Sunday, 24 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Abril, Globo e o dom da manipulação

No início da minha juventude, por volta dos 18 anos de idade, dentre as muitas atividades que exerci para a sobrevivência estava a de vender assinaturas de revistas da Editora Abril. Em tal empreitada, o melhor que eu podia conseguir em termos financeiros era vender a assinatura da revista Veja, já que, sendo semanal, me rendia uma comissão muito maior do que as outras publicações mensais daquela editora. O grande problema é que eu vendia um produto do qual eu mesmo falava mal. Sim, eu vendia Veja, mas, ao mesmo tempo, a chamava de “instrumento de uma imprensa marrom; uma imprensa suja e mentirosa”.

Para quem acha que eu vendia mal, já que todo vendedor tem de defender e acreditar piamente no produto que oferece, tenho de informar que eu era um dos melhores vendedores da Abril, chegando a ganhar quase mil reais por semana com a venda de assinaturas! O fenômeno se dava porque, ao oferecer o material, eu dizia ao cliente que era bom ler a Veja já que, se ela se mostrava como uma publicação extremamente alienadora, era preciso ler seus conteúdos, pois só assim se poderia criticar e fugir à alienação de uma mídia deveras manipuladora. Meus superiores, é claro, nunca souberam de tal argumento e eu sempre fui demasiadamente elogiado pelo número de vendas e pelos lucros que gerei à Abril e à minha casa.

Lembrei-me dos meus argumentos de outrora ao passar pelas bancas no início deste mês, agosto. Na capa da Veja, um confronto novelístico envolvendo duas excelentes atrizes, Débora Falabella e Adriana Esteves, mostrava o quanto eu estava certo, mesmo com apenas 18 anos de idade, quando a gente quase sempre está errado. A manchete dizia que se tratava de uma “vingança com 190 milhões de cúmplices”. Sim, pelas letras daquela revista, todo o país estava ligado a uma única emissora e sua bem arquitetada trama dramatúrgica das 9 da noite. Isso, óbvio, não condiz com a realidade, já que existem milhões de aparelhos que não estão sintonizados no mesmo canal, o que faz, portanto, com que cheguemos a mais uma possibilidade de atentarmos para aquilo que se quer chamar de opinião pública.

Atentando para as contribuições de Karl Marx (A ideologia alemã) e de Patrick Champagne (Formar opinião), chegaremos a uma boa maneira de entender as intenções da Rede Globo e da Editora Abril. Parceiras e mestres no dom de manipular, tais aparelhos de mídia nada mais fazem do que tentar instituir a opinião da classe dominante como opinião inconteste e dominante, como defendia Marx, bem como intentam transformar em opinião pública aquilo que na verdade não passa de opinião publicada, como bem defendia Champagne. A grande jogada, no entanto, é que agora a ideia dominante se traveste de opinião popular, uma vez que, com um linguajar muitíssimo próximo ao do “povão”, novelas como a que serviu de capa para a Veja aparecem cada vez mais como “aquilo que o povo quer ver” ou “aquilo que todo mundo vê”, fazendo voltar a valer o reducionismo de Thales de Mileto, de uma Grécia que ainda não conhecia a palavra crise. Ao contrário de um processo de distinção social, onde, segundo Pierre Bourdieu, a classe dominante faz de tudo para se distanciar dos estratos mais inferiores, o novo modelo de manipulação usa de uma sagacidade ímpar e nunca dantes vista, tentando indicar que “todo mundo é povão” e que “o povão está na moda”. A falácia só cai por terra quando do momento de usufruto dos bens de um país que está entre os oito mais ricos do mundo, pois falando de educação, saúde, segurança e vivência sem corrupção, a distinção aparece de forma singular, dizendo aos pleiteadores de direitos: “Vai ver novela, vai!” (Cleinton Souza é sociólogo, autor da obra Religião, racismo e etnicidade, Campinas, SP)

 

Jornais mais lidos do Brasil

O jornal diário Super notícia, de Belo Horizonte, Minas Gerais, foi o mais vendido do Brasil no mês de julho, segundo levantamento do Instituto Verificador de Circulação – IVC. Ele registrou uma venda média diária de 330.898 exemplares, contra 296.288 e 262.837 da Folha de S.Paulo e do Globo. Vem da imprensa americana a premissa de que tiragem de jornal é segredo de Estado, assim como suas listas negras. Só que, na situação atual, o marketing dos jornalões brasileiros busca a toda hora iludir seus próprios leitores, patrocinadores e governo quanto à sua preponderância como os mais lidos e influentes, enquanto páginas inteiras deles são tomadas pela publicidade de automóveis, supermercados e condomínios.

O jornal Super notícia custa R$ 0,25 e conta apenas com um editor, uma secretária de redação, dois subeditores e dois redatores. Não há nenhum repórter no expediente mas há várias notícias internas assinadas. A primeira página é sempre ocupada por manchetes policiais – que até têm vindo da política, ultimamente; fofocas de TV; mulheres seminuas e futebol. E, no momento, chamadas sobre as atuais campanhas eleitorais. A página dois é aberta a colaboradores e leitores, seguindo-se todas recheadas de anúncios, mas nenhum de página inteira, a não ser as duas centrais. No mais, o jornal dispõe de uma boa programação de TV; de artes, shows e espetáculos em Belo Horizonte – inclusive os de preços mais acessíveis –, terminando com uma cobertura esportiva ampla que inclui colunistas. Pode não ser a grande imprensa nacional mas certamente não é a menor e é a mais lida (Zulcy Borges de Souza, jornalista, Itajubá, MG)

 

Observatório da TV

Trabalho na Folha de Pernambuco. Estou assistindo ao Observatório e achando o máximo! Maurício Torres: sua transmissão foi impecável! Parabéns! (Tânia Lima, assistente administrativa, Recife, PE)

 

Quem tem razão

A Folha de S.Paulo do domingo (26/8) teve como primeiro editorial: “BCs voltam à carga”. Perguntaria qualquer humilde leitor: BCs? Devem ser bancos centrais, e quais? Pois bem, do mundo inteiro. É qualquer coisa de alucinante ler, em seguida, “Fed indica que pode seguir sinais emitidos pelo Banco Central Europeu”… (bem, vou parar por aí). O segundo editorial, do mesmo dia é: “Monopólio indefensável”. Tive paciência e coragem de ler os dois que a seguir comento. O primeiro parece ter sido escrito por Milton Friedman ou o Dr. Silvana. Afinal só os dois do além, além de seu redator, conheceriam a tal ponto a economia mundial. O segundo: sobre Ordem dos Advogados do Brasil e Defensoria Pública: é de botar Rui Barbosa de joelhos. O que acho deveras curioso éum jornal ir ao mesmo tempo a favor do Banco Central dos Estados Unidos (FED) enquanto ataca profissionais liberais (OAB). O que se percebe é que : de um título e um primeiro parágrafo a FSP quer fazer acreditar o que bem pretende a custa de qualquer entendimento: se bem que o Estadão é pior. Suponhamos que eu exagere. O último parágrafo de BCs é : “A ressaca da crise, todos (quem, vocês?) conseguem ver, está longe de passar. A economia mundial continua anêmica, e as projeções de crescimento, em quase todas as (sic) praças, deprimidas. No Brasil (afinal), que não é uma ilha (ah! é?), suspeita-se (esta é ótima) que a taxa básica Selic (não traduziram a sigla) vá permanecer baixa por ainda muito tempo.” Mas o pior vem depois, quanto a OAB paulista. Depois do título execrável – “Monopólio indefensável” (qual não é?) – segue o ataque lombrosiano à defesa da OAB paulista da assistência jurídica qualificada e paga a quem precisa e não pode pagar. Sem cair em filigranas jurídicas, o editorial é categoricamente contra os advogados apenas porque eles estão unidos na OAB (Zulcy Borges de Souza, jornalista, Itajubá, MG)