Na edição de terça-feira (31/7), o jornal O Dia traz duas notícias sobre greves. E em ambas podemos ver como a imprensa burguesa tem um manual reacionário de jornalismo para analisar a mobilização dos trabalhadores.
As notícias são:
1. Greve [de professores e funcionários] empurra ano letivo até depois dos dias de Carnaval. Por Aline Salgado. Acesse aqui: http://odia.ig.com.br/portal/educacao/greve-empurra-ano-letivo-at%C3%A9-depois-dos-dias-de-carnaval-1.469745
2. Protesto de caminhoneiros eleva preço de hortifrútis. Por Fernanda Alves. Acesse aqui: http://odia.ig.com.br/portal/economia/protesto-de-caminhoneiros-eleva-pre%C3%A7o-de-hortifr%C3%BAtis-1.469695
Nas duas matérias, o título já deixa evidente a intenção do jornal: colocar a sociedade contra os grevistas. No caso da greve de professores das universidades federais, o objetivo é sensibilizar os leitores para ficarem contra a greve, sobretudo os alunos, pois terão suas férias de fim de ano prejudicadas. O jornal chega ao ponto de divulgar uma declaração patética como essa: “Vamos acabar estudando em janeiro e fevereiro. Enquanto todos os amigos estão de férias, aproveitando o verão e o calor, estamos sofrendo atrás dos livros”. Ou seja, enquanto nós, grevistas universitários, buscamos a todo custo que as pessoas reconheçam a universidade pública como um patrimônio de toda a nação, e por isso todos precisam acompanhar com atenção o desenrolar da greve, o jornal O Dia enfraquece a importância que esta luta tem pela educação e para o país, opondo nossa greve ao lazer e a curtição do verão carioca. Patético e lamentável!
Apenas um detalhe
O que O Dia quer nos fazer acreditar é que a greve de professores e funcionários das universidades federais é um grande transtorno e que os estudantes é que vão acabar pagando o pato devido à intransigência do sindicato. Para completar, repetiram mais uma vez a mentira deslavada de que a proposta do governo oferece “45% de aumento” aos docentes, sem explicar que apenas uma minoria receberá isto – só quem consegue chegar ao topo da carreira, hoje, menos de 10% dos professores. Enquanto para a grande maioria dos docentes, segundo a análise da Andes sobre a proposta do governo, o aumento não cobrirá nem mesmo a inflação projetada no período. Está tudo isso demonstrado no site da Andes, mas por que o jornal não fala isso?
E não é à toa que ainda publicaram nessa reportagem uma imagem com estudantes que ocuparam o Canecão como forma de lutar por um centro cultural público, uma imagem que conta com uma bandeira do DCE da UFRJ ao fundo, para em seguida manipular a opinião dos leitores dizendo que para os militantes “o fim da greve não é primordial”. Este tipo de jornalismo desinforma no lugar de ajudar as pessoas a entenderem o que se passa. O Dia omite fatos fundamentais para tentar manipular a opinião dos leitores, invertendo totalmente a situação. Na verdade, toda a intransigência para solucionar esse conflito está com o governo. Isso é facilmente demonstrado pelo fato de que o governo só apresentou uma proposta formal à Andes quando a greve das universidades federais estava para completar dois meses. E por que o jornal O Dia não acusou o governo de não priorizar sua atenção na mobilização dos trabalhadores da educação? Ou ao menos responsabilizar o governo diante do atraso do calendário acadêmico? Por que será que o jornal O Dia aponta o dedo para os grevistas ao mesmo tempo em que poupa o governo de críticas?
Sobre a matéria a respeito dos caminhoneiros, o objetivo foi igual. Ficou evidente também que o jornal tentou jogar a sociedade contra os caminhoneiros. A tática usada foi dizer que os consumidores terão que encarar aumento nos preços dos alimentos por conta da mobilização em curso nas rodovias. Para cumprir este objetivo ainda publicou a seguinte pérola: “O aumento é explicado pela especulação dos comerciantes que contam com itens para vender e, por isso, elevam os preços dos produtos, além da natural lei da oferta e da procura.” Mas gente, peraí…. Até onde eu compreendo de economia, aprendi que se existe uma coisa no mundo que não tem nada de “natural” é o capitalismo. A lei da oferta e da procura é resultado nada mais nada menos do sistema de produção e comercialização de mercadorias sob a base da propriedade privada como fábricas, terras e, no caso de comida, devemos incluir os supermercados também. Aliás, por que será que o jornal O Dia, quando quer discutir o preço dos alimentos, não divulga o ranking da Abras – Associação Brasileira de Supermercados? Não seria razoável dar conhecimento aos leitores sobre o fato de que dentre as cinco maiores redes de supermercados que operam no Brasil, quatro são empresas estrangeiras? Não seria razoável explicar que os supermercados ganham explorando as empresas que produzem as mercadorias e os consumidores que compram as mercadorias? Mas não, o jornal O Dia prefere atacar a greve de caminhoneiros e dizer que eles são os responsáveis pelo aumento de preço por paralisar as estradas, e não o lucro das multinacionais. A luta da categoria caminhoneira pela redução de uma jornada de trabalho estafante de 13 horas diárias é apenas um detalhe na reportagem. Isso consta na matéria de forma secundária, só para citar formalmente e não deixar o artigo sem sentido. Lamentável, novamente.
Jornais operários
Falando de greves, tentamos elaborar algumas interrogações que o jornal “se esqueceu” de fazer e que acreditamos que seria bem interessante se os leitores pudessem ler mais e debater sobre elas: Por que o governo demorou tanto a negociar com estes grevistas que paralisam as universidades e as estradas em sinal de protesto? E a questão mais importante: por que o governo Dilma, eleito com um compromisso claro de defender os trabalhadores, tem tratado as greves de forma tão parecida como os governos anteriores, que era claramente comprometidos com o capital? No caso dos docentes, o governo já mandou até mesmo as administrações das universidades cortarem o ponto de quem está em greve. Por que será que estes verdadeiros questionamentos sobre as greves raramente são feitos nessas reportagens?
Que fique claro que para elaborar este artigo nós não acompanhamos toda a cobertura que o jornal O Dia fez da greve das universidades e dos caminhoneiros, no limitamos a poucos e isolados artigos. Mas não deixamos de ficar incomodados com esse tipo de jornalismo sobre a luta daqueles que trabalham duro de verdade para a produção de riquezas e funcionamento da sociedade. Os professores e os caminhoneiros deveriam ao menos ser mais respeitados por estes veículos de comunicação. Mas em termos de conteúdo, será que poderíamos esperar outra coisa de um jornal comprometido com os interesses patronais? Acreditamos que não. O que nós, trabalhadores, deveríamos fazer, além de acompanhar as notícias sobre a nossa mobilização na mídia em geral, é dar mais atenção e fortalecer a nossa imprensa, os jornais operários.
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[Flávio Almeida Reis é mestrando em Geografia na Universidade Federal Fluminense]