Saturday, 02 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1312

A cidadania contra a corrupção

O Brasil, infelizmente, virou o paraíso da corrupção, da improbidade administrativa, dos desvios envolvendo recursos públicos, do nepotismo, do superfaturamento, dos mensalões, da impunidade e tantas outras mazelas. Mais uma vez, a corrupção abala a credibilidade da esfera política brasileira. Agora, nas hostes da oposição. O senador Demóstenes Torres (DEM-GO) fez o seu tão recorrente discurso em defesa da ética no Senado esfumar-se devido à sua amizade com Carlinhos Cachoeira, como revela a revista Veja (ed. 2263, de 4/4/2012, p.76). De acordo com a revista, tal envolvimento foi o responsável pela “descida de Demóstenes aos infernos”. É hora de dizer não a tanta bandalheira antes que o Estado democrático de direito acabe e com ele se vá também o sonho de liberdade que custou tão caro ao país. Cansei das discussões estéreis e maniqueístas entre esquerda e direita. O que me interessa, de verdade, hoje em dia, é afastar de vez da vida pública os maiores inimigos do Brasil: os políticos corruptos e a impunidade. Estejam eles assentados nos palácios, acobertados por siglas partidárias, ou estribados em qualquer esfera do poder.

Não nego que o Brasil avançou muito nos últimos 18 anos. Desde a criação do real, em 1º de julho de 1994, as taxas de inflação diminuíram drasticamente. Com a moeda estável, foi possível transferir rendas para as famílias mais pobres. Entretanto, em relação à ética na atividade política, o país ficou para trás. O Poder Executivo tem se mostrado inoperante e incapaz de investir no combate à corrupção com medo de desagradar às bancadas que lhe dão sustentação política; o Congresso Nacional não vota leis que protejam a sociedade do crime organizado e da corrupção; o Judiciário, com a sua proverbial lentidão, não aplica as leis em tempo hábil para fazer justiça. Não tenho dúvida em afirmar que a decomposição moral que se instalou no país só vai ter fim quando houver a mão firme do Estado e o envolvimento da população para combatê-la.

Exercício da cidadania

Em 2010, vi, com esperança renovada, a cidadania aflorar de novo na consciência do brasileiro. As pessoas começaram a se posicionar contra a desordem social instalada no país e passaram a exigir mecanismos que devolvessem a sua dignidade, usurpada através do projeto de lei chamado “ficha limpa”. Com mais de 1,3 milhão assinaturas, o Congresso Nacional não teve alternativa senão aprovar aquele plano de iniciativa popular, cujo apelo era impedir candidaturas de políticos condenados por atos de corrupção. Uma proposta e tanto. Todos teríamos a ganhar se o Supremo Tribunal Federal não resolvesse jogar um balde de água fria em nosso entusiasmo e definir que a regra só valeria para os próximos pleitos. Ainda assim, valeu a pena.

Sim, porque sabemos que de agora em diante a lei da “ficha Limpa” vai desestimular candidaturas de notórios malfeitores, o que não nos impede de ficarmos atentos. Principalmente na hora de registrar o nosso voto. É fundamental acompanhar, cobrar e fiscalizar as ações daqueles que ajudamos a eleger para evitar as falcatruas, a corrupção desenfreada e a desfaçatez que tomaram conta da esfera política brasileira em todos os níveis. Se as autoridades constituídas não desenvolvem mecanismos para prevenir a corrupção, que nós o façamos. E o voto é uma arma poderosa para combater nesse campo minado. Hoje em dia, dispomos de recursos que nos permitem sermos observadores políticos privilegiados, sem nos deixar levar por promessas vãs, ao contrário de outros tempos, quando ficávamos de fora, sem saber o que se passava nos bastidores da política, sem ter como cobrar as promessas de campanha, tampouco saber se o nosso candidato participava ou não de atos indecorosos. Agora, não. Temos ao nosso dispor vários instrumentos para o exercício da cidadania.

Comecemos já

Modernas tecnologias da informação, como o computador, as redes sociais na internet, e-mails, Twitter, Blogs, Facebook e por aí vai. Através de tais mecanismos, sabemos de tudo o que se passa no Brasil e no mundo, podendo daí tirar nossas próprias conclusões sobre a conduta desse ou daquele político a quem confiamos (ou vamos confiar) o nosso voto. Além desses meios, existem os dois canais de televisão da Câmara e do Senado, duas valiosas ferramentas de que podemos nos valer para conhecer as atividades do político que elegemos para o Congresso Nacional. Os dois canais focam tanto os bons quanto os maus políticos, fato que facilita o nosso questionamento na hora de votar. Portanto, temos à nossa disposição esses caminhos para voltar a sonhar o sonho que a corrupção insiste em querer transformar em pesadelo e, quem sabe, tornar a acreditar na atividade política. Pelo menos naqueles que não compactuam das distorções morais dos que fazem da corrupção uma norma de conduta e da falta de ética um meio para atingir propósitos inconfessáveis.

Votar consciente, portanto, já é um bom começo. Como diz a jornalista Dora Kramer, o momento é de ter “a ousadia de tudo repensar para não repetir os erros do passado”. Se excluirmos da vida pública quem troca de partido, quem recebe propinas e pactua com o crime organizado, quem discursa sem dizer nada, quem apoia os poderosos de plantão em troca de favores, quem vota leis em benefício próprio, quem emprega parentes, quem rouba dinheiro público, quem faz parte da “bancada do silêncio”, quem prefere a penumbra para encobrir negócios escusos, quem tem “ficha suja” e tantas outras falcatruas, vamos contribuir para livrar o país dessa gente que insiste em se manter em estado larvar, manchando a imagem do país e nos envergonhando perante as outras nações. Para começar, vamos deixar de lado o desencanto com a política, vendo-a como uma prática menor. Sou de uma geração em que era comum ouvir-se que política não era coisa de homem de bem. Uma clara inversão semântica do conceito aristotélico de zoon politikon “o homem político de Aristóteles” como observa o filósofo Mario Sergio Cortella (Política para não ser idiota, 3ª ed. 7 Mares, 2010, p.34). É Cortella quem propõe repensar tais conceitos e encarar a política como coisa séria porque o que nos torna mais humanos, diz ele, “é justamente a capacidade do exercício da política como convivência e como conexão de uma vida” (id.ibid, p.38). Portanto, comecemos já, nas próximas eleições!

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[Luiz Carlos Santos Lopesé jornalista, Salvador, BA]