Pessoas de bom senso sempre são, como dizia Millôr, contra quaisquer reformas ortográficas. Também é estranho a ortografia de uma língua depender dos poderes instituídos. Como gostamos de criar leis, mesmo que seja para não cumpri-las! Desde 1911, tentativas de unificação da escrita trazem uma coincidência que reforça a implicância com as reformas: aconteceram nas ditaduras ou em governos pouco democráticos. O pior é que quem desconhece a evolução das línguas culpa a gramática e os gramáticos, que “vivem inventando moda”. Quem as muda é o povo! Aos estudiosos, cabe acatar, explicar e nomear tais alterações.
O acordo de 1990, nascido do nacionalismo de Sarney, foi alinhavado por José Aparecido e Antônio Houaiss, entre outros. Aprovado em 1995, quando o primeiro era outra vez presidente, mas do Senado, o governo FHC deixou-o parado, talvez por não considerá-lo importante… No período Lula, a fim de valorizar mais o Brasil na ONU, foi ressuscitado e, trocada a unanimidade por maioria (violência à semântica da palavra “acordo”), sancionado em 29/9/2008, tendo cada nação o direito de fixar um prazo de coexistência das regras antigas e novas, até que essas prevalecessem. Determinou que, aqui, as novas regras vigeriam em 2009, que as antigas persistiriam até 2012 e que a Academia Brasileira de Letras seria a responsável por tirar dúvidas e produzir um vocabulário ortográfico oficial, lançado em 19/3/09.
Órgãos de imprensa logo obedeceram às mudanças. Editoras imprimiram seus livros com a nova ortografia, recomendação do próprio MEC. Mestres de português atualizaram-se, e o ensino tratou do assunto com curiosidade e atenção. Enfim, o Brasil de verdade, real e moderno, acompanhou as mudanças: seguiu o enredo e mostrou respeito à democracia e ao espírito republicano.
País preguiçoso e acomodado
O professor Evanildo Bechara, maior gramático do país, com mais de 80 anos, não teve medo de encarar e justificar o novo. Colocou-se à disposição para ouvir opiniões (algumas tolas), responder a elas, quando necessário, e anotar sugestões boas, já pensando que, sendo viva, a língua exigiria aperfeiçoamentos.
Nós, professores, escrevemos esquemas e dicas, realizamos palestras – meu amigo Sérgio Nogueira e eu fomos a vários lugares, além de incluirmos a “reforma” no “Soletrando”, do Luciano Huck. É… o Brasil moderno esqueceu divergências e se adaptou, mesmo podendo aguardar quatro anos para fazê-lo.
Agora, surge o adiamento no pedido do Senado e no decreto da presidência de um país preguiçoso e acomodado, ao qual custou aprender meia dúzia de novidades. Vitória da inércia de poderes com senilidade – aliás, essa palavra tem a mesma raiz de Senado, mas – é bom ressaltar – com carga semântica diferente daquela da época dos romanos, quando a idade indicava algo mais sábio. Bem diversa da que se atribui a Bechara, pronto a evoluir, a estudar, a aprender, o que impede a nossa fossilização. Porém, ainda resta crer em Drummond: “Ó vida futura, nós te criaremos!”
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[Ozanir Roberti Martins é professor]