Wednesday, 18 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1318

O Brasil olímpico de 2016 e as suas “medalhas”

O Brasil deixou as Olimpíadas de Londres com um total de 17 medalhas, ocupando a 22ª posição no ranking geral. O número superou a previsão do Comitê Olímpico Brasileiro (COB), que tinha como meta o mesmo resultado de Pequim 2008. Entre as conquistas alcançadas tivemos atletas que surpreenderam e conquistaram medalhas de ouro, como as vitórias de Sarah Menezes, no judô feminino, e de Arthur Nabarrete Zanetti, na ginástica artística. Entre as cinco medalhas de prata conquistadas, além das conseguidas na natação e no vôlei de quadra e areia, tivemos o pugilista Esquiva Falcão como destaque. As nove medalhas de bronze foram alcançadas por Adriana Araujo (boxe feminino), Yamaguchi Falcão (boxe masculino), Felipe Kitadai e Mayra Aguiar (judô), César Cielo (natação), Robert Scheidt e Bruno Prada (vela) e Juliana e Larissa (vôlei de praia feminino) e destaque para a pernambucana Yane Marques que conquistou a medalha no pentatlo moderno [esporte tradicional nas Olimpíadas é composto por cinco modalidades: esgrima, natação, hipismo e combinado (alternância de corrida e tiro esportivo)].

A expectativa, para muitos, de um maior e melhor desempenho do time brasileiro nos Jogos Olímpicos ficou agora para 2016 no Rio de Janeiro. Com o quê? O apoio da torcida? Veremos! Após o encerramento dos Jogos de Londres foi divulgado em alguns meios de comunicação que a presidenta Dilma Rousseff deve anunciar um “Plano Medalha”, o que aumentará os recursos destinados aos esportes de alto rendimento no país. O programa deverá ter como foco modalidades os esportes individuais, que distribuem mais medalhas e são o “ponto fraco” do time Brasil.

Segundo o nosso ministro Aldo Rebelo, outro programa, chamado até agora de “Bolsa-Técnico” destinará recursos para a equipe de especialistas que acompanha os atletas. O ministro declara que o foco no aumento do número de medalhas acontece, além da pressão do país-sede, por causa do efeito “pedagógico” sobre as novas gerações. De acordo com o Ministério do Esporte, a prioridade do atendimento do Bolsa-Atleta são os atletas olímpicos e paraolímpicos (fonte: BBC – Brasil) [algumas de suas declarações estão disponíveis aqui].

Aquem queremos provar ser “potência olímpica”?

Os recursos para investir nos esportes olímpicos são repassados ao COB pelas loterias federais (2% da arrecadação), por meio da Lei Agnelo Piva. Foram R$ 331 milhões entre 2009 e 2012. Não estão computados nesse montante os investimentos diretos do governo federal, como o Bolsa Atleta [disponível aqui]. Apesar de eventos distintos, em relação à Copa do Mundo no Brasil, os gastos estimados subiram de R$ 25 bilhões para R$ 27,4 bilhões, segundo estudo divulgado nesta semana pelo Tribunal de Contas da União (TCU) [disponível aqui].

Confesso que tenho sentimentos contraditórios e difusos quando penso nas Olimpíadas no Brasil em 2016. Eu torço ao ver os jogos, grito, comemoro, mas depois me lembro que os Jogos Olímpicos chegarão ao Brasil em um país marcado por uma série de questões de fundo social consideradas crônicas ainda atualmente, além de que causa desconforto essa busca, que soa um pouco esquizofrênica, por medalhas e a equiparação com determinadas “potências” olímpicas. Ampliando o nosso quadro de desigualdades sociais no Brasil, há também desigualdades na quantia de incentivos e apoios esportivos para os atletas brasileiros dentre as modalidades.

Pode até parecer, mas não estou querendo me somar ao coro daqueles que dizem “no Brasil não devia ter Olimpíadas” etc. Agora tenho interesse em me somar ao coro de quem quer questionar “Quais Olimpíadas queremos e teremos em 2016?” Afinal, os Jogos Olímpicos virão para o Rio de Janeiro, como a Copa do Mundo, mesmo não passando por plebiscito ou referendo popular, como o do desarmamento, em 2005. Nessa perspectiva, já que quero questionar qual Olimpíada ainda podemos ter, gostaria de esboçar uma idealização, ou quem sabe, dada a atual conjuntura, um direito ao “delírio”. A partir disso cabem ainda algumas questões: Para quem queremos provar ser “potência olímpica”? Por quê? Aonde queremos chegar com isso? Quem pagará a conta? (Bom, essa última parece já ter resposta: nós, o povo.)

A lógica do darwinismo

Cabe ressaltar e lembrar que a desigualdade social e a distribuição desigual de riqueza no Brasil configuram-se como sistêmicas [Relatório do Desenvolvimento Humano de 2011. PNUD/ONU. Fonte: disponível no link: http://hdr.undp.org/en/media/HDR_2011_PT_Summary.pdf] e também estão contidas nos campo dos esportes. Evidencia-se que a nossa condição de terceiro país mais desigual do mundo não está descolada da questão dos esportes, como muitos irão automaticamente elaborar. Podemos acreditar, essas desigualdades estão mais relacionadas do que imaginamos. Basta verificar os investimentos e a atenção dada ao futebol, vôlei, natação e atletismo, por exemplo, em relação às outras modalidades esportivas.

Ao que tudo indica também corremos o risco de cair em uma onda de investimentos direcionada a uma pedagogia no ensino de educação física relativa aos esportes de alto rendimento e competitividade. Nesse sentido, talvez estejamos fadados a ter em nossas escolas um pedagogismo da competitividade, propiciando aprofundar nos espaços escolares individualismos, preconceitos e segregações existentes. Aliás, nessas mesmas escolas dosnove estados em que o índice piorou em relação aos Índices de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB) entre 2009 e 2011. O discurso de que os esportes de alto rendimento estimularão a prática do esporte e lazer em geral, além de ser automatista, é simplista. Contudo, o ministro Aldo Rebelo, “o cara do Código do Florestal”, não parece estar muito preocupado com isso, mas sim, com quantas medalhas vamos ter em 2016.

Ainda, não dá para deixar de lembrar. Temos 57 universidades federais em greve, três meses sem aula e sem negociação por parte do governo. As comunidades universitárias reivindicam melhores remunerações e condições de ensino, pesquisa e extensão. Já que a ideia é ser uma potência olímpica e se comparar a EUA e China, vale recordar que é nas universidades que esses países também formam seus atletas medalhistas. Fica a dica!

A sociedade moderna segue um curso de seleção do mais forte e mais hábil e é neste caminho de valorização da vitória (principal objetivo) que o esporte de alto rendimento tem em seus princípios. Para sermos uma potência olímpica, além de ter que seguir as normas de um sistema esportivo demandado por um mundo capitalista do qual fazemos parte, além de não dialogar e respeitar as nossas características socioculturais e históricas, tenderemos a reproduzir a lógica do darwinismo esportivo.

Asalterações exigidas

Aliás, diga-se de passagem, de certo modo, não será muito contraditório, pois se formos atentos ao nosso propalado projeto de desenvolvimento e inclusão social, atualmente, muitas vezes aqui e acolá se exala um “cheirinho” de darwinismo social em projetos e discursos. Mesmo que tenhamos políticas que tenham em seu escopo dizer reconhecer a diversidade, reconhecem na medida de que todas e todos assimilem ou aceitem sem questionar uma determinada lógica socioeconômica de produção e consumo.

Nesse esteio da desigualdade e injustiça social ainda temos a situação de cerca de 170 mil famílias estão ameaçadas de remoção em todo o país devido as obras relacionadas aos megaeventos, no caso da copa e Olimpíadas no Rio de Janeiro, fora outras cidades apenas com a questão da Copa. Enquanto o prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes, recebia a bandeira olímpica, 22 mil pessoas vivem com medo de perder suas casas, sendo que 8 mil já foram removidas, afetando diretamente 24 comunidades.

Em um dossiê divulgado recentemente consta, a olhos vistos, também é possível perceber, que a maioria das decisões sobre destinação orçamentária, prioridades eleitas e projetos previstos para a Copa do Mundo de 2014 e os Jogos Olímpicos de 2016 não foi, em nenhum momento, submetida ao escrutínio e ao debate público, que passam ao largo dos Conselhos da Cidade e Conselhos de Política Urbana ou da apreciação dos próprios sujeitos afetados, primeiros interessados em se manifestarem. Tal postura é adotada não apenas pelos três entes federativos (União, estados e municípios), como também no âmbito dos três Poderes. No que diz respeito ao Legislativo, o discurso da “urgência” inviabiliza o debate sobre as inúmeras alterações legais de exceção aprovadas sob exigência da Fifa, do COI e de seus parceiros comerciais [fonte: “Dossiê Violações de Direitos Humanos”].

Ainda há tempo de reposicionar decisões políticas

A remoção da Vila Autódromo, cuja maioria dos lotes é regular e tem título de Concessão de Direito Real de Uso (instrumento de regularização fundiária do Estatuto da Cidade), é apresentada como necessidade para a construção do Parque olímpico, acionando argumentos de preservação ambiental [fonte: notificação ao COI sobre proposta de remoção da Comunidade Vila Autódromo para definição de um período de segurança para os Jogos olímpicos de 2016, disponível em http://olimpicleaks.midiatatica.info; http://www.comunidadevilaautodromo.blogspot.com]. Teria alguns outros vários exemplos para mencionar, mas creio que esses já ilustram bem a situação que vivenciamos no Brasil.

Este não é um artigo de um “afetado” político que só crítica e quer fazer denúncias, mas como diria nosso sempre querido Gonzaguinha é mais um “grito de alerta”, que se soma ao de tantas outras pessoas que estão indignadas e mobilizadas frente a essa situação e que querem ainda acreditar nesse governo. Trata-se da escrita de quem até um dia pensou que poderia ser interessante ter uma Copa do Mundo e Olimpíadas no Brasil, sim, mas não dessa forma e a qualquer custo.

Acredita-se, mesmo que com dificuldades, que ainda há tempo de reposicionar decisões políticas, rever rotas e acertar os aprumos e diminuir os danos sociais, econômicos, ambientais, de direitos humanos etc., causados direta e indiretamente por esses megaeventos e a galopante especulação imobiliária do nosso país. Aliás, essas e outras questões não estarão provavelmente nas manchetes do PIG (que também ganha com isso) e não serão analisadas por muitos que se empenham em macular a qualquer cu$to e acriticamente o nosso governo. Quando uso o termo “nosso” é porque sou ainda apoiador e cooperante com determinados segmentos desse governo.

Do pentatlo e corrida no saco

Se a ideia é ser uma potência olímpica, o nosso país precisa deixar de ser uma efusiva potência geradora de desigualdades e injustiças sociais. Lembrando que no quadro de medalhas da desigualdade social no mundo estamos muito bem ranqueados, diga-se de passagem. Aliás, estas e outras coisas, como os altos índices de extrema pobreza que não temos mais no Brasil, como antes, poderíamos também ter deixado no passado junto com o governo tucano de FHC.

Apesar disso tudo, torço para que sejamos um país medalhista em promover dignidade, igualdade e justiça social. Desejo um Brasil desenvolvido e um governo que seja destaque no mundo por promover condições de acesso aos mais diversos esportes no Brasil, inclusive o futebol na Copa, de forma pública e com qualidade a partir dos próximos anos, muito além das olimpíadas de 2016. Poderemos ter muito mais medalhistas nas Olimpíadas de 2016, mas necessitamos ter alicerces e grandes investimos em práticas educativas nos esportes a partir de um viés inclusivo e com a promoção de atividades recreativas e formativas referenciadas nos princípios da cooperação, do engajamento social, do pensamento crítico, da integração e convivência na diversidade etc.

Bom, agora vale prestar atenção nos, não menos importantes, Jogos Paraolímpicos. Enquanto isso, em meio, a esses sentimentos contraditórios que expus e a atual conjuntura social do nosso país, torço a cada dia para que surjam mais e mais atletas como Esquiva Falcão e os meninos que “jogam pelada” nas ruas desse país e que tantas outras modalidades esportivas, desde o pentatlo até a conhecida corrida no saco, apresentem e revelem mais e mais praticantes.

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[Sérgio Barcellos é veterinário e pesquisador, Rio de Janeiro, RJ]