Da imaginação fértil e da perspectiva comercial de traduções livres é que surgiram versões para o português de títulos de filmes clássicos, como Os brutos também amam, cujo original é Shane (1953), O pecado mora ao lado, The seven year itch (1955), Assim caminha a humanidade, Giant, (1956), Amor, Sublime Amor, West Side Story, (1961) e Bonequinha de Luxo, Breakfast at Tiffany’s, (1960). Os exemplos são inúmeros e famosos: The wild bunch (1969) virou no Brasil Meu ódio será tua herança, On the Waterfront (1954), Sindicato de ladrões, e High Noon (1952), o impactante Matar ou Morrer.
Naquela época (décadas de 1950 e 60), os tradutores (traidores/criadores) punham o dedo em praticamente todos os títulos estrangeiros. Por isso Vertigo (1958), ao invés de um literal e lírico “Vertigem”, tornou-se um duvidoso mas consagrado Um corpo que cai.
Não se pode medir o sucesso de um roteiro por seu título, mas é certo que é um incentivo a mais para o público assisti-lo. Até a década de 90, as adaptações de títulos para o português mantiveram-se em voga: Airplane!, uma das comédias mais populares da época, virou Apertem os cintos, o piloto sumiu! Antes dela, nos anos 80, a adolescente Ferris Bueller’s day off tornou-se Curtindo a vida adoidado na mão dos inventivos tradutores brasileiros.
Títulos bizarros
Mas uma tendência já se desenhava no horizonte: a de se manter o título original, com Apocalipse Now (1979), Blade Runner (1979), Manhattan (1979), Pink Floyd, the Wall (1982), Platoon (1986), Pulp Fiction (1994) e Kill Bill (2003), Hitch, Batman begins (2005), entre outros. Com a mídia cada vez mais colonizada e a classe média arrivista achando que o domínio do inglês é sinal de cultura e sofisticação, o hábito se acentua, com um paradoxo: a proliferação de cópias dubladas no cinema e na TV e a manutenção dos títulos dos filmes em inglês] High School Music (2009), Toy Story, Transformers (2010), Headhunters (2011)]. Nos canais fechados, o assinante tem a opção do som original. Nas séries de TV, o uso do título em inglês, (Mad Men, Two and a half man, The good wife) é maciço (não porque sejam tão bons que dispensem tradução; mas por ostentação globalizoide), com a transmissão legendada puritana e preguiçosamente. (Igualmente típicos desse deslumbramento são o jovem apresentador de um programa de debates esportivos, que semeia suas frases com jargões tecnológicos para impressionar a audiência, e os narradores que capricham ao nomear os jogadores dos diversos países da Europa, mas quando se trata de latino-americanos dizem Nícolas e Sebástian ao invés de Sebastián e Nicolás: e assim é com muitas palavras da língua espanhola, submetidas que são à pronúncia anglo-saxônica.)
Porém, voltando ao tema central do artigo, foi curioso ver o desapontamento de Mônica Waldvogel na entrevista com uma cientista no programa Entre Aspas, sobre o bóson de Higgs. A entrevistada revelou que “Partícula de Deus” foi um nome sugerido pelo editor do livro a Peter Higgs como estratégia de venda, puro marketing (e por ser a partícula difícil de ser capturada; não por ter efeito geracional, divino, como poderia supor a denominação). Vê-se, desse modo, a importância que um título ambíguo pode assumir. Os estadunidenses costumam ser muito objetivos, até profissionais, quanto a isso. Vão direto ao ponto. O mesmo não se pode dizer dos brasileiros.
A títulos como Eu, tu, eles (2000), Ó, Pai ó (2007), Amarelo-manga (2003), Estômago (2007), Juventude (2008), Insolação (2009), Olhos azuis (2010) e Todo cachorro vira-lata, Amor?, Não se preocupe, nada vai dar certo, Hoje, Teus olhos meus, Espertices e Valenturas, Augustas, A cadeira do pai e Billi pig (todos de 2011) falta, no mínimo, “pegada publicitária”. Talvez os roteiristas os achem instigantes. Alguns parecem até terem sido batizados como poemas, e não cinema, o que revela uma certa presunção. E pode-se até questionar até que ponto um título influencia a escolha do filme a se ver. Mas o poético porém quilométrico Eu receberia as piores notícias dos seus lindos lábios e o cafajeste E aí, comeu? (2011) também merecem a ponderação: o cinema brasileiro pode se dar ao luxo de dispensar público, produzindo títulos bizarros, cifrados ou sem apelo comercial? (Deveríamos aprender com Woody Allen, um gênio que não inventa, cuja última criação nomeou, singelamente, To Rome, with love.)
Flashes certeiros e delicados
No restrito retângulo da programação eletrônica, por exemplo, Eu receberia as piores notícias dos seus lindos lábios (2011) aparecerá na tela como Eu receberia as piores. Supondo que o telespectador vença esta (difícil) fase de seleção e passe para a sinopse, outro mundo sem lei das TVs por assinatura se apresenta. Os responsáveis por ela parecem sempre muito atarefados e veem só as primeiras cenas dos filmes, de forma que os resumos se limitam a estas.
De modo que a escolha dos filmes nas TVs a cabo há de ser sempre pela crítica especializada que se teve quando passaram no circuito das salas de projeção. Se o telespectador não tiver essa referência, só a curiosidade o convencerá a ver um filme nacional com um título desses ou pelas sinopses limitadas que os canais oferecem.
Títulos fracos ou inadequados não são tradição no cinema brasileiro; eles aparecem com mais frequência na atualidade. O pagador de promessas (1962), O bandido da Luz Vermelha (1968), Bye, bye, Brasil (1979), Central do Brasil (1998), e Cidade de Deus (2002) são exemplos de roteiros cujas denominações davam a exata medida do que se veria na tela: um componente a mais para o sucesso de público e renda desses que já são considerados clássicos do cinema nacional. O que esses filmes têm em comum? Além da qualidade acima da média, títulos que ao mesmo tempo são flashes certeiros e delicados convites a assisti-los com atenção.
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[Silvia Chiabai é jornalista]