornal”.

Se serviu pr’O Cometa, serve perfeitamente para O TREM Itabirano.

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[Lúcio Vaz Sampaio é psicólogo e escritor]