Wednesday, 18 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1318

Para quem escrevemos?

Veja o título de matéria do Estado de S.Paulo de sexta-feira (30/8): “Campanha recomenda ácido fólico na gravidez”. No lide aprendemos que o uso do suplemento reduz em até 75% o risco de o bebê nascer com anencefalia ou espinha bífida. Leia agora o título da matéria sobre o mesmo assunto publicada na Folha Online. “Prevenção com ácido fólico na gravidez é rara e incorreta no Brasil”.

Quem é o alvo principal das matérias? A mulher grávida, certo? Errado.

O ponto é que para usufruir as vantagens do uso do suplemento a mulher precisa começar a consumi-lo pelo menos um mês antes de engravidar. Se – como a própria matéria do Estado informa – 58% das mulheres engravidam sem planejar, seis de cada dez destinatárias já perderam a informação. O mesmo acontece com as que não leram a matéria da Folha por não achar que estava dirigida a elas. No texto, a editora assistente de Ciência e Saúde resalta que, na pesquisa apresentada, apenas 13,8% das mulheres consumiram acido fólico antes de engravidar. Vai mudar alguma coisa agora?

Interesses ocultos

Tão certo como o público-alvo da matéria não pode ser a mulher grávida, mas a fértil (que aliás são em número muito maior), o foco também não teria que ser a campanha, mas a mulher. As matérias, porém, descansam sobre a recomendação oficial da Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo). Imagine a mulherada dividindo o espelho para retocar a maquiagem e comentando: “Souberam da última recomendação da Febrasgo?”

Minha experiência de conversa em banheiro compartilhada com outras mulheres é mais simples. “Você se cuidou?”, “Você faz dieta?” Gostaria de ouvir também: “Você toma acido fólico todo dia?”

O problema que originou esta reflexão deriva do fato de que os jornalistas e os seus editores muitas vezes esquecem-se dos leitores. Preocupam-se mais em manter o relacionamento com as fontes. Há mais exemplos disso, na mesma edição do Estadão: “Consumo de narguilé cresce, adverte Inca”‘. E “ANS quer que plano forneça remédios”. O foco não está no individuo, está nas instituições.

Há muitos obstáculos para a informação certa chegar às pessoas que precisam dela. A preguiça intelectual é um deles, e se esconde atrás de muitos de nossos erros. Alguém concorda?

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[Roxana Tabakman é bióloga e jornalista especializada em saúde, autora de La salud en los medios]