Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

A gente não quer comida nem ar puro

A greve do serviço público federal acabou. Boa oportunidade para discussão de temas correlatos ao funcionalismo e, ao mesmo tempo, vitais à sociedade. Proponho falar de comida e ar puro. Dois itens caros e cada vez mais em ascensão nos grandes fóruns e debates mundiais. Aliás, dizem que nós brasileiros somos sortudos nestes quesitos. Então, qual o peso que tem a forma pela qual tratamos a produção de alimentos e o cuidado com os recursos ambientais no papel do serviço público ligado a estes setores? Ao que vimos recentemente, parece que pouco ou nenhum peso. Explico.

Tomemos como pontapé inicial a greve do serviço público federal. As discussões que se seguiram na mídia nos últimos dois meses tiveram como carro-chefe a suposta irresponsabilidade de parte dos grevistas (alguns veículos generalizam o tema sem fazer distinção de ideologia e de reivindicações). Tal abordagem levou o tema à vala comum da discussão apenas em torno de mais salário. Não qualificamos o debate; não fomos a fundo; não discutimos as notas de rodapé. E se fôssemos, será que haveria audiência? Talvez não.

Os supersalários, por exemplo, apresentados pela revista Época, e por Veja (edição de 22/08/2012) mostram apenas a fina capa do problema. Rediscutir os mega-salários, sim, parece boa estratégia, mas cabe uma lupa tanto dos astronômicos quando dos minguados. Melhor: se vamos falar em salários públicos, talvez caiba pensar na possibilidade de acabar com serviços que diretamente têm relação com a disponibilidade de ar puro e comida. Mudaríamos o foco?

A mídia é o que vende?

Parcialidade à parte, interessante notar que dois grupos de servidores que atuam diretamente naqueles dois itens básicos da vida (comida e qualidade do ar) pouco tiveram espaço: o Incra – Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária e o Ibama – Instituto Nacional de Meio Ambiente. Alto lá!, gritaria alguém. O Ibama não estava na greve. Bem, chegaremos lá. Aliás, o brasileiro médio – na maioria – desconhece o papel destes dois órgãos. Já é um sintoma desanimador. Vale então um resumo: enquanto o primeiro cuida da estrutura fundiária das terras e, em última análise de onde se produz comida, o Ibama é responsável pela execução da política ambiental brasileira.

Falando em Ibama… Bem verdade que não entrou no movimento paredista (de greve). Mas dada a sua estreita relação com a política agrária e agrícola dá para traçar, se em greve estivesse faria diferença ao grande público? A verdade é que pouco vimos (se houve alguma coisa) de debates a respeito do papel destes dois órgãos no cenário estratégico do país. Não nos parece supérfluo e menos estratégico falar em alimentos, água limpa, medicamentos e biodiversidade. Justiça seja feita ao site Observatório da Imprensa. Nela pudemos verificar opiniões de todos os lados. Destacamos, entre muitos, o texto “A cobertura das greves”, neste Observatório.

Diga-se, aliás, um amigo jornalista logo tratou de lembrar que mídia vive do que vende. Falar de comida e questão ambiental ainda não pegou, reitera o amigo. Ah, mas é mais que vendável quando se retrata o setor policial e tributário nas primeiras páginas. Também parece lógico que somente será notícia se discutir o que os servidores querem: salários astronômicos ou que estão desrespeitando a população. Humm, então está explicado parte da posição da mídia.

A opinião pública sem opinião?

Vamos mais a fundo. A irresponsabilidade pontual de alguns grupos e a fome por salários não explica tudo. Somente fração dos servidores tem contracheques que, talvez, não justifiquem aumento nos valores solicitados para o momento. A grande maioria está com problemas seriíssimos de estrutura da carreira, redução de quadro e falta de estímulo.

A opinião pública tem melhorado seu gosto crítico ou piorado? Dizem os especialistas que o povo é reflexo do que lê, ouve e assiste na imprensa. Será? Se mal conseguimos discutir temas caros à nossa vida cotidiana, como aquele que garante a comida na mesa ou dos recursos ambientais, talvez não valha a pena discutir outras coisas, como, por exemplo, serviço público, salário e sua inevitável relação custo-benefício.

Polícia, salário, violência e imposto são temas caros ao cidadão, que paga seus impostos. Contudo, não é igualmente doloroso discutir os rumos que queremos para a segurança alimentar e a qualidade de vida. Temas claramente de cidadania. Comida e ar puro. Dois temas caros e cada vez mais em ascensão nos grandes fóruns e debates mundiais. Temos que começar a discutir isso no Brasil.

***

[Ronaldo Pereira Santos é servidor público federal, Manaus, AM]