A saída de cena de alguns dos principais executivos no comando da BBC não foi suficiente para amainar a crise de confiança na emissora, subsidiada pelo contribuinte com um imposto anual equivalente a R$ 475. No mesmo dia em que anunciou o afastamento temporário da diretora de redação, Helen Boaden, e de seu vice, Steve Mitchell, ela se tornou alvo de críticas do governo pelos termos negociados para a renúncia de seu diretor-geral George Entwistle. Nas palavras do porta-voz do premier, David Cameron, e da ministra da Cultura, Maria Miller, seria “difícil justificar” o pagamento do salário anual de R$ 1,47 milhão ao executivo, que ficou apenas 54 dias no cargo e anunciou sua saída no sábado passado. O assunto foi discutido no Parlamento e dois deputados indagaram se não era o momento de rever o sistema de cobrança obrigatória dos contribuintes para custear as operações da BBC.
Sem entrar em detalhes, a ministra Maria Miller disse que essas discussões fazem parte do processo de renovação de licenças da emissora, realizado a cada dez anos, e que o Escritório Nacional de Auditoria poderia investigar as condições de saída de Entwistle. “É uma grande quantia em dinheiro, e difícil de justificar considerando as circunstâncias da partida de Entwistle e suas disposições contratuais”, disse.
Solução rápida
O presidente da fundação que controla a BBC, lorde Chris Patten, esclareceu que o executivo teria direito a seis meses de salário se pedisse demissão, e a 12 meses caso fosse demitido. Segundo ele, o acordo levou em conta a necessidade de concluir rapidamente a negociação e de contar com sua boa vontade para inquéritos associados ao escândalo do apresentador e DJ Jimmy Savile, morto no ano passado.
Savile teria molestado crianças e jovens ao longo de 40 anos, inclusive nas instalações da própria BBC. O caso foi o estopim da crise de credibilidade da rede de rádio e TV, já que ela teria engavetado uma edição do Newsnight sobre as ações do DJ. Os motivos que levaram ao cancelamento do programa são alvo de apuração interna, e durante esse processo a diretora de redação e seu vice ficarão afastados.
No Parlamento já se tornam recorrentes os pedidos para que o próprio Lorde Patten renuncie, mas o porta-voz de Cameron disse que o premier confia na atuação dele. A saída de executivos da emissora foi desencadeada por um novo episódio envolvendo abusos de crianças depois do caso Savile. A BBC se viu obrigada a pedir desculpas por ter acusado erradamente numa reportagem do Newsnight um político conservador de abusar de crianças. Identificado na internet como lorde Alistair McAlpine, ele ameaçou processar a emissora. Apesar das iniciativas de afastamento de executivos ou renúncia de cargos, a saída de Entwistle foi interpretada pelos críticos como um prêmio para má gestão.
Entrevista abandonada
O diretor-geral interino, Tim Davie, disse que estava tomando o controle da situação e que pediria desculpas pessoalmente ao político acusado equivocadamente. Ainda assim, sua primeira entrevista ao vivo não transcorreu tranquilamente. Questionado pela Sky News, do magnata Rupert Murdoch, sobre o acordo para a saída de Entwistle e se ele havia sido responsável pela reportagem errada, ele pareceu abandonar a entrevista no meio para não responder à pergunta. Segundo a BBC, o episódio não passou de um mal-entendido, porque ele já tinha outros compromissos agendados.
Os questionamentos da imprensa e do governo atingem não só os ocupantes atuais do cargo, como os que já não estão mais na empresa. Mark Thompson, que era o diretor-geral quando o programa sobre Savile foi cancelado, diz que não tinha conhecimento em detalhes do episódio. Ele assumiu ontem como o novo presidente do New York Times e disse que a polêmica não afetará seu trabalho. “Acredito que a BBC é a maior emissora do mundo. Não tenho dúvida de que ela vai reconquistar a confiança do público no Reino Unido e no mundo.”