Sunday, 22 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

A sujeira da CIA passada a limpo

A jornalista francesa Marie-Monique Robin fez um documentário interessante: Esquadrões da morte: a escola francesa. De acordo com seu trabalho de garimpagem científica, aprendemos que a França formou a verdadeira escola de tortura tipo exportação. O terreno de aprendizagem francesa – ou seja, de cobaias – foram os argelinos que lutavam pela libertação. Oficiais das três forças armadas testemunham neste documentário, tecendo uma realidade há tempos ocultada aos meios de comunicação.

Sabia-se que o filósofo militante Albert Camus havia assumido a causa da libertação na Argélia e que o pensamento político e filosófico francês levou muitos decênios para defender a causa argelina. Jean-Paul Sartre, por exemplo, que não gostava de Camus, preferia reafirmar seu comunismo ideológico entre quatro paredes, jamais na militância de uma causa política. Ainda porque a França não queria entregar a Argélia, era preciso continuar o ciclo da colonização. Mas Camus morreu antes da libertação argelina. Ha tempos, soubemos da influência americana nos golpes de Estado de todos os países da América do Sul. Entretanto, Robin descreve que a experiência e a prática francesas de jogar pessoas de pés e mãos atados no mar não é invenção dos oficiais argentinos e as piores crueldades cometidas contra a resistência são um aprendizado made in France. No país dos direitos humanos, onde Helder Câmara discursou em maio de 1970 denunciando os abusos militares no Brasil, tudo era repassado aos donos do poder e do medo no Brasil.

Guerra suja da CIA

Sabe-se, no entanto, que os EUA tinham bases no Panamá com o intuito de “ideologizar e doutrinar” os militares brasileiros e sul-americanos contra o perigo comunista. Os experts franceses eram convidados especiais para ensinar táticas de interrogatório e estiveram no Brasil, no Chile e na Argentina. O desaparecimento de líderes da oposição foi inaugurado pelos franceses na batalha da Argélia. A França criou os esquadrões da morte. Desta forma, os sociólogos franceses Yves Dezalay e Bryant Garth, no livro La mondialisation des guerres de palais, confirmam que os EUA tiveram papel importante a partir de 1950 no Brasil, Chile e Argentina, no interesse de investir na educação superior. De fato, alguns chilenos foram premiados com vagas nas melhores universidades americanas e depois ocuparam cargos importantes na ditadura de Pinochet. O objetivo americano, de acordo com Dezalay e Garth, era mergulhar nas ajudas filantrópicas, como as fundações Rockefeller e Ford, geradas no início pela CIA. A Fundação Ford rompe com a CIA e se torna uma força de oposição.

A inteligência americana derrubava governos em nome do interesse financeiro e político. O chefe da CIA era sempre o presidente americano. Por trás desta cortina de aparência cortês estava a guerra-fria. Um exemplo macabro nos lembra a eleição de Jacobo Arbenz na Guatemala de 1953. O pano de fundo da eleição de Arbenz era a reforma agrária porque 2,2% dos proprietários rurais detinham 70% das terras cultiváveis. A Guatemala era a maior produtora de banana e frutos tropicais, pertencentes aos irmãos John Foster Dulles e Allen Dulles. Eles eram sócios majoritários das ações da United Fruit Company. Mas os brothers Dulles ocupavam cargos importantes no governo Eisenhower e as terras monopolizadas por americanos não seriam nacionalizadas. No lugar de Arbenz, Allen Dulles, então diretor da CIA, colocou uma junta militar na responsabilidade de um amigo fantoche. A ditadura militar matou na Guatemala centenas de milhares de camponeses. Alguns anos mais tarde, Cuba sofreria as mesmas investidas da CIA e Fidel Castro teria escapado de mais de vinte tentativas de assassinato.

Imprensa engessada

Não é de hoje a história do controle dos meios de comunicação. A revista Time não deu nenhum crédito sobre a responsabilidade americana no complô da Guatemala. Já o New York Times foi menos cínico, de acordo com William Blum, e deixou correr os rumores de golpe indicando que aquilo não fora uma reunião sindical de líderes comunistas. Hoje, a imprensa pena para encontrar as razões da existência dos talibãs no Afeganistão. O mundo pira com a ideologia do bem e do mal, mas segundo os ex-diretores da CIA tudo aquilo é obra da inteligência americana. A contraespionagem da CIA criou os grupos de resistência afegã contra a invasão russa de 1979, armou os rebeldes da mesma forma como fez a CIA de Ronald Reagan com os contras da Nicarágua.

O resultado pró-americano é que Osama bin Laden foi cooptado para ser espião ao lado do bem nos EUA, desertou e dizem que destruiu as duas torres gêmeas. O que aqui escrevi é apenas uma pincelada da história em que a tão potente imprensa ficou engessada dos pés à cabeça. Os oficiais franceses da batalha da Argélia não permitiram que se guardassem arquivos e um dos únicos resquícios desse período é o filme ítalo-argelino boicotado pelos meios de difusão cinematográfica.

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[Mario Doraci Pinheiro é jornalista, radicado na França, mestre em Sociologia da Comunicação]