Wednesday, 18 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1318

“Brazuca”, a bola da Copa

Sei que estou um pouco atrasado, mas nas últimas semanas tive de fazer mais de uma escolha de Sofia. No fim da última coluna, prometi trocar duas palavras sobre o nome da bola da Copa-2014 e sobre o barulho causado pelo “porque” do bilhete que a presidente Dilma Rousseff mandou a duas ministras.

O “porque” do bilhete da presidente Dilma vai ficar para outro dia. Hoje haverá espaço apenas para a bola da Copa, cujo nome “oficial” (“Brazuca”) causou alguma polêmica nas últimas semanas. O nome vitorioso passou por cima de “gorduchinha” (palavra que, dizem os papas do processo, os gringos não conseguiriam pronunciar), “samba”, “carnavalesca”, “bossa nova”, “caramuri” e sabe Deus mais o quê.

O fato é que muita gente ficou indignada com o “z” de “brazuca”, termo que, obviamente, vem de Brasil, que, ao menos por aqui, ainda se escreve com “s”… Impossível não pensar na genial canção “Querelas do Brasil” (melodia do saudoso Maurício Tapajós; letra genial do genial Aldir Blanc): “O Brazil não conhece o Brasil / o Brazil nunca foi ao Brasil…” Em sua magistral interpretação, Elis Regina pronunciava “Brazil” à moda gringa, para que ficasse clara a contundente mensagem de Aldir, infelizmente ainda tão atual.

Tudo tem limite

Segundo informações da multinacional que vai fabricar a tal bola, “a grafia com ‘z’ simplificou o processo de registro oficial do nome no exterior, pois baseia-se no nome internacional do país (Brazil)”. Então tá! Papai Noel existe, a cegonha traz os bebês, a cidade de São Paulo é organizada e muito bem administrada, o transporte público no Brasil é uma maravilha etc. Haja paciência! Onde se lê “nome internacional”, leia-se “nome em inglês”. Em italiano, é “Brasile” (lê-se “brazile”); em espanhol, “Brasil” (lê-se “brassíl”); em francês, “Brésil” (lê-se “brezíl”); em alemão, “Brasilien” (bem, não me atrevo a dizer como se lê) etc.

É fato que nós já grafamos “Brazil”, mas isso foi há muito tempo… Também é fato que, como bem me lembra a amiga e colega Thaís Nicoleti e como atestam alguns dicionários, o uso de “brasuca” (que, em português, assim se escreve) nasceu em Portugal e pode ser jocoso, pejorativo. Salvo engano, “brasuca” parece estar para “brasileiro” assim como “portuga” está para “português”. Mesmo por aqui, o termo “brasuca” foi usado durante um bom tempo com tom negativo e não sei não se ainda não é assim. Estranhamente, a última edição do Houaiss não registra o termo (a penúltima o registra), mas, no sufixo “-uca” afirma o seguinte: “Pejorativo, empregado em…” Sabe qual é o primeiro exemplo? É justamente “brasuca” (outro dos inúmeros exemplos é “mixuruca”).

Como se vê, não bastou a escolha de um nome de gosto duvidoso; foi preciso acrescentar-lhe um “z” para dar-lhe tempero que agrade ao paladar da matriz… Quem sabe com a difusão de “brazuca” os gringos se convençam de vez de que a capital do Brazil é Buenos Aires…

E assim ficamos: brazuca, paralímpicos etc. Acordos, conchavos, patentes y otras cositas más norteando a nossa grafia… É bom que se diga que a ortografia, nem de longe, é a parte mais importante dos estudos linguísticos, mas devagar com o andor. Tudo tem limite. É isso.

***

[Pasquale Cipro Neto é colunista da Folha de S.Paulo]