Na primeira entrevista coletiva como treinador da seleção, Luiz Felipe Scolari causou polêmica ao comentar que quem joga futebol não pode reclamar de pressão. “Se não quer pressão, vai trabalhar no Banco do Brasil, senta no escritório e não faz nada…”, afirmou. Para parte da torcida, a pancada foi desleal. No mesmo dia, uma indignação coletiva se espalhou pela internet e redes sociais, com repercussões na imprensa. Com precisão na cobrança da falta, o BB divulgou nota em que deseja boa sorte ao técnico, esperando que as grandes conquistas do vôlei brasileiro, patrocinado pelo Banco há mais de 20 anos, inspirem o trabalho da seleção de Scolari.
O mundo mudou. Uma afirmação irrefletida, mesmo quando assinada por respeitado campeão mundial, pode desencadear reações em multidões nunca vistas nas arquibancadas. É o risco de quem passa por cima de regrinhas básicas. Entrevista coletiva, em momento de expectativa, dada por alguém em posição de destaque, não pode ser encarada como conversa na roda da churrascada.
Por essas e outras, o chimarrão deve ter descido mais amargo para o técnico gaúcho assim que lhe chegou a pitada de correção: desde 1986, quando o governo extinguiu a Conta Movimento (mecanismo de suprimento automático de recursos para operações de crédito), o BB tem de entrar em campo para disputar sua fatia no mercado. Se não atuar bem, a mais branda das consequências é a vaia de 400 mil acionistas.
Mas Felipão tem de entender de futebol, não de sistema financeiro. Então, confiemos em seu trabalho, com a certeza de que não assistiremos à tentação nacional de desmerecer jogadores por asneiras de dirigentes. Muitas instituições competentes passam por isso, quando sua imagem sofre contínuos arranhões causados pela ingerência de políticos ávidos para ter o controle de órgãos e entidades dotados de altos orçamentos, compelindo-os a desvios de toda ordem.
Imagem pública
Brasília é bom exemplo desse mal crônico que fez da capital perfeita metonímia nas citações que tomam a cidade como sinônimo da bandalheira que ela suporta, sem a necessária ressalva de que bandalhos lá estão porque enviados pelas urnas do Brasil (muitas vezes, com suas comitivas a reboque) ou por decisão de instâncias que transcendem os poderes da cidade e das comunidades de servidores que moram lá.
Mas quem é bom de bola sabe como fazer de cada lançamento uma chance para avançar. Para esses, a declaração de Scolari à imprensa lança oportunidades e desafios. Ao mesmo tempo em que põe em xeque a boa forma do pessoal que trabalha em tradicionais instituições e o poder defensivo de classes que zelam por sua dignidade profissional, reforça a expectativa de que empresas controladas pelo governo mostrem que não são poltrona de cartola e que seu balanço anual não admite analogias com cadeira de balanço.
Oportunidade também para que o BB e outras organizações ligadas ao governo avaliem se – e por que – sua imagem pública poderia estar distorcida, como sugeriu o exemplo que escapou na entrevista de Scolari. Afinal, toda empresa que desembolsa milhões em verbas publicitárias para conquistar boas posições na percepção do mercado tem a responsabilidade de avaliar o resultado desses gastos. Missão para os craques do ramo.
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[José Ricardo Zani é jornalista, Brasília, DF]