Depois da Assembleia Nacional Constituinte de 1988, já se passaram 22 anos. Pergunta-se: quais as mudanças substantivas ocorridas, de lá para cá, na sociedade brasileira? O país se converteu numa democracia popular? Transformou-se num país de respeito às igualdades? Aos direitos e deveres? De predomínio da justiça? De funcionamento integral dos três poderes? De educação e saúde para todos? Superamos o enorme passivo financeiro e social herdado da ditadura militar ou o ampliamos? O Congresso voltou a influenciar e tomar decisões em matéria financeira – item que havia sido subtraído pela ditadura – e até onde isso melhorou as condições sociais do brasileiro? Introduzida pela Constituinte como recurso extremo, pontual e ponto de equilíbrio entre poderes, por que o instituto da Medida Provisória permanece como regra permanente nas relações entre governo e Congresso Nacional?
Essas são algumas questões sobre as quais a mídia brasileira tem se debruçado modesta e acanhadamente no período em que novos paradigmas começam a se impor na sociedade. Contudo, de um modo geral, observa-se uma espécie de ranço corporativo na abordagem dessas questões como até pouco tempo vinha se tornando quase uma rotina a crítica de militares veiculada pela grande mídia sobre a instituição de bolsas pelo governo do PT.
Certamente por desorientação dos seus mentores, as bolsas (família, desemprego etc.) nunca foram condicionadas à geração de renda – e isso deveria ter sido uma rotina para garantir aos beneficiários um valor agregado à obtenção desse beneficio social. No afã de criar esses programas, os sucessivos governos petistas acabaram consolidando o passivo social ao invés de diminui-lo, atenuá-lo ou extingui-lo.
Modelo próprio
Evidentemente, com a urbanização do Brasil, cuja proporção de ocupação da cidade e campo se inverteu em meio século (hoje, 80% da população brasileira vive nas cidades, conforme a fundação IBGE), a mídia se converteu no principal ponto de observação das mudanças registradas no interior da sociedade. Daí, a busca de audiência ter-se transformado na sua principal meta. O mercado, o coração do capitalismo, virou o centro de suas pulsações. Ou seja: com a existência hoje de televisores (antes era o rádio) em quase 100% dos lares e, certamente, em pouco tempo, de computador com internet, caminhamos rapidamente para a conversão do Brasil numa aldeia de comunicação vinculada ao planeta.
Câmeras anexadas aos computadores nos permitem acompanhar as rotinas no interior de uma residência em qualquer parte do mundo. Por isso, a exibição e o acompanhamento das sessões do STF com o julgamento do mensalão tem exercido um grande fascínio sobre a fração politicamente madura e consciente da sociedade: os valores sociais emitidos pelos ministros da Suprema Corte ficarão enraizados na cultura jurídica do país. Esse julgamento já é um divisor de águas na historia política do Brasil.
Quem tiver o cuidado de apreciar, pacientemente, o calhamaço de papel com as edições dos jornalões de 1988 para cá, terminará o exercício com a certeza de que com todos os vaivém da política brasileira, que inclui desde os momentos mais agudos, como o impeachment de Collor, até os que poderiam ser tremulantes, como a sucessão de Lula, o Brasil caminha com passos curtos, porém firmes, em direção a um modelo democrático próprio, alvo que será alcançado com o amadurecimento político de todos os segmentos sociais ativos.
***
[Reinaldo Cabral jornalista e escritor]