Já contei aqui um par de histórias de um fotógrafo, grandíssima figura, com quem trabalhei em meus começos de carreira. Pois aqui vão mais duas do mesmo personagem, hoje convertido ao ramo da pastelaria.
Recém-chegado ao Paraguai para uma reportagem, ao preencher ficha no hotel lhe pediram nome e sobrenome – em espanhol, naturalmente, língua que ele não traçava:
– ¿Nombre?
– Emílio.
–¿Apellido?
– Wakamoto.
Era assim que o chamávamos na redação, por causa de um xarope homônimo, então novidade nas farmácias brasileiras. E xarope ficou sendo o Ishimura, para efeitos também de hotelaria paraguaia.
Registro único
Ao tempo em que era cinegrafista de TV, coube certa vez ao Wakamoto cobrir uma exibição da esquadrilha da fumaça. Como os colegas ali reunidos, registrou o ir e vir, as piruetas, os flatos fumarentos dos aviõezinhos. Ao contrário dos demais, porém, não gastou todo o filme – reservou uns tantos pés, com um mau agouro que horrorizou os companheiros:
– Vai que um desses cai…
E arregalou em direção ao céu os olhos amendoados – até que um dos aparelhos, desgarrando-se do grupo, entrou em curva descendente.
– É agora! – anunciou o Wakamoto, assestando a câmera para fazer o único registro de uma tragédia que, no fim do ano, lhe valeria um disputado prêmio jornalístico.
Fratura exposta
Em matéria de faro para o azar, no entanto, o Wakamoto nem de longe poderia rivalizar com aquele outro fotógrafo, cujo nome convém silenciar.
Com esse camarada – vamos chamá-lo de Toc-Toc, em alusão às batidas na madeira com que em geral era recebido onde houvesse chegado sua reputação de azarento – topou um dia um colega, o Ênio, na saída do banco. De bermudas, ele que parecia ter nascido de paletó e gravata, o repórter tinha passado ali para sacar o dinheiro da viagem de férias. Ao dar de cara com o Toc-Toc, fez que não o viu – mas lá veio o abutre da objetiva. Veio e, como todo chato, ficou. De nada adiantou o Ênio despedir-se dele ao cabo de duas ou três frases, alegando urgências da viagem. Só na quadra seguinte conseguiu desvencilhar-se do abantesma. Na esquina, despediu-se às pressas – e já ia pondo os pés na rua quando o camarada, a suas costas, chamou:
– Ênio! Boas férias!
– Obrigado – pôde ainda dizer o jornalista, girando a cabeça para agradecer, cortesia que lhe custou cair numa boca-de-lobo, a qual, ao lhe proporcionar uma fratura exposta, tragou também o que poderiam ter sido para o Ênio as primeiras férias em muitos anos.
Santo remédio
Aquele outro não fazia mal a ninguém – a não ser, quem sabe, quando, à noite, a caminho de uma reportagem, via casais embicarem o carro na entrada de algum motel. Com a divertida malignidade que tempera seu especialíssimo senso de humor, o fotógrafo, nessas ocasiões, pendurado numa janela do carro do jornal, disparava o flash, qual paparazzo ante celebridades, ou detetive particular à cata de flagrante de adultério. O sabotador de amores furtivos nunca ficou para ver o desfecho da molecagem, porém se regalava ao imaginar súbitos esmorecimentos funcionais que nem o mais potente comprimido azul, nos dias de hoje, daria conta de reverter.
Piscadela
Não esqueçamos, por fim, outro profissional das lentes, esse miúdo, feioso e atarracado, machista ao ponto de o chamarem, na redação, de “reprodutor”. Pois lá estava um dia a criatura no aeroporto, em companhia de uma repórter com quem ia viajar. Ora, sucede que naqueles começos de anos 70, o auge da repressão, ninguém embarcava sem que sua bagagem de mão fosse minuciosamente fuçada por policiais. O fotógrafo, que era também galante, tinha se oferecido para carregar a sacola da colega. Quando deu por si, já estava junto à bancada onde as bagagens eram inspecionadas. E eis que o policial, metendo a mão na bolsa, de lá extraiu um sutiã, peça que teve a maldade de erguer bem alto, ao mesmo tempo em que piscava para o fotógrafo e lhe dizia, para todos ouvirem:
– Boa viagem, boneca!
Em matéria de apelido, resignou-se o moço, melhor ficar com “reprodutor”.
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[Humberto Werneck é jornalista, colunista do Estado de S.Paulo]