A mídia mundial vive mais um frisson, já que vende tragédias e delas depende para sobreviver. Entendo isso. Mas quando um jovem se intitula O Coringa, invade um cinema lotado, onde o novo filme do Batman estreava, e abre fogo contra a plateia, temos de repensar nosso modus vivendi. Ou seja, a sociedade cria seus próprios monstros reais; seres humanos aparentemente inofensivos agindo de maneira desumana. Nos Estados Unidos, que é o país mais democrático do planeta, essas atrocidades estão se tornando quase banais. Dessa vez o protagonista é novamente um jovem. A novidade é que ele é formado em neurociência. Será que nesses tempos loucos, em que a Terra vive uma espécie de transe econômico, seremos obrigados a assistir uma juventude assassina extravasando sua ira?
Entre as vítimas está o próprioBatman, um super-herói de origem inglesa que ganhou o mundo defendendo a sociedade da fictícia cidade de Gotham City. O animal em fúria deu as costas para o Batman na tela e fuzilou dezenas de pessoas; a realidade superou mais uma vez a ficção. O Batman é inocente, mas pode se tornar indecente e culpado de alguma forma pela tragédia. Este tipo de comportamento sociopata está ficando cada vez mais normal. A mídia vende mais quando os jovens malucos entram em ação. Eles são os verdadeiros super-heróis da mídia; ganham fama e notoriedade depois que põem em prática seus planos criminosos. Quem matar mais gente vence a disputa. Este é o país símbolo da democracia capitalista que a cada ano afunda mais e coloca em xeque todo um sistema econômico. Roma está ruindo. Assistimos ao declínio de um império. O cinema não copia a vida – inventa-a; vende ingressos e com sorte ganha publicidade extra graças aos jovens desajustados que resolvem chamar a atenção de toda sociedade mundial. Estamos estarrecidos? Surpresos?
Não. Na verdade estamos felizes por estar vivos? Talvez. O fato é que torcemos para Roma ruir. Vão depositar a culpa no Batman e isso levará multidões às salas de cinema de todo o mundo. Somos solidários com o super-herói da ficção e condenamos a realidade hollywoodiana que se manifesta de forma torpe na vida real. Realidade e ficção fazem parte do mesmo complô e o final não é feliz.
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[Zeca Fonseca é fotógrafo e escritor]