Sunday, 22 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

A defenestração de Mano Menezes

Entre as teorias do jornalismo, está incrustada a do gatekeeper, onde o personagem jornalista é considerado um cão de guarda que fica à frente de um portão e irá definir o que é ou não notícia. E nesse universo de definir o que dará ao acontecimento comum o status estrelar de notícia muitos critérios vêm à tona. Uns bem evidentes, outros nem tanto. Por exemplo, o futebol sempre terá o seu espaço nas produções jornalísticas brasileiras. No país do futebol, onde a maior parte do noticiário esportivo é dominada por temas relacionados a este esporte especifico, certamente a demissão do técnico da seleção tomaria conta das pautas do jornalismo brasileiro naquela sexta-feira, 23 de novembro de 2012. E não foi diferente! O gatekeeper cumpriu a sua função.

Mano Menezes esteve à frente da seleção brasileira por mais de dois anos e tentou emplacar um estilo próprio de gerenciar seu time. O treinador comandou o Brasil em 39 jogos (contando com a equipe olímpica), conquistando 26 vitórias, seis empates e sete derrotas. E como no Brasil todo mundo entende de futebol, este estilo não agradou. Nem torcedores, nem o novo gestor da Confederação Brasileira de Futebol (CBF), José Maria Marin, que apresentou a demissão do então técnico. A demissão veio como uma surpresa, já que a seleção brasileira acabara de ganhar o segundo título do grande clássico das Américas, contra a famigerada seleção argentina.

E depois de muitas entrevistas o que se percebeu foi que o Mano Menezes saiu decepcionado e sem entender bem o acontecimento, já que sua seleção estava vitoriosa. A decepção do treinador lembra o cronista Luis Fernando Veríssimo, quando descobriu o significado do verbete defenestração: ato de atirar alguém ou algo pela janela. “Acabou a minha ignorância, mas não a minha fascinação. Um ato como este só tem nome próprio e lugar nos dicionários por alguma razão muito forte. Afinal, não existe, que eu saiba, nenhuma palavra para o ato de atirar alguém ou algo pela porta, ou escada abaixo. Por que, então, defenestração?”, conta o escritor numa crônica.

Futebol sempre vira notícia

E, tentando responder ao questionamento, ele descobriu que a palavra defenestrar tinha origem francesa e que os franceses de antigamente deveriam executar muito esse hábito. De todo modo, quem sentiu na pele a dor amarga de ser defenestrado foi Mano Menezes. Talvez aí conste a decepção do treinador ao responder os repórteres, que cumpriam o seu papel de jornalistas especializados.

William Waack, âncora do Jornal da Globo, é um daqueles gatekeepers de que falam as teorias do jornalismo e a ele cabe a função de apresentar o telejornal e fazer a escalada de suas matérias, função que divide com Cristiane Pelágio. Nesta semana, o jornalista global exerceu sua atividade deixando claro seu conhecimento da língua portuguesa, que gosta de literatura e pode definir o que vai ou não ao ar na telinha da Globo.

O apresentador cunhou em sua atividade diária a palavra defenestrar ao tratar da demissão do técnico Mano Menezes, e palavra nenhuma poderia definir melhor, figurativamente, o ato que acabara de sofrer o profissional do futebol. Havia sido defenestrado, de uma janela (fictícia) qualquer da confederação brasileira, o técnico da seleção. Aquilo movimentou o país, na mesma semana em que outro atleta era julgado por assassinato (caso goleiro Bruno). O futebol sempre vira notícia.

Não é para qualquer um

E como já é sabido, a criatividade e o entretenimento são características que circundam o jornalismo esportivo nacional. Onde humor e mau-humor sempre podem estar presentes. Programas televisivos cheios de elementos técnicos, design, de personagens, de jornalistas que se misturam com o próprio acontecimento, de cores, e como assertivamente reforçou o Waack, até mesmo de defenestrações, caracterizam este modelo jornalístico, o de esporte.

Centros de pesquisa em jornalismo desenvolvem estudos sobre os novos formatos de produção em jornalismo esportivo e de como essa categoria se institui diferenciadamente no universo produtivo da comunicação. Talvez não nos decepcionemos com o estilo produtivo e nem com os profissionais especializados em esporte, do contrário estaremos em situação similar a de Veríssimo e Mano Menezes. Em vésperas de grandes eventos esportivos, o mercado do jornalismo está provando que pode propor gêneros jornalísticos, decidir com mais afinco o que será ou não notícia, que palavras podem usar e como interagir com o público. Em outras palavras, exercendo com demasiada habilidade a capacidade de serem gatekeepers e profissionais de decisão. Depois que o William Waack usou a palavra defenestrar numa escalada para a matéria de demissão de Mano Menezes, o jornalismo esportivo pode tudo! Afinal, defenestrar não é para qualquer um, e o jornalismo esportivo continua e graças a ele, a demissão do Mano, não teve nada de francesa, a não ser pela origem do verbete defenestrar.

Referências bibliográficas

VERÍSSIMO, L.F. O Analista de Bagé. Porto Alegre, L&PM Editores, 1982

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[Thays Teixeira é jornalista e mestranda em Comunicação pela Universidade Federal do Piauí]